quarta-feira, 7 de maio de 2014

E SE NINGUÉM CONSEGUISSE MENTIR? (7)

(Imagem da Web)


Gosto de pensar perante uma folha branca. Por vezes no meu remanso epistolar, a escrever, exaurindo as gotículas de tristeza e solidão do meu espírito inquieto, buscando temas de resposta impossível, numa espécie de dúvida metódica, tele-transporto-me para um mundo perfeito que nunca existirá. Numa viagem de consciência abstracta, procurando a razão das coisas, numa certa ordem em caos aparente, dou por mim a interrogar-me sobre probabilidades inexequíveis. Um dia destes, quando estava carecente de inspiração sem um tema predefinido para iniciar, quando me faltava o chão para olhar o horizonte como meta e a primeira frase como a luz divina que me acompanha sempre ao longo da criação do texto, dei por mim a interrogar-me: e se ninguém conseguisse mentir?
Seria possível, assim, (com)viver numa sociedade exemplar? Engraçado, por vezes, individualmente, passamos todo o nosso percurso a defender o indefensável. Actualmente, com grande clamor de lamentos e repulsa social, assistimos à queda da verdade, enquanto modelo de uma colectividade perdida e assente em valores deixados pelos nossos ascendentes –temos tendência em hipervalorizar o passado, apagando o funesto e ressaltando o melhor do que aconteceu. Como mitólogos, pugnamos, todos, pela ascensão de uma precisão, de uma virtude, que nunca existiu em tempo algum. O homem foi sempre, e assim será ad eternum, um ser falível, impreciso e pouco rigoroso no compromisso. Porém, quanto mais se perder o societário direito à indignação perante o desvirtuador mais facilmente o desvalor tomará o lugar do seu contrário. Isto quer dizer que a sociedade, enquanto reserva moral e preservadora do bom costume, não se pode desonerar da responsabilidade de contribuir para a sua própria manutenção e revitalização dos princípios e valores. Contudo, isto não quer dizer que a mentira, enquanto anjo negro da perfeição, não subsista na vida de cada um. Até porque, filosoficamente, como afirmava Nietzsche, a verdade é uma mera convicção. Logo, a ser assim, uma mentira pode, de facto, ser facilmente assimilada e tomada como verdade.
Seria deveras interessante ver um político impedido de mentir. E se, por exemplo, sempre que endrominasse lhe crescesse um nariz de Pinóquio? É claro que somos suficientemente racionais para perceber que nunca seria possível exigir de alguém uma verdade imaculada. Até porque a esperança, enquanto sentimento abstrato, é uma mentira piedosa que serve para animar as almas em desassossego.
Numa ambiguidade existencial, a mentira é somente o lado obscuro da verdade.


(Texto original de participação na 7.ª jornada do Campeonato Nacional de Escrita Criativa e sobre o mote “E se ninguém conseguisse mentir?”)


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