quinta-feira, 23 de outubro de 2014

UM GATO GORDO PRECISA DE AJUDA





Apesar de, em pose de descanso, aparentar uma certa dureza nas bentas é um animal dócil. Se eventualmente o contemplarmos e o envolvermos num olhar, mesmo de comiseração, parece voltar a ser o traquinas que já foi, que calcorreou telhados e caminhos ásperos, e sorri para nós. É como se aquela rijeza no rosto fosse uma máscara que o tempo se encarregou de moldar ao seu jeito. Pelos contornos de um certo ar pachorrento e bigodes que teimam em romper, parece um gato enorme. Apesar de abandonado, e diariamente dormir na soleira da porta das desaparecidas Galerias Coimbra junto à Praça do Comércio, conserva uma avantajada barriga, o que, tendo em conta a sua situação, é um contra-senso. Pelo estereótipo, de vadio desprezado, deveria ser um trinca-espinhas, um magricela anoréctico, o que só por isso já nos causa conforto, alivia a nossa consciência e, sem pesos na percepção, nos faz seguir em frente para as nossas vidas atribuladas. Afinal, animais abandonados há por aí às dezenas pelos becos, ruelas e pracetas. Se fossem capazes de entender, saberiam que deveriam sair para longe do nosso olhar, para os prédios decrépitos em torno da cidade. Mas não entendem e, como se fossem almas penadas que vieram a este mundo para nos assombrar, teimam em vir dormir para qualquer canto e quase que tropeçamos neles.
Este animal gordo, avermelhado e de cara cheia, para além de teimar em dormir sempre no mesmo sítio, agora deu em tossir, tossir, de uma forma impressionante. Coitados dos moradores que, deitados numa aconchegada cama, por ali fazem por descansar e têm de gramar os “latidos” tossicados do pobre bicho. O que é estranho é haver tantas associações de animais e nenhuma delas se ocupar dele. É estranho, não é? Se calhar estão à espera que ele morra! Ai, que Deus me perdoe, que não lhe quero mal algum! Palavra de honra! Mas, tenho que dizer, tomara que vá para os anjinhos o mais depressa possível! Apesar de ser uma desgraçada besta deve sofrer. Assim, se ao menos batesse as patas calejadas e muito sujas, sempre era os dois em um: perdia de vez o sofrimento e evitava que tivéssemos de levar com aquele quadro de miséria. 
Já escrevi, aqui e também n'O Despertar sobre este caso no princípio deste mês. Parece-me que quem deveria tomar atenção não tomou. Porque não morres e teimas em viver nestas condições, António José Vaz Monteiro?


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