Enquanto animais políticos, que somos todos,
semanalmente elegemos, pelo menos, dois temas para discussão pública, um
nacional e outro europeu -ou mundial. Por muito que critiquemos esta forma, por
vezes acintosa, de análise, todos acabamos a beber na mesma água da fonte
contagiosa de mimética.
Não me vou debruçar sobre o tema nacional
que, neste momento, andará na boca dos portugueses –se calhar, será a saída da
Troika- porque essa não é questão que me interessa aqui focar. Por exclusão de
partes, tendo em conta o que escrevi atrás, nesse caso vou referir o assunto
internacional. E qual é o desta semana? Interrogará você, leitor? A meu ver, é
o Festival Eurovisão da Canção, em que o vencedor -ou a vencedora, nem sei- foi um
travesti, de 26 anos que representou a Áustria. Baptizado com o nome de Tom Neuwirth
e que, segundo a imprensa, dá corpo à
colombiana Conchita Wurts. Antes de prosseguir convém definir um travesti. Embora subdividido em várias
categorias pelas ciências da medicina e da psicologia, vou à noção generalista
de travestismo. Esta, é uma expressão significante
de um travesti que segue um caminho
diferente no género que lhe foi
designado no acto de nascimento. Ou seja, se germinou homem, renega o seu papel
de masculino que a natureza lhe concedeu e opta por viver o sexo oposto, pelo
feminino. Não me vou debruçar muito sobre as causas, mas do ponto de vista
médico sabe-se que têm a ver com a genética, na parte hormonal, e com o
inconsciente. E este fenómeno é de tal modo reconhecido que a OMS, Organização
Mundial de Saúde, declara a
transsexualidade como um tipo de transtorno de identidade de género. Ao
longo da história da humanidade estes iguais no somático, corpo, mas diferentes
na psico, mente, sempre foram tratados injustamente como aberrações e abaixo da
sua condição inalienável de dignidade de humanos. É bom lembrar que, nas
últimas décadas e pela força coercitiva imposta pela lei, a sociedade muito avançou
para reconhecer o respeito merecido por quem sofre desta anomalia genética –sim,
anomalia, não doença como vulgarmente se diz! Embora escreva sem conhecimento
de causa, creio que ninguém é transsexual
por gostar de ser. É bom recordar que não se trata de uma escolha alternativa
mas sim a opção possível para a felicidade; nasceu-se assim, com corpo de
homem/mulher e com mente do oposto.
Depois desta explicação, implicando alguma
subjectividade na minha forma de pensar, vamos então ao facto que me levou a escrever
esta crónica. Comecemos pelo objecto do Festival da Eurovisão. Qual é? Apurar
uma canção entre vários países europeus concorrentes. E foi ou não apurada uma
composição vencedora? Foi! Gosta-se da cantiga? Não se gosta? Ou assim, assim?
Tudo bem, esta preferência, ou não, entra no campo da individualidade de cada
um e, de certo modo, não será discutível. Ora o que está acontecer com este
Festival Europeu da Canção? Esqueceu-se o
essencial, que é a composição –que para mim, é lindíssima!- e passou-se ao acessório, que é o modo de apresentação
do interprete. Ou seja, num preconceito sem classificação admissível, passou a
embrulhar-se tudo no mesmo pacote. Como não se gosta do cantor(a), por
projecção mental de pré-conceito,
também se detesta a canção.
Sem que ninguém me pergunte acabo
a responder: choca-me a apresentação da “mulher
barbuda”, como depreciativamente tem sido tratada nas redes sociais do mundo
inteiro? Choca sim! Não sou muito indiferente à imagem e ao pensamento comum da
maioria. Tudo o que é diferente, distinguindo-se do igual, causa apreensão.
Porém, sou invadido de uma tolerância humanística e não misturo as coisas. Uma
coisa é o fim do festival, que foi apurar uma canção, outra é a forma física de
quem a levou ao palco –que apenas a ele lhe diz respeito. É difícil perceber
isto?
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