sexta-feira, 2 de maio de 2014

"UM HOMEM CHEGA A CASA E..." (3)

(Imagem da Web)


Gosto de frequentar livrarias. Embora de vez em quando aquira um ou outro livro, na maioria dos casos não entro para comprar. Tenho centenas, milhares, e que já não terei ter tempo de ler nesta vida. O que me leva a transpor a porta destas casas de venda de sabedoria é a possibilidade de poder apreciar os dísticos e ler as primeiras páginas do primeiro capítulo. Adoro escrever. Gostava de um dia poder publicar um livro –e quem não gostava? Interroga o meu alter-ego. Não que pretenda editar a qualquer preço -assim no aforismo de que um homem, para o ser verdadeiramente, deve fazer um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Nada disso! Um dia, se isso acontecer, quero ter a certeza de ter no seu enredo algo de útil. Não ser mais um alfarrábio perdido no pantanoso mundo da literatura.
Enquanto leitor sou esquisito. Se a primeira meia-centena de páginas não me embalar, o desgraçado, como tronco perdido no mar, para lá fica à espera de dar à costa, como quem diz, e eu pegar novamente no ponto onde o larguei. Um romance ou outro género qualquer deve agarrar o leitor logo nos primeiros parágrafos. Em metáfora, é como mergulhar o dedo indicador num cozinhado e, num exame rápido de prova, conseguir adivinhar se está bom ou nem por isso. Estou convencido que os grandes escritores contemporâneos e do passado têm esse dom de amarrar quem, pela primeira vez, abre as suas obras. Há qualquer coisa de místico, de inebriante revelação transcendental, nestas primeiras páginas. É por isso mesmo que entro num qualquer alfarrabista e começo por ler o primeiro capítulo. É como se tentasse aprender com estes autores e apreender o seu saber-fazer.
Depois há então os títulos de capa. Cada um deles é um mundo compartimentado em duas ou três palavras. Naquela frase curta na lombada está o epítome, a fragrância misteriosa de uma flor. Presume-se como um convite implícito a tomá-lo nos braços e a entrar no seio labiríntico da prosa. Podemos olvidar até o essencial mas não esqueceremos nunca o seu cabeçalho. É como se o rótulo fosse a alma de um corpo inerte, que lhe dá ânimo e vibração, e o abalança para os nossos olhos. Guardo religiosamente na minha mente dois títulos de livros, como, por exemplo, a “25ª hora” e “Um homem chega a casa e…”.


(Texto original de participação na 3.ª jornada do Campeonato Nacional de Escrita Criativa e sobre o mote “Um homem chega a casa e…”)


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