sábado, 3 de maio de 2014

A ENTRADA TRIUNFAL (4)





A vida humana é de facto muito curiosa. Poderíamos dividi-la em quatro etapas: a entrada triunfal, a afirmação, a conquista do mundo e o quero morrer em paz.
Quer nasçamos em berço de ouro ou em manjedoura de palha, é sempre a entrada triunfal, apoteótica e aclamada por quem nos recebe à chegada, pai, mãe e restante família. Damos imensos tropeções até conseguirmos preencher o primeiro passo. Depois vêm os seguintes e até ao último. Recebemos as primeiras indicações dos nossos primogénitos e a subsequente educação, tendo em conta o meio, rico ou pobre, em que crescemos. Vamos para a escola e recebemos as primeiras aulas de formação. Esta e aquela serão as pedras basilares da nossa personalidade.
E entramos na afirmação. Aqui caminhamos na direcção do ser original. Tendo por ponto de partida uma reprodução imitada em alguém que conhecemos ou idolatramos. Os seixos pontiagudos do caminho são meros acidentes de percurso e deles temos noção de antes fugir do que remediar. O que interessa é passar. Esta é a fase da irresponsabilidade. Vemos tudo com filtro, em cores de rosa-suave e azul-céu.
A seguir, já adultos, cuja designação hoje não tem a ver com a idade mas antes com as responsabilidades assumidas, estamos na metamorfose da conquista do mundo. Nesta etapa, cheios de força física e anímica, consideramos que nada nos pode deter. Passamos por cima de qualquer obstáculo que nos impeça de atingir o cume da montanha. Precisamos de fazer coisas, tornarmo-nos notados, ter sucesso, sermos ricos. Pouco interessam os escolhos da estrada. Continuamos com a mesma filosofia de antes fugir do que remediar. Relevamos os fins e menos os meios para realizar o nosso sonho. Este período do nosso calcorrear passa rápido, quase sem darmos pela passagem dos anos. E de repente, sem se prever, olhamos a imagem no espelho e, pelas rugas marcadas, pelas cãs prateadas, não reconhecemos a figura representada. Engraçado, pensamos para nós, parece mesmo o meu pai!
Estamos portanto no epílogo da vida, no último capítulo. Damos por nós a chorar desalmadamente, com as lágrimas a soltarem-se ao mínimo clique. Passamos a olhar para trás em exame minucioso e damos por arrepender-nos de termos feito mal ao nosso vizinho. Num ajuste de contas com o passado, temos necessidade de remediar tudo o que fizemos mal e evitamos fugir do que quer que seja. Só queremos morrer em paz.

(Texto original de participação na 4.ª jornada do Campeonato Nacional de Escrita Criativa e sobre o mote “Antes fugir do que remediar”)



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