terça-feira, 6 de maio de 2014

O CONTRATO ASSINADO (6)

(Imagem da Web)




O contrato estava assinado. Eu deveria saber que não deveria colocar o meu nome naquele malfadado papel! Porque me comprometi? Estou em crer que foi a necessidade de dinheiro que me impeliu. Mas mesmo assim não devia! É certo que nunca fui muito escrupuloso no meu diário. Essa coisa a que chamam consciência é paranóia de gente ricaça e eu nasci na imundície, a chafurdar na porcaria. Mas nunca passei da palmada ligeira. E sempre sem dor! Abomino o sofrimento alheio. Escolhi sempre as minhas presas com muito cuidado. Antes de dar o golpe, visiono sempre três pormenores que me servem de bitola: o carro, a roupa e os sapatos. Em caso de imergência, olho sempre para as alpercatas. É aqui, nos dois pés, que reside o peso da conta bancária. É interessante mas, com o tempo, tornei-me um psicólogo nato. Acabei presciente. Basta-me um olhar de relance para uma pessoa para saber tudo sobre a sua vida. Se é amada, se é infeliz, se é bem-sucedida na vida. Quando vejo uma pobre desgraçada –sim, escrevo no feminino porque as mulheres serão sempre as presas fáceis-, mesmo que tenha a carteira aberta, a rir-se para mim, e a apelar para eu meter a luva, sinto qualquer coisa a revolver-me as entranhas e não consigo. Lembra-me logo a minha pobre mãe. O seu padecimento para nos dar uma côdea, uma sopa, a mim e aos meus oito irmãos. Passei muita fome!
Sou ladrão por condição mas com muita dignidade. Já tenho dado por mim a oferecer uma moeda ao ceguinho que soletra a lengalenga na esquina da rua. Apesar do meu “trabalho”, duvidoso para alguns, não sou mau tipo. Nunca fui além das balizas por mim estabelecidas. Nunca matei ninguém. Limitei-me sempre a ser a escória, a limalha sobrante da obra de arte. E é aqui que a coisa bate! Porque raio assinei eu a porcaria daquele contrato? Bem sei que não tem valor legal –à força do meu viver fui aprendendo umas noções de direito e sei que qualquer ajuste terá de ser de acordo com a lei, a moral e os bons costumes. Mas aceitei matar o marido da poltrona a troco de uma pipa de massa. Mas é estranho, por que razão me fez ela assinar um pacto sabendo que a comprometia também? Porque sabe que sou um homem que cumpre sempre! E agora?

(Texto original de participação na 6.ª jornada do Campeonato Nacional de Escrita Criativa e sobre o mote “O contrato estava assinado”)



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