LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: O BATER DE ASAS DA BORBOLETA"; e "ROSTOS SEM ROSTO: O PAI"; e "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O GRAVADOR"
REFLEXÃO: O BATER DE ASAS DA BORBOLETA
O Efeito
Borboleta é um termo que se aplica em Economia e estudado por Eduard Lorenz,
em 1963 e dentro da Teoria do Caos.
De uma forma sucinta, significa que um dado praticamente impercetível e
menosprezado num determinado estudo localizado –económico, financeiro, químico,
físico, ou outro-, à distância e a curto, médio ou longo prazo pode redundar em
efeitos ampliados e, na altura, jamais imaginados.
Lembrei-me desta introdução para
melhor se entender as mensagens quase subliminares passadas recentemente pelo
Governo nacional, ao anunciar o aumento de IVA e TSU, Taxa Social Única, e pelo
presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, ao despachar, por
ajuste direto, a compra de um automóvel, Audi A6, no valor de 51,000 euros.
Não é preciso ser economista para
se saber que toda a ciência económica assenta no estudo, na análise, dos
comportamentos desde a produção, passando pela distribuição, até ao consumo.
Por ser tão imprevisível –exatamente por estar dependente de vários fatores,
externalidades, não previstos- é que raramente os estudiosos desta ciência
acertam. Uma coisa se sabe: assenta no comportamento humano. Ora, comportamento, na definição dos
dicionários, é o conjunto de ações de um
indivíduo observáveis objetivamente –daqui nasceu a psicologia
experimental, em que são distinguidos os comportamentos nos quais a resposta do
sujeito decorre de um estímulo, aleatório, sem ser específico.
Depois desta explicação breve,
pegando nos aumentos do Governo, no IVA numa altura em que o desânimo entre os
empresários é lactente -e, pela manifesta deflação económica em que pela quebra
de rendimentos das famílias estamos a viver, são aqueles que suportam este
imposto-, o que transmite o executivo de Passos Coelho aos operadores
económicos? Uma mensagem curta: “não vale
a pena continuarem a esforçar-se. Quanto mais trabalharem mais serão onerados! Desistam
de trabalhar e criar riqueza! Em vez do negócio pratiquem o ócio!”. No
aumento da TSU, para os dependentes, a mesma missiva negativa: “não laborem! Vivam à custa do sistema, do
desemprego ou outro qualquer subsídio! Vão roubar! Se trabalharem serão
penalizados pelo Estado!”
Com esta anunciada compra por
ajuste direto, de um automóvel de grande cilindrada e no valor de 51 mil euros,
o que implicitamente difunde o presidente da Câmara Municipal de Coimbra aos
seus milhares de munícipes que atravessam dificuldades? Especulando, mais ou
menos isto: “eu sou o presidente eleito! Faço
o que bem entendo. Foram os vossos votos que me elegeram! Não estou a fazer
nada contra a lei! O próprio executivo aprovou há pouco tempo o aumento de contratos
por ajuste direto até 75 mil euros. Vocês, munícipes, têm dificuldades? O
problema é vosso, não meu! Desenrasquem-se!”
É óbvio que no estudo do
comportamento também tem lugar a ética.
E qual é o conceito de comportamento
ético? Segundo os dicionários, “Ético significa tudo aquilo que está
relacionado com o comportamento moral do ser humano e sua postura no meio
social. Ético refere-se à Ética, uma parte da filosofia que estuda os
princípios morais que orientam a conduta humana. Mediante uma escolha que possa
afetar terceiros, a ética funciona como um juiz que irá avaliar a escolha feita
por cada pessoa. Um dilema ético surge quando há necessidade de se fazer uma
escolha difícil, desagradável e que implica um princípio moral. A forma de agir
em sociedade determina o comportamento do indivíduo como ético ou
antiético. Ser ético ou ter um comportamento ético refere-se a um modo
exemplar de viver baseado em valores morais. É o comportamento definido
socialmente como bom. Deve-se ter em conta que cada sociedade possui suas
próprias regras morais resultantes da própria cultura. Um comportamento
antiético resulta da falta de ética ou de uma transgressão das normas
definidas em um código ético.”
O que não deixa de ser curioso nas duas
situações entre poderes central e local é o comum facto centralizado no
automóvel de luxo, Audi A6, como símbolo de ostentação num país em vias de
pobreza coletiva. Para o Governo serve de isco para caçar faltosos aos impostos.
Na edilidade coimbrã mostra o resultado da caça ao voto e do aproveitamento
político à custa desses mesmos impostos.
Nesta roleta russa das eleições, se quem chega
depois é sempre pior do que quem parte, valerá a pena continuar eternamente a
depositar esperança em quem vem a seguir?
ROSTOS SEM ROSTO: O PAI
“Hei-de matar-te, meu cabrão! Não perdes pela
demora, filho da puta!”. Estas
palavras cruas, proferidas por ele, o meu filho, na presença da GNR e
acompanhadas com pontapés, e dirigidas a mim, naquele dia, ficarão para sempre
gravadas na minha memória, até ao último suspiro da minha existência. Recebi-as
da mesma forma que se sente o estalejar do chicote e a rasgar a carne nas
costas de pele sensível e imaculada e a ficar sanguinolenta pelo vergastar do
látego.
