sábado, 31 de maio de 2014

FALECEU A SENHORA MARIA DAS TINTAS



No tempo em que eu pintava as minhas paredes –porque esta época de crise associada leva tudo, até a vontade de fazer seja o que for, e transforma-nos em meros espectadores do vazio envolvente- era na loja do Amaral e Delgado, na Rua dos Oleiros, que ia comprar as tintas. Ao balcão, como árvore mestra na floresta, estava a atender a senhora Maria Marques Nogueira Guerra Amaral. Simpática, de olhar vivo e introspectivo, falava calmamente e sempre com grande acerto. Para além de ser uma mulher muito bonita, cuja idade nunca apaga os traços do rosto, tinha uma graça imanente que é impossível descrever aqui. Sempre que me via na loja ou fora dela fazia-me uma grande festa. Por força desta tempestade que nos assola, em que estando por vezes na mesma rua ou ao lado parece que criámos ilhas isoladas entre todos, deixei de a ver há cerca de dois anos. Soube hoje por uma vizinha da Rua dos Oleiros que, “devido ao aumento desmesurado da renda e poucas vendas que partilhassem os custos”, encerrou mais ou menos nessa data e as tintas, com a mesma marca, passaram a ser vendidas noutro ponto da cidade, na zona da Relvinha. Também, por coincidência ou não, nessa altura, veio a sofrer de uma doença incurável –baseado em algumas experiências, já há muito que tenho uma teoria: comerciante septuagenário que encerre a sua loja em dificuldades dura  apenas, e no máximo, três anos. Talvez esteja a ser cínico ao escrever isto assim, desta maneira e a frio. Mas o estabelecimento constitui para o profissional do comércio a extensão física do seu corpo e o lidar com os clientes a razão da sua existência, o seu espírito. Se desaparece o primeiro, o estabelecimento, deixa de haver lugar para a alma e em pouco tempo tudo se apaga.
Fui também hoje surpreendido pela notícia, na necrologia do Diário de Coimbra, da morte da senhora Maria Amaral, de 73 anos. Repetindo, como a conhecia bem e tinha com ela uma tão grande relação de simpatia e amizade não poderia deixar de escrever estas singelas palavras de apreço e homenagem. É com tristeza que vemos partir mais um de nós, que nas últimas décadas nos fez companhia e ajudou a alegrar as nossas vidas. Neste caso, a Rua dos Oleiros perde uma pessoa estimada e nós, vizinhos, sentimos um vazio inexplicável.
À sua família, marido, filhos e restante, em nome da Baixa, se posso escrever assim, os nossos sentidos pêsames. Gostámos muito de com ela ter privado. Foi um gosto. Até sempre, senhora Maria!

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