(Retirado da Web)
Há largos meses que colaboro com
o mais antigo semanário da cidade “O Despertar”. Trata-se de uma folha semanal
com o título “Página da Baixa”. Está a ser uma experiência fantástica e que,
salvo pequenos percalços de caminho, me dá um gozo extraordinário. Escrevo há
mais de 30 anos gratuitamente para jornais e não é a primeira colaboração que
exerço. Simplesmente a cooperação que tive com outros periódicos, por parte
deles, nunca me senti acarinhado, antes pelo contrário. A sensação que tive
sempre é que parecia que me estavam a fazer um favor ao publicarem os meus
escritos. Por exemplo, durante cerca de três anos, escrevi para um jornal da
Mealhada, de onde sou natural, uma série de crónicas intituladas “Histórias da minha aldeia”, que retratavam toda a ambiência dos anos de 1950 para a frente no meu
lugarejo recôndito. Nunca recebi um telefonema a manifestar contentamento ou
aconselhar outra forma de apresentar o trabalho. Passaram Natais e Fins de ano e
nem um postal de boas-festas me alegrou na volta do correio. Este apoio terminou quando escrevi uma
crónica dividida em três partes; foi publicada a primeira e, com o tempo de dois
meses a correr, as seguintes não viram mais a luz. Quando interpelei o director
do periódico em causa respondeu que se esquecera e pensou que eu não enviara os
textos. Ora, estava de ver, que, perante este desleixo, falta de comunicação e estima,
tinha de terminar ali mesmo. Curiosamente, esta relação já finalizou há mais de
um ano e ainda hoje quando vou à minha zona as pessoas que me conhecem vêm ter
comigo a dar-me os parabéns pelas histórias de vidas que lá contava e muitos se
identificavam totalmente. Alguns, que nem conhecia, chegaram a vir ter comigo a
Coimbra para me cumprimentarem. Estranho, mas é verdade.
No caso de O Despertar é
completamente antagónico. Sinto-me completamente apoiado pela direcção do
jornal; todas as semanas falamos; antes de ser publicada a minha página recebo
sempre anteriormente a prova para correcção de “gralhas. Confesso, não estava
habituado a ser considerado assim.
Antes de prosseguir, gostaria de
salientar a diferença de leitores. No primeiro caso, no jornal da Mealhada,
falamos de um universo de maioritariamente gente simples, de aldeias em torno
do Luso e arredores, e no segundo caso, neste d’O Despertar, penso, abrangerá
um mundo mais intelectual, de uma cidade cosmopolita, embora de “fiéis
companheiros de jornada”, no sentido de que provavelmente é a ternura, o amor, destes
assinantes que os mantém presos a um jornal de quase um século.
E, aqui na Baixa, por parte do público? Perante o
que escrevo como é que se manifestam? Pois, essa é a questão. Raramente
exteriorizam o que lhes vai na alma e quando o fazem é para sublinhar os
pequenos lapsos. “Coisinhas”, minudências sem significado. Mais à frente vou
dar exemplos. Até há cerca de três meses andei a escrever a história dos
estabelecimentos comerciais/versus proprietários. Perdia um tempo imenso para
ouvir o comerciante. Ia lá uma vez, não dava, depois outra e mais outra.
Escrevi imensas. Pois acredite, que me lembre, nem um só veio ter comigo e mostrar
o seu agrado ou desagrado. Claro que se poderá sempre advogar que foram mal escritas
e descritas, mas, puxando da minha imodéstia, não foi o caso. Tratou-se apenas
de um sentimento comum, que é o “fechar na concha”. Isto é, no pensar deles, “escreveste,
está escrito e até te fiz um favor para encher a página do jornal”. Ou seja, em
silogismo, ainda lhes estou a dever alguma coisa. Acerca dessas histórias, o único
sinal que recebi de um retratado foi vir ter comigo para me dizer que havia lá um engano
na narração: “80 mil contos eram 400 mil euros e não 200 mil como eu escrevi”.
Em analogia, parece que estas pessoas estão apenas fixadas no erro plasmado e
pouco na história em si.
Esta semana escrevi um texto n’O Despertar, pretensamente de intervenção política, com o título “A Baixa vai
para a cama com as galinhas”. Foi uma crónica vivida por mim na semana passada
aqui na Baixa onde às 21h30, sem gente, os estabelecimentos estavam a encerrar.
A determinado ponto do texto falei de um restaurante que frequento e onde,
nessa noite, fui beber café, e, para além do nome, tratei o empregado por
gerente –porque realmente, pelo seu à vontade, estava convencido que o era
mesmo. Enfim, intuições bacocas que cada um de nós infere sem racionalidade.
Pois hoje, logo de manhã, recebi um telefonema do proprietário completamente
indignado: “olhe lá, o senhor não poderia escrever que o (…) era gerente. Está
a ouvir? Ele é simplesmente empregado! O que vão pensar os meus clientes?!”
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