(Imagem da Web)
Um homem abre uma porta. A seguir outra e
outra ainda. Passamos a nossa existência a abrir portas. Umas abrem para dentro
-de nós, como lufada da brisa fresca e primaveril que nos enche a alma de
felicidade. Outras para fora –como expurgo dos demónios que nos atentam e
constituem os escolhos na senda derradeira.
Abra para qualquer dos lados, para
a esquerda ou para a direita, a porta é sempre o símbolo da entrada num outro
mundo. Melhor ou pior. É o fim de um caminho, o encerrar de um capítulo, e o
começar de outro pela primeira vez. É o transpor da esperança para uma nova
vida. É o atravessar uma fronteira em que de um lado será a noite, em toda a
sua negritude de negação e má sorte, e do outro o refulgir da luz, a
bem-aventurança, o divino, o metafísico, em toda a sua intensidade cósmica.
Já bati a tantas portas, algumas
delas não se me abriram quando eu mais precisava. Nunca esqueci o meu malhar de
punho fechado e o momento que originava tal súplica para que ela se abrisse ao meu
querer. Mas a porta, como pedra dura e inamovível, continuou fechada, alheia e
insensível ao sofrimento e à ansiedade que me consumia a alma em aflição. Lá
dentro, do outro lado e no reverso, estava gente; gente que ria, indiferente ao
que me levou ali. Tantas vezes me apeteceu descarregar naquela entrada inerte
toda a minha frustração. Não haverá humilhação maior que sentirmos estar a ser
propositadamente ignorados por quem está do outro lado e nos ouve. Sentimo-nos
impotentes, insignificantes, perante a grandeza absolutista e avassaladora de
quem nos ostraciza. Há portas e portas, diria eu se fosse poeta! Há portas de
luxo, blindadas aos mais pobres e mesmo que roguem uma mera informação, mas que
não impedem o seu arrombamento. Há portas simples que, mesmo fechadas, parecem
sempre abertas, escaqueiradas num olhar, e não provocam a tentação da
arrombadela. Há portas que, pelo desencanto, parecem portões delimitativos, estremas
que obstaculizam o acesso à realização. Poderíamos viver sem estas barreiras?
Sim, poderíamos! Mas o mundo não seria melhor por isso. A porta, enquanto
acesso de transposição de dificuldade, é a personificação do esforço. Ao mesmo
tempo, é a passagem da transgressão para o inferno e a serventia até ao
paraíso. E para este último só passará quem merecer.
(Texto original de participação na 8.ª
jornada do Campeonato Nacional de Escrita Criativa e sobre o mote “Um homem
abre uma porta”)
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