quarta-feira, 28 de maio de 2014

EDITORIAL: AGUENTAR A BAIXA COMO?



Fundei o Blogue Questões Nacionais nos primeiros meses de 2007. Com ajuda de uma amiga que já não está entre nós, criei este espaço como uma espécie de gaveta interactiva onde arrumo tudo o que escrevo e, sem barreiras, esteja acessível a todos os visitantes. É uma espécie de muro das lamentações. Mas tive sempre uma intenção imanente: escrever sobre a cidade e sobre a Baixa, intervindo politicamente, sobre a polis. E aqui, sobretudo, falar das pessoas, contar as suas existências anónimas, dando à estampa as suas dificuldades, concedendo-lhes nome, quando permitem, e alguma importância que nunca lhes foi dada, a tantos, tantos, que por aqui diariamente calcorreiam as pedras da calçada. Já publiquei cerca de 8500 posts ao longo destes sete anos e onde largas dezenas, senão centenas, serão histórias de vidas de gente de carne e osso como nós que, como almas errantes perdidas no meio da multidão, nunca se saberia nada delas. Foi assim, através deste meio, que acabei a registar a sua passagem terrena. Passando a imodéstia, sei que o que faço “pro bono” é importante e muito mais e essencialmente para os visados. Aqui está registado tudo e todos que, de uma forma ou de outra, me chamaram a atenção.
Na mesma área de intervenção, da Baixa –se posso escrever assim-, sendo comerciante estabelecido na zona, procurei sempre dar a conhecer, por dentro porque os conheço e falo com eles, o estado anímico dos comerciantes e ao mesmo tempo a situação do comércio local. Noticiando as lojas que abrem e as que encerram. Escrevendo sobre aqueles profissionais que durante uma vida inteira dedicada ao negócio tradicional, por insolvência, sem futuro, ou por morte física, partem da nossa coexistência pacífica e diária –é curioso verificar que em todos estes anos tantos e tantos desapareceram da nossa convivência. Quando miro as cerca de dez mil fotografias que fui captando é que me apercebo de tantos colegas, entre patrões e empregados, que nos deixaram.
E comecei a escrever este texto com a intenção de mostrar que os problemas da Baixa e do comércio tradicional de há sete anos continuam os mesmos e sem serem resolvidos. Aliás, garanto que estamos muito mas muito pior. No entanto, numa apatia endémica e inexplicável, tudo continua a rolar como se nada se passasse. Em metáfora, esta zona é como se fosse um rio a correr para o mar e sem que ninguém se importe que as suas águas transbordem as suas margens. É a Natureza e nada se pode fazer, poderia dizer-se assim.
Na Baixa e nestes últimos sete anos desapareceram cerca de dois terços dos estabelecimentos mais antigos. Na sua dinâmica natural, alguns deles deram lugar a outros negócios mas estes, emergentes, raramente se aguentam mais de um ano. Ao longo deste tempo tenho assistido a verdadeiras tragédias e em que, algumas vezes, acabo a chorar com as vítimas. Já escrevi tanto sobre este mesmo assunto que até a mim me cansa. A pergunta de retórica e que sem resposta apreensível faço constantemente é muito simples: o que se quer fazer da Baixa? Alguém sabe responder a esta questão? A Câmara Municipal, incluindo o executivo e Assembleia Municipal, não tem obrigação de dar conclusão esta pergunta? É curioso que as campanhas eleitorais para a edilidade travam-se aqui, nesta zona velha. Durante este período eleitoral é ver os candidatos de loja em loja e de porta em porta a cumprimentarem os residentes. Passam as eleições e todos esquecem este berço do comércio citadino.
Pode até pensar-se que nada se faz para revitalizar esta zona porque não há dinheiro. Nada disso. A meu ver, o que é preciso é planear bem o que se faz na cidade e, dentro das possibilidades, canalizar os eventos directamente para esta parte velha, baixa e alta da urbe. Embora já há muitos anos ande a bater na mesma tecla, vou dar um exemplo: fará algum sentido realizar a Feira Cultural de Coimbra no Parque Manuel Braga? Então não se deveria aproveitar este evento, de uma semana e que está a decorrer, para dar vida ao Centro Histórico? Qual será a razão de colocar os standes todos juntos no Parque da Cidade e virados de costas uns para os outros? A meu ver, quem está à frente destes certames não percebe nada do que faz e, como não fala com quem sabe e também não viaja para outros lugares continua a fazer asneiras –veja-se o exemplo de Oliveira de Azeméis, já escrevi sobre o sucesso da sua feira antiga. Mudem as pessoas. Coloquem nestes lugares gente nova, com ideias novas e, acima de tudo, que saiba ouvir quem cá mora e trabalha. Sem querer ofender quem quer que seja, as decisões de eventos que poderiam ajudar a dar vida a esta parte da cidade estão na mão de aselhas que, fazendo sempre a mesma repetição de rotina, até parece que têm umas palas de burro sobre os olhos vidrados sobre o mesmo ângulo. Mudam os presidentes mas os erros continuam. Vou ainda ser mais directo, esta nova vereadora da Cultura, Carina Gomes –que não conheço-, e que foi nomeada há oito meses, por acaso, já se deu ao trabalho de reunir com um qualquer grupo de comerciantes para saber o que pensam sobre a revivificação da Baixa?
Não é preciso ser presciente para adivinhar que se vai continuar a estourar mais uns milhares de euros nas Noites Brancas e que, retirando a vantagem directa da hotelaria, não interessam para nada. Mas estes eventos foram criados para revitalizar o comércio, não foram?
Outro exemplo e referente à actividade turística na cidade. Depois da classificação da Universidade e Rua da Sofia pela Unesco como Património da Humanidade assistimos a “enxurradas” de turistas, em manada, a percorrem sempre o mesmo perímetro –Universidade, Quebra-Costas, Ruas do Canal, Ferreira Borges e Visconde da Luz, Largo da Portagem e recolhimento ao hotel. E então as ruas estreitas? E a Rua da Sofia? São arredadas destes percursos por quê? Será porque nestas vias pedonais não existem pontos de venda de artesanato? Mais ainda, porque é que os grupos, aparentemente e segundo se diz, frequentam sempre as mesmas lojas de artesanato e os mesmos cafés? Será que é boato?  No diz-que-disse, há muito que se afirma esta pouca-vergonhice do negócio entre os guias e alguns estabelecimentos. O turismo sofre de raquitismo? Ou está viciado? Já alguém se preocupou em pensar que este procedimento, a ser verdade, para beneficiar meia-dúzia, está a prejudicar toda a cidade? Os responsáveis não sabem disto? Ai não? Mas eu há poucos anos escrevi sobre esta escandaleira e enviei para a falecida Empresa Municipal de Turismo. Você, leitor, respondeu? Pois, o sinal de retorno do então vereador Providência foi igual. Fez de conta que recebeu uma carta a insultá-lo e de uma qualquer besta. O problema é que -e agora igualmente com este novo executivo que anteriormente mandava farpas contra a Coligação por Coimbra- estamos entregues a gente assim, como este senhor, que não ocupam os lugares para resolver seja o que for. Estão lá porque lhes dá jeito! E, como é natural, o resultado está à vista de todos: desmazelo e continuado abandono do centro da cidade. Até quando? Até qualquer dia. Até quando Deus Nosso Senhor quiser!

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