sábado, 18 de outubro de 2014

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "OS LABIRINTOS DE ACESSO AO MOSTEIRO", deixo também as crónicas "O CARTOLA NÃO DEVERIA SER ENTERRADO"; e "FALECEU AIRES MARQUES".


OS LABIRINTOS DE ACESSO AO MOSTEIRO

Imaginemos, somos turistas em trânsito pela cidade e decidimos hoje visitar o Convento de Santa Clara-a-Velha. Depois de atravessar a pé a ponte sobre o Mondego, estamos agora em frente ao claustro refundado pela Rainha Santa, com licença da cúria papal de 1314, onde instalou o Mosteiro de Santa Isabel da Ordem de Santa Clara. Olhamos em volta e constatamos um manifesto abandono, sobretudo pelas ervas crescidas nas zonas verdes. Todos os portões se encontram fechados. Naquele momento nem um único visitante está dentro do espaço histórico o que nos leva a concluir que se encontra encerrado. Um bocado perdidos, a cerca de mais de uma centena de metros vemos lá ao fundo um espaço envidraçado e com pessoas no seu interior. Damos por entendido que está mesmo cerrado e damos meia volta. De repente somos atravessados por um pensamento: mas este não é um dos mais importantes monumentos da cidade? Não lemos há uma década que foram gastos milhões de euros para secar a sua nave? Não, não pode ser! Esta abadia não pode estar encerrada ao público. E voltamos para trás à procura de uma indicação. Bem nos parecia! Surge então um pontão, meio disfarçado e sem dar nas vistas, a indicar que o acesso é feito pela Rua das Parreiras. Mas nós não somos de cá! Onde ficará situada esta artéria? Bom, deve ser lá longe no edifício transparente a vidrado, pensamos. O melhor é mesmo arriscar e começamos a rodear o terreno murado. Entramos numa ruela de terra batida com crateras cheias de água e emolduradas por arbustos a fazerem lembrar a selva amazónica. Como se estivéssemos a jogar à macaca, vamos saltando de coágulo em coágulo em busca da entrada perdida. Mas não desistimos. Se Deus quiser e com ajuda da Rainha Santa Isabel havemos de chegar ao ingresso localizado na invocada Rua das Parreiras.
E chegámos mesmo. Transpomos o primeiro portão abobadado. Não há ninguém para informar. Pelas muitas pedras recolhidas em trabalhos arqueológicos, mais que certo, estaremos no bom caminho. Sempre levados pela intuição, chegamos à bilheteira, que é junto do bar panorâmico que se estende sobre a paisagem de construção medieval. Num balcão de informações, duas senhoras de meia-idade, muito simpáticas, por acaso, e que não recordamos o nome, ostentando no peito um pequeno identificativo onde consta a sigla do IEFP, Instituto de Emprego e Formação Profissional, o que nos leva a supor que serão desempregados de longa duração e a desempenharem funções que deveriam ser específicas e atribuídas a pessoal especializado. Solicitamos dois bilhetes. Custam 8 euros. É-nos dito que dentro de pouco tempo, numa pequena sala em anfiteatro, vai começar um pequeno filme, de cerca de quinze minutos, sobre a história de toda a edificação começada em 1239 por Mor Dias e antes da refundação por Isabel de Aragão, mulher de Dom Dinis, e que, pela sua piedade e entrega à causa dos mais desfavorecidos, viria a ser beatificada em 1516 e posteriormente canonizada em 1742. Conjuntamente, cerca de meia dúzia de espectadores assiste a uma isenta e boa película com legendas em inglês e faladas em português. Faz-nos alguma confusão as legendas em estrangeiro. Perguntamo-nos se acaso forem turistas alemães e não dominarem a língua britânica? Custará muito dinheiro ter na sala vários auscultadores com gravações em várias línguas e manter o filme apenas em português?
Depois, à vontade, entramos em vários compartimentos onde, através de iluminuras pregadas na parede, se explica a história das ordens religiosas ali implantadas e também várias peças, em faiança e pedra autenticam o passado. E saímos em direção ao edifício central que dista dali cerca de uma centena de metros. Pela erva crescida lembramo-nos que, para poupar mão-de-obra humana, poderia ser ali colocado um rebanho de ovelhas. Faz-nos alguma impressão o desleixo da envolvente. Junto à entrada, no meio do lajeado várias ervas teimam em irromper. E penetramos no monumento cujas pedras mantém a vivência da Padroeira da Cidade. Umas cadeiras, prontas a receber pessoas, permanecem vazias e um LCD mostra imagens silenciosas. O desmazelo é latente, abraça-nos e provoca-nos dor. Duas estrangeiras dão saltos para captar a melhor fotografia. Não há nenhum funcionário a vigiar. Se é certo que os vândalos não pagam para destruir, também é certo que qualquer um dito socializado pode passar-se e, pelo à vontade, pode arruinar o que quiser. Ninguém impede alguém de o fazer. E num percurso repetido voltamos ao bar.
Em resumo, dá para ver, ali o que conta é poupar em pessoal. Deixamos uma pergunta de retórica: por que não se transfere a entrada para o mosteiro, incluindo o filme explicativo a passar no LCD e propagandeado no seu interior, e se faz então a saída pela Rua das Parreiras?


O CARTOLA NÃO DEVERIA SER ENTERRADO?

