A APBC, Agência para a Promoção
da Baixa de Coimbra, em comunicado, hoje, vem insurgir-se contra o facto
continuado da autarquia, ou melhor os seus quadros, não informar antecipadamente dos seus planos em relação à Baixa, sobretudo em questões afectas à zona comercial. As câmaras
municipais, embora com sedes físicas, são “ontologicamente” formadas por
pessoas. No entanto, pela sua responsabilidade metafísica projectada no Estado
-se bem que com a sua bem clara autonomia- mais parecem entidades abstractas e,
até no comportamento, facilmente se confundem com o seu patrono. E no
procedimento é de tal modo a similitude relacional entre executivo e munícipe
que, tal como entre Estado e cidadão, não se nota nenhuma diferença.
Antes de prosseguir convém
lembrar que o municipalismo, com todos os seus defeitos, foi muito importante
para o desenvolvimento social, político e territorial. É importante também
recordar que a génese deste nascimento assentou na descentralização do poder
uno e concentrado na capital, passando a assentar numa delegação de
competências, visando a prossecução eficiente de uma maior distribuição de
recursos na proximidade das populações. Repetindo, durante décadas e após a sua
implantação no após 25 de Abril, este movimento foi deveras o primado da
política. Com o tempo, e a meu ver, há cerca de 20 anos, combinado entre vários
factores, iniciou-se a sua fase decadente. Hoje o poder municipal está
transformado numa máquina insensível, autista, distante dos cidadãos, e incapaz
de responder ou resolver os problemas mais prementes das pessoas e contrariando
completamente o objectivo para que foi criado –basta aflorar o conflito lactente
entre o comércio tradicional versus licenciamento de grandes superfícies, que
está a levar ao empobrecimento dos primeiros, e moradores versus bares abertos
até de madrugada, pelo consequente ruído que obstaculiza o legítimo direito ao
descanso.
Curiosamente, na terça-feira e
ontem realizaram-se duas tertúlias no Café Santa Cruz em que, de um modo
generalista, foi discutida a relação entre o “civitas”, o usufrutuário da cidade, e
as suas duas estruturas de poder: a Universidade e a Câmara Municipal. Uma com o
poder do conhecimento e outra com poder político decisório. A reunião de terça
esteve a cargo do Lions Clube de Coimbra, e tinha por tema “aproximar a Universidade
da cidade”, a de quarta, ontem, foi organizada pela Orquestra Clássica do
Centro e, embora com tema a surgir em conversa corrente, discutiu-se também a relação
entre a urbe e a Universidade, enquanto posição majestática, erecta e arrogante
na cidade. Contou com a presença de, João Gabriel Silva, magnífico reitor,
Barbosa de Melo, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, e Gonçalo Quadros, “chairman”
da Critical Software.
Embora com a sala a “meio-gás” de
interessados, para mim, foi das melhores tertúlias realizadas nos últimos
tempos. Muito participada pela assistência e bem intervencionada por Gonçalo
Quadros, que na pele de empresário “provocou” os dois representantes presentes
no painel, respectivamente, o reitor e presidente da Câmara, todos souberam
defender a sua dama. O que gostaria de relevar é que, quer pelo chefe da
edilidade, quer pelo reitor, ambos estão de acordo que, apesar de se continuar
a tentar e muito já se fizesse, algo mais terá de ser feito para unir a cidade,
constituída pelos munícipes, em torno dos dois poderes e fazer dela uma
verdadeira universidade centrada num só núcleo. Também lá foi dito que a tensão
sentida entre a “torre” e a Baixa, enquanto dormitório e lar de uma classe
trabalhadora nos diversos sectores económicos, não é nova: Trindade Coelho, no
seu livro de 1902 “In nillo Tempore”, retrata muito bem esse enervamento ao
longo do segundo quartel do século XIX. O que é recente é mesmo este
apartamento entre o povo e a sua Câmara Municipal. O completo desligamento sobre
as decisões políticas que o vão afectar no futuro, mas, mesmo assim, não quer
saber. Só para exemplificar, estando ontem ali presente o timoneiro do
executivo, Barbosa de Melo, e sabendo todos o que se está a passar no comércio
e na indústria hoteleira, seria de supor uma grande afluência por parte destes
operadores. Estiveram muitos? Apenas dois comerciantes e dois hoteleiros.
Perante este abandonar o combate,
atirando a toalha ao chão, e deixar de questionar o poder político é de admirar
que a edilidade trate assim a APBC? É óbvio que não. Este desprezo, manifestado
por políticos eleitos e enredados na mesma filosofia comportamental de
entrosamento em funcionários, é o resultado directo da pouca exigência. O poder
age assim, friamente, porque não se sente confrontado com a crítica. Faça assim
ou o contrário, para eles interventores na polis, o resultado é sempre o mesmo.
Por que hão-de ser diferentes se o seu lugar, aparentemente, está garantido? Até
quando? É certo que não se sabe. Mas, no pensar deles, enquanto durar é uma
deleitação sádica poder calcar esta “gentinha”.
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