(Imagem da Web)
Gosto de pensar perante uma folha branca. Por
vezes no meu remanso epistolar, a escrever, exaurindo as gotículas de tristeza e
solidão do meu espírito inquieto, buscando temas de resposta impossível, numa
espécie de dúvida metódica, tele-transporto-me para um mundo perfeito que nunca
existirá. Numa viagem de consciência abstracta, procurando a razão das coisas, numa
certa ordem em caos aparente, dou por mim a interrogar-me sobre probabilidades inexequíveis. Um dia destes, quando estava carecente de inspiração sem um tema
predefinido para iniciar, quando me faltava o chão para olhar o horizonte como
meta e a primeira frase como a luz divina que me acompanha sempre ao longo da
criação do texto, dei por mim a interrogar-me: e se ninguém conseguisse mentir?
Seria possível, assim, (com)viver
numa sociedade exemplar? Engraçado, por vezes, individualmente, passamos todo o
nosso percurso a defender o indefensável. Actualmente, com grande clamor de
lamentos e repulsa social, assistimos à queda da verdade, enquanto modelo de uma colectividade perdida e assente em
valores deixados pelos nossos ascendentes –temos tendência em hipervalorizar o
passado, apagando o funesto e ressaltando o melhor do que aconteceu. Como
mitólogos, pugnamos, todos, pela ascensão de uma precisão, de uma virtude, que
nunca existiu em tempo algum. O homem foi sempre, e assim será ad eternum, um ser falível, impreciso e
pouco rigoroso no compromisso. Porém, quanto mais se perder o societário
direito à indignação perante o desvirtuador mais facilmente o desvalor tomará o
lugar do seu contrário. Isto quer dizer que a sociedade, enquanto reserva moral
e preservadora do bom costume, não se pode desonerar da responsabilidade de contribuir para a sua própria manutenção e revitalização dos princípios e valores. Contudo,
isto não quer dizer que a mentira, enquanto
anjo negro da perfeição, não subsista
na vida de cada um. Até porque, filosoficamente, como afirmava Nietzsche, a
verdade é uma mera convicção. Logo, a ser assim, uma mentira pode, de facto, ser facilmente assimilada e tomada como
verdade.
Seria deveras interessante ver um
político impedido de mentir. E se, por exemplo, sempre que endrominasse lhe
crescesse um nariz de Pinóquio? É claro que somos suficientemente racionais
para perceber que nunca seria possível exigir de alguém uma verdade imaculada. Até porque a
esperança, enquanto sentimento abstrato, é uma mentira piedosa que serve para
animar as almas em desassossego.
Numa ambiguidade existencial, a mentira é somente o lado obscuro da verdade.
(Texto original de
participação na 7.ª jornada do Campeonato Nacional de Escrita Criativa e sobre
o mote “E se ninguém conseguisse mentir?”)
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