(Imagem da Web)
Baseada
em impressionantes declarações,
escrevi
esta crónica em Março de 2014. Pela
verdade
das coisas, pela crueza dos factos,
Descrito
na primeira pessoa, deixo-vos o
retrato
de “A Prostituta”.
Embora
sejamos um resultado de vários factores,
afinal
somos apenas o que podemos ser. E o que
somos,
contrariamente ao que se diz, nem sempre
é
aquilo que gostaríamos de ser. Somos somente
a
consequência de vários efeitos. Quem discordar
que
atire a primeira pedra.
ROSTOS
SEM ROSTO: A PROSTITUTA
“Sou
prostituta, tenho 48 anos de idade, e exerço esta actividade nas
ruas da Baixa há cerca de uma dezena de anos. Nasci em Miragaia, no
Porto. Dei o primeiro grito numa família abastada. Muito abastada. O
meu pai, hoje aposentado, era quadro superior de um banco. Estudei
até ao 12.º ano num colégio católico. Não me faltou nada. Fui
educada com muito amor e carinho. O problema, talvez maior, é que os
meus pais são divorciados. A minha mãe é toxico-dependente e
alcoólica. Depois tirei um curso de esteticista, massagista e
visagista –assessora de imagem. Exerci na cidade Invicta. Casei
cedo e assim me mantive durante 20 anos, até conseguir aguentar a
porrada que levava do meu ex-marido e os maus tratos associados. Eu
era uma mulher linda! Ainda hoje sou, apesar de estar um pouco
estragada. Casei para me libertar do bloqueio da minha família, que
nem um cigarro me deixava fumar. Sentia-me asfixiada pelos meus pais.
Gostava do meu marido, mas depressa o meu sonho se desvaneceu. Ele
comigo fazia pouco sexo, mas ia às prostitutas. Várias vezes
apanhei doenças venéreas por causa disso. A nossa existência é
muito cruel. Nunca pensei em enveredar por esta vida. Enquanto
casada, tantas vezes me ofereceram dinheiro para eu fazer sexo mas eu
nunca quis. Era o amor, sabe? Até que tive de fugir dele por não
aguentar tanta pancada –pode ter a certeza de que, se calhar, como
eu, a maioria das prostitutas que anda por aí foi vítima de
violência doméstica.
A VIDA
DEPOIS DA VIDA
Então,
com, mais ou menos, 38 anos respondi a um anúncio de uma revista e
conheci um homem. Ele trouxe-me para Coimbra embalada na esperança
de uma vida melhor. Mas quem nasce atrás do sol-posto, com a
má-sorte associada, dificilmente verá o astro-rei brilhar. O fulano
tinha apenas uma intenção em mente: que eu me prostituísse. E
depressa estava a aprender o “bê, à, bá” da mais antiga
profissão do mundo. Ele pertencia a uma rede de carne branca com
ligações a França e Holanda. Para me libertar dele foi o cabo das
tormentas. Mas, nessa altura, ninguém me ajudou. Cheguei a ir pedir
ajuda a um vereador da Câmara Municipal, para me arranjar um
trabalho, e ele respondeu que eu fosse para o Largo do Paço do
Conde. Que era lá o meu lugar –que, curiosamente, é onde estou
quase sempre e junta com outras mulheres. Mais tarde apareceu-me um
engenheiro de uma instituição do Estado, um chefe de serviço –que
ainda hoje lá exerce- que, dizendo que gostava de mim, se revelou um
gigolo. Pôs-me a trabalhar na noite. Eu gostava dele, por isso me
tornei sua amante. Mas o interesse dele não era o meu amor. Tinha
uma forma sub-reptícia, muito subtil, de se bater aos meus ganhos,
pedia prendas de grande valor. Nunca me deu nada. E eu tive de
aprender à minha custa. Os homens não valem uma merda! É amá-los
e fornicá-los! Que é o que faço mesmo! Dão-me prazer, um gozo
danado, e ainda me pagam. Quem é aqui o utilizado? São muito
estúpidos! Às vezes perguntam-me se eu tenho orgasmo. Tenho sim,
filho –respondo. Tenho dois. O primeiro quando me pagas e o segundo
quando te vejo a puxar as calças para ires embora.
UM POUCO
DE AMOR. PLEASE!
