sábado, 17 de maio de 2014

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO"; e "UM CONSERVADORA DE ALFARRÁBIOS, NA BAIXA"; e "UM "ÓLIFANTE" NO QUEBRA-COSTAS"



REFLEXÃO: O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO

Enquanto animais políticos, que somos todos, semanalmente elegemos, pelo menos, dois temas para discussão pública, um nacional e outro europeu -ou mundial. Por muito que critiquemos esta forma, por vezes acintosa, de análise, todos acabamos a beber na mesma água da fonte contagiosa de mimética.
Não me vou debruçar sobre o tema nacional que, neste momento, andará na boca dos portugueses –se calhar, será a saída da Troika- porque essa não é questão que me interessa aqui focar. Por exclusão de partes, tendo em conta o que escrevi atrás, nesse caso vou referir o assunto internacional. E qual é o desta semana? Interrogará você, leitor? A meu ver, é o Festival Eurovisão da Canção, em que o vencedor -ou a vencedora, nem sei- foi um travesti, de 26 anos que representou a Áustria. Batizado com o nome de Tom Neuwirth e que, segundo a imprensa, dá corpo à colombiana Conchita Wurts. Antes de prosseguir convém definir um travesti. Embora subdividido em várias categorias pelas ciências da medicina e da psicologia, vou à noção generalista de travestismo. Esta, é uma expressão significante de um travesti que segue um caminho diferente no género que lhe foi designado no ato de nascimento. Ou seja, se germinou homem, renega o seu papel de masculino que a natureza lhe concedeu e opta por viver o sexo oposto, pelo feminino. Não me vou debruçar muito sobre as causas, mas do ponto de vista médico sabe-se que têm a ver com a genética, na parte hormonal, e com o inconsciente. E este fenómeno é de tal modo reconhecido que a OMS, Organização Mundial de Saúde, declara a transsexualidade como um tipo de transtorno de identidade de género. Ao longo da história da humanidade estes iguais no somático, corpo, mas diferentes na psico, mente, sempre foram tratados injustamente como aberrações e abaixo da sua condição inalienável de dignidade de humanos. É bom lembrar que, nas últimas décadas e pela força coercitiva imposta pela lei, a sociedade muito avançou para reconhecer o respeito merecido por quem sofre desta anomalia genética –sim, anomalia, não doença como vulgarmente se diz! Embora escreva sem conhecimento de causa, creio que ninguém é transsexual por gostar de ser. É bom recordar que não se trata de uma escolha alternativa mas sim a opção possível para a felicidade; nasceu-se assim, com corpo de homem/mulher e com mente do oposto.
Depois desta explicação, implicando alguma subjetividade na minha forma de pensar, vamos então ao facto que me levou a escrever esta crónica. Comecemos pelo objeto do Festival da Eurovisão. Qual é? Apurar uma canção entre vários países europeus concorrentes. E foi ou não apurada uma composição vencedora? Foi! Gosta-se da cantiga? Não se gosta? Ou assim, assim? Tudo bem, esta preferência, ou não, entra no campo da individualidade de cada um e, de certo modo, não será discutível. Ora o que está acontecer com este festival europeu? Esqueceu-se o essencial, que é a composição –que para mim, é lindíssima!- e passou-se ao acessório, que é o modo de apresentação do interprete. Ou seja, num preconceito sem classificação admissível, passou a embrulhar-se tudo no mesmo pacote. Como não se gosta do cantor(a), por projeção mental de pré-conceito, também se detesta a canção.
Sem que ninguém me pergunte acabo a responder: choca-me a apresentação da “mulher barbuda”, como depreciativamente tem sido tratada nas redes sociais do mundo inteiro? Choca sim! Não sou muito indiferente à imagem e ao pensamento comum da maioria. Tudo o que é diferente, distinguindo-se do igual, causa apreensão. Porém, sou invadido de uma tolerância humanística e não misturo as coisas. Uma coisa é o fim do festival, que foi apurar uma canção, outra é a forma física de quem a levou ao palco –que apenas a ele lhe diz respeito. É difícil perceber isto?


