(Imagem da Web)
O contrato
estava assinado. Eu deveria saber que não deveria colocar o meu nome naquele
malfadado papel! Porque me comprometi? Estou em crer que foi a necessidade de
dinheiro que me impeliu. Mas mesmo assim não devia! É certo que nunca fui muito
escrupuloso no meu diário. Essa coisa a que chamam consciência é paranóia de
gente ricaça e eu nasci na imundície, a chafurdar na porcaria. Mas nunca passei
da palmada ligeira. E sempre sem dor! Abomino o sofrimento alheio. Escolhi
sempre as minhas presas com muito cuidado. Antes de dar o golpe, visiono sempre
três pormenores que me servem de bitola: o carro, a roupa e os sapatos. Em caso
de imergência, olho sempre para as alpercatas. É aqui, nos dois pés, que reside
o peso da conta bancária. É interessante mas, com o tempo, tornei-me um psicólogo
nato. Acabei presciente. Basta-me um olhar de relance para uma pessoa para
saber tudo sobre a sua vida. Se é amada, se é infeliz, se é bem-sucedida na
vida. Quando vejo uma pobre desgraçada –sim, escrevo no feminino porque as
mulheres serão sempre as presas fáceis-, mesmo que tenha a carteira aberta, a
rir-se para mim, e a apelar para eu meter a luva, sinto qualquer coisa a
revolver-me as entranhas e não consigo. Lembra-me logo a minha pobre mãe. O seu
padecimento para nos dar uma côdea, uma sopa, a mim e aos meus oito irmãos.
Passei muita fome!
Sou
ladrão por condição mas com muita dignidade. Já tenho dado por mim a oferecer
uma moeda ao ceguinho que soletra a lengalenga na esquina da rua. Apesar do meu
“trabalho”, duvidoso para alguns, não sou mau tipo. Nunca fui além das balizas
por mim estabelecidas. Nunca matei ninguém. Limitei-me sempre a ser a escória,
a limalha sobrante da obra de arte. E é aqui que a coisa bate! Porque raio
assinei eu a porcaria daquele contrato? Bem sei que não tem valor legal –à força
do meu viver fui aprendendo umas noções de direito e sei que qualquer ajuste terá
de ser de acordo com a lei, a moral e os bons costumes. Mas aceitei matar o
marido da poltrona a troco de uma pipa de massa. Mas é estranho, por que razão
me fez ela assinar um pacto sabendo que a comprometia também? Porque sabe que
sou um homem que cumpre sempre! E agora?
(Texto
original de participação na 6.ª jornada do Campeonato Nacional de Escrita
Criativa e sobre o mote “O contrato estava assinado”)
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