Sofro
de esquizofrenia bipolar. Tenho de tomar medicamentos para me
aguentar. Às vezes pareço zonza –sei lá quantas vezes você, ao
passar por mim, assim teria pensado, que eu levava uma broa. Nada
disso. Eu não me drogo. Os homens tratam-nos como coisas sem valor.
Mas eu tenho sentimentos. Preciso de ser amada, ter um pouco de
carinho. E não tenho. Por vezes, quando estou mais em baixo, ligo ao
meu pai só para ouvir a sua voz, mas ele não me dá hipótese de
continuar a conversa e corta logo: “fala-me em números! Quanto
precisas?” –ele nem a minha voz quer ouvir. O meu progenitor,
apesar de ter refeito a sua vida com outra mulher, vê em mim a minha
mãe –que, quando nova, era muito linda-, na voz, na imagem e em
tudo. Nunca superou isso. Ele todos os meses deposita cerca de 200
euros na conta do assistente social que me acompanha. É este técnico
que me vai dando o dinheiro ao longo do mês. Estou a viver numa
pensão da Baixa –mas não levo para lá clientes.
ESCORREGAR
NO CAMINHO
Cai-se
na prostituição por três motivos. Por expiação –no sentido de
expurgar a culpa. Mas que culpa? Por inspiração –há mulheres que
gostam mesmo desta vida. E por omissão –entregam-se à actividade
sem recalcitrar. Sem se questionarem. Deixam-se ir na corrente.
Isto
é também um vício. Às vezes saio à noite para levar um agasalho
a uma colega e acabo por ficar. O dinheiro cega-me, sabe? Embora não
precise de muito. Por conseguinte, logo que faça 20 euros por dia,
com um ou dois clientes, chega-me. Não quero mais! Outras vezes
também faço isto por missão. Pode achar inverosímil, mas eu tenho
prazer em dar satisfação aos homens.
Esta
vida fez de mim uma psicóloga. Olho para qualquer rosto e, sem nunca
o ter visto, sou capaz de descrever a pessoa. Habituei-me a ler um
homem através da face. Saber ao segundo o que é que ele quer de
mim. Trabalho com homens sem taras. Estes indivíduos são perigosos.
Tive más experiências. Já fui violada mas não comuniquei à
polícia. Ele apontou-me uma pistola, amarrou-me e levou-me para a
mata. Sei quem é, mas não quero falar disso. Nem os cães violam as
cadelas, porra! Trabalho com viúvos, divorciados e solteiros. Já me
propuseram casamento. Outros querem que eu vá viver com eles. Na
maioria das vezes, sobretudo os mais velhos, querem-me como
companhia. Sou mais virada para o trabalho de acompanhante…
popular. Não é acompanhante de luxo! Vêem mais em mim a mulher e
menos o objecto sexual. Está a perceber?!
As
pessoas da Baixa tratam-me, todos, muito bem. Com muito afecto! Sou
simpática, não me drogo e não sou malcriada para ninguém. Faço
aqui as compras todas. Se tenho dinheiro pago logo, se não deixam-me
levar. Confiam em mim. Sabem que, apesar de ser prostituta, sou
séria. Tenho dignidade. Tenho coração. Aqui, dentro do peito bate
uma alma. Entende? Sabem o que eu faço. Não ando mascarada. Sabem
que tenho uma filha que é médica e um rapaz que é economista –os
meus rebentos sabem muito bem o que faço. Dizem que a escolha é
minha, é uma opção de vida, e não têm nada a ver com isso. São
uns queridos, os meus filhos, não são?
Acabei
a gostar desta vida. É uma forma de libertação. O patrão não
bate e a patroa não ralha.
Não
espero nada da vida! Não tenho ilusões. O amor é uma utopia!”
A VIDA
NUM CARTÃO
Anda
sempre acompanhada com um cartão de vacinas que ostenta no cabeçalho
“Cartão Controlo do GAT-UP-REDUZ”. Este serviço
está sediado no Terreiro da Erva. É com ele que vai requisitar
preservativos. “São muito bons para mim e para outras como
eu” -enfatiza. “Se não fossem estas instituições
o que haveria de ser de nós? Levam-nos ao hospital para fazer exames
de três em três meses. Olhe aqui a data! Fiz há dias análises ao
sangue. Faço amiúde vezes rastreio contra o HIV, Hepatite, Cancro
do útero e da mama, e Sífilis. A maioria dos clientes nem sabe
disto. Pouca gente sabe. Mas quando a polícia nos identifica pede
sempre este cartão de vacinas. Você também não sabia, pois não?”
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