Abriu há duas semanas, na Praça do Comércio,
junto ao pelourinho, e no antigo espaço da Casa Bonjardim, uma loja com uma
arte que muita falta fazia na Baixa: a recuperação de livros antigos. Como já
tenho escrito várias vezes, o Centro Histórico precisa de negócios diferentes
dos que por cá existem. Nos últimos tempos tenho assistido e dado conta de
inúmeros projectos falhados por não se ter levado em conta três premissas
fundamentais: o desconhecimento total do
saber fazer na área de investimento; aposta
em comércios mais do mesmo e já existentes na zona; e rendas elevadas que conduzem inevitavelmente ao fracasso.
Com esta concepção de ser diferente no meio de
muitos iguais, vou aproveitar para me servir de paradigma e tentar mostrar que
o futuro desta zona velha, inevitavelmente, passa também por ideias de
profissões em desaparecimento. A abertura de novos estabelecimentos na Baixa
tem de primar, obrigatoriamente, pela originalidade e pela recuperação de artes
ancestrais. Deixando um pouco o julgamento ao leitor, vou dar a palavra à Maria
do Céu Ferreira, de 43 anos, uma mulher de coragem e que sabe muito bem do que profissionalmente
faz. Vamos ouvir:
“Tudo começou há uma vintena de anos, em
Alverca, quando tirei um curso profissional e que me fez emergir este talento -quem
sabe por obra e graça de São João de Deus, patrono dos livreiros e tipógrafos?
A seguir estagiei na oficina-escola de Artes e Ofícios da Santa Casa da
Misericórdia de Santarém. Depois estive a trabalhar cinco anos na Fundação
Ricardo Espírito Santo, em Lisboa. Ao longo de todos estes anos sempre dei
formação.
Sou natural de Santarém e há três anos que aportei à cidade dos
estudantes. Instalei-me com armas e bagagem, como quem diz com uma vontade
férrea de vencer, na Rua da Alegria, com oficina de recuperação e restauro de
livros antigos. Felizmente para mim, para tanta procura, o espaço, lá, já se
tornava insuficiente. Para além disso, tinha um sonho que era vir para o
coração da Baixa. Estou muito contente, sabe? Nota-se, não nota? Apesar de
ainda estar aqui há pouco tempo dá para ver que vou ter muita sorte. As pessoas
estão sempre a entrar. Olhe ali aquele grupo de turistas. Talvez pela
classificação da Unesco, há muitos viajantes, não há? Sempre compram alguma coisa,
um caderno diário, ou outro qualquer artigo em papel que produzimos aqui. São
sempre trabalhos originais, únicos, e que não se encontram à venda em qualquer
outro lugar. Fazemos tudo manualmente e com recurso a técnicas antigas. Para
além disso já fizemos novos clientes para o restauro. Graças a Deus há trabalho!
É certo que já não é igual há três anos, mas vai sempre aparecendo. Como
praticamente todas as outras actividades laborais, tive de baixar os preços
quando, paradoxalmente, os custos dos materiais subiram em flecha. Mas o que havemos
de fazer? O que me interessa mesmo é não deixar morrer esta técnica que já vem
dos nossos antepassados e quero passar aos vindouros. A minha alma está aqui no meio destes alfarrábios, a
que retiro das trevas do esquecimento e volto novamente a dar vida. Nem tenho tempo para me sentar,
acredita? Há, é verdade, até me esquecia, dou também formação no CEART, Centro
de Formação Profissional do Artesanato, na Pedrulha, e sou mestranda do Curso
de Conservação e restauro da Universidade de Coimbra.
Tenho sido muito apoiada por todos, até pela senhoria deste meu espaço
arrendado que, sem me conhecer, acreditou no meu trabalho. Pago uma renda muito
acessível. Se acaso ela ler este texto, aproveito para lhe enviar um beijinho
de enorme agradecimento. É com proprietários assim, com uma desmedida generosidade
e assumindo a sua quota-parte de responsabilidade, que conseguiremos soerguer a
Baixa novamente.”
1 comentário:
Amigo:
Afinal de vez em quando lá vem uma boa e renovadora, na esperança que tenho para a minha cidade, notícia.
Que esta oficina e seus empreendedores sejam íman para outras artes e artesãos que tanto valorizarão a nossa citadina Baixa milenar. Diga-se, esta loja serve-lhe como uma luva!
Os meus parabéns com desejos de grande prosperidade à proprietária Senhora.
Para si agradecendo-lhe, um abraço
Álvaro José da Silva Pratas Leitão
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