De iniciativa do executivo municipal liderado por Manuel Machado, no princípio da década de 1990, deu polémica da grossa a edificação e posterior exploração concessionada do café Cartola, ao cimo da Avenida Sá da Bandeira e com frente para a Praça da República. Para quem se lembra, este é o exemplo acabado de que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Desde a sua natividade que este estabelecimento hoteleiro esteve sempre envolto em controvérsia.
De iniciativa camarária, começou logo no anúncio do projeto por a oferta na zona ser já excedentária e a sua implantação ser considerada pelos hoteleiros locais como uma intrusão municipal nos negócios privados. A própria construção do imóvel foi considerada de discutível falta de gosto estético e classificada como aborto arquitetónico e barracão sem prestabilidade. A seguir abriu com pompa e circunstância e passado pouco tempo encerrou, penso, por falência do empresário na função. Seguiu-se novo concurso de atribuição. Foi então que o primeiro classificado viria a ser preterido por Machado e a concessão a ser outorgada a um segundo que tinha ofertado menos, empresa de um já desaparecido restaurante para os lados das também extintas piscinas municipais. Depois, alegadamente, no clausulado contratual o concessionário estava obrigado a permanecer obrigatoriamente sete anos e a promover eventos culturais. De festas realizadas ninguém se lembra e, julgo, acabou por ceder as quotas da empresa antes do prazo imposto. Foi de tal forma a escandaleira que gerou ódios em incubação e Manuel Machado acabaria por receber uma carta anónima com ameaça de morte. Durante meses todos os empresários de hotelaria da praça fizeram da sede da Polícia Judiciária, na Rua Venâncio Rodrigues, a sua segunda casa. Nunca se concluiu o processo da autoria da missiva e a cominação acabaria por ser arquivada. O adquirente permaneceu no negócio até finais de 2011 a pagar pouco mais, creio, de um milhar de euros por mês. Passou nos jornais que, alegadamente, a autarquia lhe teria perdoado de rendas em atraso, cerca de 100 mil euros.
Numa história recente que ainda está na memória, em Setembro de 2012 os jornais locais da cidade noticiavam que o café Cartola foi adjudicado por mais de 14 mil euros mensais. Como se sabe e era de prever, o fim da história deste ajuste foi o encerramento. A edilidade ficou a arder em cerca de 100 mil euros de rendas por pagar. Ainda segundo os jornais a caução bancária de garantia era de apenas 30 mil euros. Ou seja, numa depravada irresponsabilidade do executivo então liderado por Barbosa de Melo, o “” vai suportar a diferença.
Há escassos meses foi aberto novo concurso. Mais uma vez surgiram candidatos a oferecer verbas mensais utópicas e irreais com a realidade económica vigente. Este ajustamento acabaria por ser anulado por “vício de forma” –por inadequação às normas legais- e aberto nova prova de adjudicação.
Agora, durante este mês, foi anunciado que há vários proponentes dispostos a pagar cerca de 13 mil euros mensais para explorar este negócio. Mas será que o novo executivo, da Câmara Municipal de Coimbra, liderado por Manuel Machado, não vê, não enxerga que, pela apatia especulativa de aceitar a maior oferta, está a desgraçar famílias e, nas perdas mais que certas por ser impossível o cumprimento, está a envolver os contribuintes? Tendo em conta o bom senso, se no princípio de 1990 atribuiu o estabelecimento a um segundo que ofereceu menos por que não utiliza agora o mesmo critério?
Passando todas estas interrogações, levando em conta o passado de maldição deste malfadado projeto e sabendo que a hotelaria na Praça da República está em acentuada queda –basta lembrar o fresco encerramento do McDonald’s, no espaço do antigo Café Mandarim- não seria serviço público mandar demolir o mostrengo do barraco do café Cartola e devolver à Avenida Sá da Bandeira a paisagem que lhe foi furtada em plano de secretaria? Um erro, por muito grave que seja, está sempre a tempo de ser corrigido. Não quero ser ave de mau agoiro mas, se não se optar pela sua liquidação patrimonial esta história inquinada vai acabar mal. Aguardemos.


FALECEU AIRES MARQUES 

Conheci muito bem o senhor Aires Braz Marques. Pelos jornais diários da semana passada, fiquei a saber que deixou o nosso meio, dos vivos. Durante décadas habituei-me a vê-lo, vestido de bata branca, na Praça do Comércio, nas desaparecidas farmácias Paiva e Miranda. Por cima desta era o Laboratório com o mesmo nome. Era um homem austero, uma pessoa fiel a certos princípios conservadores que desapareceram. Durante cerca de uma dúzia de anos, por ser o proprietário do imóvel na Alta da cidade, foi meu senhorio no meu primeiro negócio. Cumpriu sempre comigo e entre nós havia um respeito recíproco. Sempre que nos cruzávamos, enquanto teve os seus comércios na Baixa e antes de passar para o Pólo II, tinha uma palavra de apreço para comigo. Não tenho nada a apontar-lhe. Mais, lembro-me que quando abri a minha loja em 1995 ele fez questão de, acompanhado da esposa Flávia Barreto Ferreira, vir comprar uma peça. Nunca me esqueci desse gesto magnânimo e de ajuda. Foi bonito de mais. Por isto mesmo é com alguma saudade que constato a sua partida.
À sua família enlutada, à sua filha Ema Barreto, marido e netos, nesta hora difícil, receba um grande abraço solidário de todos quantos fazem da Baixa o campo de lavoura para ganharem a vida. Os nossos sentidos pêsames.
                                            

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