No tempo em que eu pintava as minhas paredes –porque
esta época de crise associada leva tudo, até a vontade de fazer seja o que for,
e transforma-nos em meros espectadores do vazio envolvente- era na loja do
Amaral e Delgado, na Rua dos Oleiros, que ia comprar as tintas. Ao balcão, como
árvore mestra na floresta, estava a atender a senhora Maria Marques Nogueira
Guerra Amaral. Simpática, de olhar vivo e introspectivo, falava calmamente e
sempre com grande acerto. Para além de ser uma mulher muito bonita, cuja idade
nunca apaga os traços do rosto, tinha uma graça imanente que é impossível
descrever aqui. Sempre que me via na loja ou fora dela fazia-me uma grande
festa. Por força desta tempestade que nos assola, em que estando por vezes na
mesma rua ou ao lado parece que criámos ilhas isoladas entre todos, deixei de a
ver há cerca de dois anos. Soube hoje por uma vizinha da Rua dos Oleiros que, “devido
ao aumento desmesurado da renda e poucas vendas que partilhassem os custos”,
encerrou mais ou menos nessa data e as tintas, com a mesma marca, passaram a ser vendidas noutro ponto da cidade, na zona da Relvinha. Também, por coincidência ou não, nessa
altura, veio a sofrer de uma doença incurável –baseado em algumas
experiências, já há muito que tenho uma teoria: comerciante septuagenário que encerre a sua loja em
dificuldades dura apenas, e no máximo, três anos. Talvez esteja a ser cínico ao escrever isto
assim, desta maneira e a frio. Mas o estabelecimento constitui para o profissional
do comércio a extensão física do seu corpo e o lidar com os clientes a razão da
sua existência, o seu espírito. Se desaparece o primeiro, o estabelecimento,
deixa de haver lugar para a alma e em pouco tempo tudo se apaga.
Fui também hoje surpreendido pela notícia, na
necrologia do Diário de Coimbra, da morte da senhora Maria Amaral, de 73 anos.
Repetindo, como a conhecia bem e tinha com ela uma tão grande relação de
simpatia e amizade não poderia deixar de escrever estas singelas palavras de
apreço e homenagem. É com tristeza que vemos partir mais um de nós, que nas
últimas décadas nos fez companhia e ajudou a alegrar as nossas vidas. Neste
caso, a Rua dos Oleiros perde uma pessoa estimada e nós, vizinhos, sentimos um
vazio inexplicável.
À sua família, marido, filhos e
restante, em nome da Baixa, se posso escrever assim, os nossos sentidos
pêsames. Gostámos muito de com ela ter privado. Foi um gosto. Até sempre,
senhora Maria!
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