(Imagem da Web)
Ao ler a notícia do jornal Público sobre “Cidadãos incapacitados ainda são
abstencionistas à força”, em que se escreve, “Relatório europeu sobre participação política das pessoas com
deficiência aponta Portugal como um de três países da União que fazem depender
exercício da capacidade eleitoral da deslocação a mesas de voto”, sou
levado a pensar que a abstenção faz mesmo muito jeito aos partidos políticos portugueses.
Num tempo em que o telemóvel, a
Internet e o multibanco tomaram conta das nossas vidas como é que se pode
entender que a participação ao sufrágio exija uma deslocação presencial às
mesas de voto? Só se compreende quando a não participação, cada vez maior
diga-se a propósito, implica ganhos substanciais aos maiores partidos do
chamado arco do poder, nomeadamente, CDS/PP, PSD e PS. Escrevo sem dados que me
permita consubstanciar esta tese da conspiração, mas os dados são demasiado
relevantes, e até a raiar o escândalo, para se pensar que não andará grossa
marosca nesta jogada. Ao olhar para este procedimento arcaico é o mesmo que a
lei obrigar os novos automóveis eléctricos, renegando o seu objecto
alternativo, a terem de funcionar a gasóleo, gasolina ou gás para salvaguardar
a indústria petrolífera –a propósito dos carros, na prática não será assim mas
andará lá próximo pela criação de outros obstáculos.
Voltando à abstenção, se assim não
fosse, ou seja, se não houvesse intenção deliberada de a provocar, como
classificar o facto de o Cartão do Cidadão
armazenar todos os dados das pessoas menos o número de eleitor?
Alguém, uma minoria, anda a fazer
da maioria uma cambada de estúpidos e atrasados mentais. O que mais dói, pela performance
fingida e teatral, vão ser as lágrimas de crocodilo vertidas nesta próxima
segunda-feira quando se verificar que a abstenção nestas eleições foi superior
a 60 por cento –nas últimas foi de cerca de 63 em cem.
Mais ainda, olhemos, nem que seja ao de leve,
para as aberrações debitadas no último mês. Alguns inteligentes, supra-sumos da
opinião política, “opinion makers”,
como é o caso dos vendedores de política laranjinha Marcelo Rebelo de Sousa e o
ministro de todas as ideologias, desde a direita até à esquerda, Diogo Freitas
de Amaral querem impingir-nos a obrigação legal de votar. Se isto não fosse tão
idiota e tão burro, vindo de quem vem e ditos tão inteligentes e o país não
andasse tão sorumbático, dava vontade de rir. Podemos interrogar: alguma vez
uma norma persiste no tempo apenas com base na sua obrigatoriedade? Persiste
sim! Mas para tal acontecer o cidadão, na sua apreensão de justiça entre o bem
e o mal, terá de classificar a medida como justa e essencial à vida em
comunidade. Por conseguinte, como num contrato, a necessidade social terá de
transcender o interesse individual. Vou explicar melhor, todos os cidadãos são
obrigados a estar registados e a ter uma identificação, fiscal e personalizada.
Salvo excepções, poucos contestam esta legalidade e não se sentem coagidos pelo
facto. Ora compelir alguém pela força coercitiva a cooperar num acto pelo
simples motivo de participação pública, tendo acoplado um objectivo dúbio, é o
mesmo que se forçar alguém a beber água sem ter sede. Ingere-se o líquido para
a boca e expele-se logo a seguir. O seu resultado prático será sempre nulo. Nos
humanos, tudo o que é constrangido, sem uma participação mínima de base
racional ou emotiva, tem tendência para a libertação. Na natureza a mesma
coisa. Pode desviar-se um rio e manter o seu leito durante décadas ou séculos
mas virá um dia em que tudo voltará ao seu ponto de retorno inicial.
Por outro lado, não deixam de ser
curiosos estes constitucionalistas, Marcelo e Amaral, defensores da democracia
e do pluralismo, quererem implantar uma medida, em tese, muito próxima dos
regimes ditatoriais. Isto é, sabendo antecipadamente que os vencedores estão
sempre num grupo de dois, uma vez que ganham sempre os mesmos na alternância, o
acto de participação, obrigacional ou não, perde todo o interesse pelo efeito de
não surpresa. É preciso clarificar que o processo eleitoral na actualidade está
cada vez mais viciado. Com algumas excepções, quem continua a votar por
princípio de cidadania, e sem estarem amarrados a agremiações partidárias, são
os mais velhos. Os mais novos, retirando os
jotinhas interesseiros e em busca do lugar ao Sol, para além de desconhecerem
o que se passa à sua volta, pouco querem saber de política. Ora, sendo assim,
quem resta? Os sequestrados de identidade,
aqueles cujo domínio ideológico e partidário, prosélitos e seguidistas, há
muito tomou conta das suas vidas e perderam a noção de liberdade. Hoje, em
Portugal, os resultados das eleições estão dependentes e entregues a estes escravos
e frequentadores da urna. Há deslocalização por descontentamento? Há sim! Mas
tal como em finais do século XIX, o rotativismo
está aí colado, para durar, e não interessa muito mexer no que dá tanto jeito a
alguns eleitos.
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