É certo que ele estava muito embriagado, se calhar drogado com uma
ganza, a que nos últimos quinze anos me habituou. Mas estava consciente do que
dizia! E isto, em constatação, é o que mais fere. Nos últimos tempos, através
de mensagens de telemóvel, aproveitava todos os momentos para me insultar e
acusar-me de ser a causa do seu falhanço como pessoa. Mas eu, apesar dessa
tremenda falta de respeito, considerava que qualquer dia encontraria o seu
caminho -se bem que nestas suas agressões, escritas e muitas vezes verbais, me
magoassem demais eu fizesse tudo para não ligar. Embora não sendo religioso,
não fosse bafejado pela luz da fé em Deus, acreditava que ele daria a volta por
cima e, mais tarde ou mais cedo, retornaria a uma normalidade ambicionada. Na
natureza nada é infinito. Tudo é efémero.
Mesmo até depois de já estar separado da minha mulher, e em vias de
divórcio, confiava que sendo ele tão inteligente –tantas vezes me pergunto a
razão de a perspicácia funcionar ao contrário e retirar a lucidez de espírito-,
tão dotado para as artes, um dia acordaria deste sono letárgico de destruição e
num simbólico abraço diria: “desculpa, pai! Fui tão injusto para ti!”
Às vezes, no meio de uma torrente de lágrimas, penso que todos nós
carregamos um Karma, um destino, vindo das gerações passadas e recebido na hora
em que recebemos a luz do Sol. Olho para trás e vejo o meu avô a ser
amaldiçoado pelo meu pai –o meu ancestral foi muito rico e, por falta de
cabeça, perdera tudo e deixara os filhos na mais completa miséria. O meu gerador
raramente falava do progenitor, e meu avô. E se o lembrasse seria para
enaltecer o pior que havia no homem enquanto criador. Na relação familiar
comigo, de pai/filho, foi sempre de uma rudeza aguda, quase de abandono, e de
uma extrema falta de amor e sensibilidade, o que descambou num constante
conflito entre nós. O curioso é que este seu desligamento completo de ternura
criou em mim uma vontade férrea de lhe mostrar que estava errado. Tantas vezes,
no meio do seu estertor alcoólico e irado, a bater na minha mãe, eu dizia para
mim que, quando fosse adulto, jamais iria dar aquela vida aos meus filhos.
Nunca me embriaguei, nunca bati na minha mulher e trabalhei arduamente, noite e
dia, para proporcionar ao meu filho todos os instrumentos possíveis para o
tornar realizado e que nunca se sentisse discriminado pela indigência como eu.
Dei-lhe pouco amor, como tantas vezes fui acusado pela minha mulher?
Não sei! Dei o que pude dar! Nas datas marcantes eu estive sempre lá, mesmo
fazendo um esforço enorme. Mas a questão é: somos apenas o resultado
proporcional do carinho que recebemos? Será? Claro que não! Se assim fosse eu
seria um bêbado, um valdevinos, se calhar! Mas como explicar que uma criança
que é criada e educada com mil cuidados, sem exemplos em casa de bebedeiras e
consumo de drogas possa redundar num alcoólico e consumidor de marijuana? Será
que foi a tal base genética, hereditária, que se interrompeu numa geração e se
reabilitou na seguinte em busca da perfeição? Teria sido o facto de lhe ter
concedido um bem-estar em demasia, provavelmente passando a mensagem de que
tudo é muito fácil, e não o ter feito sentir a dor, a frustração, a angústia do
rastejar na dureza dos escolhos para se obter a realização do desejo? Foi esta
nova sociedade digital, idolatrada como meio de comunicação e formação
intelectual, que o empurrou para as catacumbas da depressão? Teria sido o excesso
de proteção da mãe no afeto maternal e desvalorizando a minha ação? O meu pai,
mesmo custando a admitir, teria razão? Demasiadas perguntas para tanta angústia
que me inunda o coração. Tantos planos que fazemos, tantas desilusões sentidas!
Felizes dos progenitores que têm bons filhos!”
ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O GRAVADOR
Naquele
sótão velho, em que a ordem reina no meio do caos organizado de milhentas peças, dois baluartes marcam o
acanhado espaço. Um, o homem, simbolizando a vontade férrea de contrariar a
Natureza, não se deixa abater pela força da idade e do tempo dominador. Outro,
o computador, destacando-se no meio de um cenário completamente manual e
mecânico, mostrando que é rei e senhor de todas as profissões, veio para ficar,
revolucionando tudo o que se julgava conhecer e obrigando o humano a render-se
aos seus infinitos poderes.
O homem de quem falo é o meu amigo António da
Costa Moura, de 87 anos, e que conheço há várias décadas sempre com a mesma
expressão de agilidade e pragmatismo. Na sua oficina, no número 162 e no quarto
andar da Rua Ferreira Borges, onde continua a trabalhar diariamente e desde os
seus onze anos, faz carimbos e gravações digitalizadas e manuais. Sem margem
para dúvida, será o mais antigo gravador em atividade. Como é que consegue,
senhor Moura, manter esta frescura toda? Pode dar-me a receita? Interrogo. “É muito simples, tenho algum cuidado a
comer; bebo só às refeições e sem exagerar –bebidas brancas não entram no
cardápio; para chegar à oficina e voltar, todos os dias subo e desço estes
cerca de 170 degraus. Para além disso, todos os domingos faço uma hora de
bicicleta. Ainda agora fui ao médico mostrar análises e exames gerais e estavam
todos muito bons. Não há milagres, meu caro! Você chegou aqui, depois de subir
os 83 degraus, mais cansado do que eu! Olhando a sua barriga, dá para ver que
se perde nos petiscos. Faça desporto, homem! Cuide-se, pela sua saúde!”
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