UMA CONSERVADORA DE ALFARRÁBIOS, NA BAIXA

Abriu há duas semanas, na Praça do Comércio, junto ao pelourinho, e no antigo espaço da Casa Bonjardim, uma loja com uma arte que muita falta fazia na Baixa: a recuperação de livros antigos. Como já tenho escrito várias vezes, o Centro Histórico precisa de negócios diferentes dos que por cá existem. Nos últimos tempos tenho assistido e dado conta de inúmeros projetos falhados por não se ter levado em conta três premissas fundamentais: o desconhecimento total do saber fazer na área de investimento; aposta em comércios mais do mesmo e já existentes na zona; e rendas elevadas que conduzem inevitavelmente ao fracasso.
Com esta conceção de ser diferente no meio de muitos iguais, vou aproveitar para me servir de paradigma e tentar mostrar que o futuro desta zona velha, inevitavelmente, passa também por ideias de profissões em desaparecimento. A abertura de novos estabelecimentos na Baixa tem de primar, obrigatoriamente, pela originalidade e pela recuperação de artes ancestrais. Deixando um pouco o julgamento ao leitor, vou dar a palavra à Maria do Céu Ferreira, de 43 anos, uma mulher de coragem e que sabe muito bem do que profissionalmente faz. Vamos ouvir:
“Tudo começou há uma vintena de anos, em Alverca, quando tirei um curso profissional e que me fez emergir este talento -quem sabe por obra e graça de São João de Deus, patrono dos livreiros e tipógrafos? A seguir estagiei na oficina-escola de Artes e Ofícios da Santa Casa da Misericórdia de Santarém. Depois estive a trabalhar cinco anos na Fundação Ricardo Espírito Santo, em Lisboa. Ao longo de todos estes anos sempre dei formação.
Sou natural de Santarém e há três anos que aportei à cidade dos estudantes. Instalei-me com armas e bagagem, como quem diz com uma vontade férrea de vencer, na Rua da Alegria, com oficina de recuperação e restauro de livros antigos. Felizmente para mim, para tanta procura, o espaço, lá, já se tornava insuficiente. Para além disso, tinha um sonho que era vir para o coração da Baixa. Estou muito contente, sabe? Nota-se, não nota? Apesar de ainda estar aqui há pouco tempo dá para ver que vou ter muita sorte. As pessoas estão sempre a entrar. Olhe ali aquele grupo de turistas. Talvez pela classificação da Unesco, há muito viajante, não há? Sempre compram alguma coisa, um caderno diário, ou outro qualquer artigo em papel que produzimos aqui. São sempre trabalhos originais, únicos, e que não se encontram à venda em qualquer outro lugar. Fazemos tudo manualmente e com recurso a técnicas antigas. Para além disso já fizemos novos clientes para o restauro. Graças a Deus há trabalho! É certo que já não é igual há três anos, mas vai sempre aparecendo. Como praticamente todas as outras atividades laborais, tive de baixar os preços quando, paradoxalmente, os custos dos materiais subiram em flecha. Mas o que havemos de fazer? O que me interessa mesmo é não deixar morrer esta técnica que já vem dos nossos antepassados e quero passar aos vindouros. A minha alma está aqui no meio destes alfarrábios, a que retiro das trevas do esquecimento e volto novamente a dar vida. Nem tenho tempo para me sentar, acredita? Há, é verdade, até me esquecia, dou também formação no CEART, Centro de Formação Profissional do Artesanato, na Pedrulha, e sou mestranda do Curso de Conservação e restauro da Universidade de Coimbra.
Tenho sido muito apoiada por todos, até pela senhoria deste meu espaço arrendado que, sem me conhecer, acreditou no meu trabalho. Pago uma renda muito acessível. Se acaso ela ler este texto, aproveito para lhe enviar um beijinho de enorme agradecimento. É com proprietários assim, com uma desmedida generosidade e assumindo a sua quota-parte de responsabilidade, que conseguiremos erguer a Baixa novamente.”


UM “ÓLIFANTE” NO QUEBRA-COSTAS

Como que a marcar a diferença, abriu no primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, nas Escadas de Quebra-Costas a mais linda loja do merchandising da cidade –"merchandising é qualquer técnica, ação ou material promocional usado no ponto de venda que proporcione informação e melhor visibilidade a produtos, marcas ou serviços, com o propósito de motivar e influenciar as decisões de compra dos consumidores".
Neste espaço magnífico respira-se arte em toda a sua força de originalidade a tocar os nossos sentidos. Situado ao lado do Bar-Quebra, este novo estabelecimento, onde a harmonia assenta em cores de contraste, entre o branco e o verde-vivo, com os seus artigos cheios de luz e cor, é um encanto para os nossos olhos. Com a simpatia da funcionária Cátia até apetece comprar tudo. 
Nas paredes, muito bem arrumadas e ao alcance de um olhar, as t-shirts, alusivas a temas icónicos da cultura da cidade como o fado, a serenata, a Queima das Fitas; na parte religiosa, e como não podia faltar, a Rainha Santa; na parte histórica os Reis de Portugal, D. Afonso Henriques e D. Sancho I, sepultados no Panteão Nacional de Santa Cruz, e Pedro e Inês. São todas com desenhos de autor. Para além destas geniais obras de arte, neste encantador lugar, proliferam os lápis, as canetas, as canecas, os crachás, os blocos de notas, as bolsas para telemóveis, os babetes e os aventais para senhora. Como se já não bastasse, do lado esquerdo de quem entra, umas bonecas lindas de porcelana fria, uma criação de Margarida Neto, fitam-nos com intensidade e parecem apelar: “leva-me contigo!”
Vamos ouvir João Neto, um dos investidores e timoneiros deste projeto sem igual: “o que nos levou a apostar neste negócio foi termos verificado que a oferta de merchandising em Coimbra era tudo mais do mesmo. Eu já conhecia a marca Ólifante. No entanto, desconhecia em absoluto a sua imensa variedade de artigos disponíveis. Quando me apercebi que esta etiqueta registada tinha tudo, em sociedade, parti imediatamente para a abertura de uma loja de rua e outra online. Tudo o que comercializamos é nosso exclusivo e original, pensado e realizado pelos nossos criadores.
Estamos em aprendizagem. Não conhecíamos bem esta área de mercado mas, felizmente, está a correr muito bem. Embora ainda recém-nascido, o negócio está a ultrapassar as nossas previsões. Estamos abertos todos os dias da semana para podermos servir, sem interrupção, os milhares de turistas que chegam a Coimbra oriundos do mundo inteiro. Criámos dois postos de trabalho. É certo que os custos são sempre elevados mas tivemos a felicidade de poder contar com uma renda muito acessível. Tendo em conta as loucuras que se praticam por aí, creio que tivemos muita sorte e foi este facto que mais facilmente nos empurrou para esta aventura. Para quem nos lê, venha visitar-nos. Tenho a certeza de que vai gostar muito!”



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