Baixa
de Coimbra, 15h00 de Sábado, 17 de Março, temperatura ambiental: 11
graus Celcius; precipitação: 45%; humidade: cerca de 90%: vento
fraco de 8 km/hora.
A
três dias da entrada em cena da Primavera, a temperatura social
andará por volta dos 39 graus. Depois dos termómetros terem
atingido 42, portanto com hipertermia febril, no início deste mês
de Março -mês dos burros, que para aqui não conta nada porque
estamos na cidade do conhecimento e gozamos de uma certa e
determinada imunidade nacional- com o anúncio personalizado e em
primeira mão, nas redes sociais, pelo meu amigo Miguel de Carvalho
do encerramento da sua livraria com o mesmo nome, estamos a serenar e
a recuperar a calma perdida. Quando tudo indicava acontecer o pior,
com a auto-estima citadina a bater nas pedras da calçada pelo
sentimento de tristeza ou perda e cairmos numa depressão colectiva,
eis que, apesar do ribombar de alguns canhões com fogo cerrado sobre
a inexistente cultura coimbrã, Graças a Nosso Senhor Jesus Cristo,
a tendência calórica corporal é para baixar ainda mais.
Dizem
as más línguas desta velha Baixa, desgraçada e mexeriqueira, que o
Miguel de Carvalho, há cerca de vinte anos a operar na zona histórica,
nunca se lhe tinha ouvido um queixume contra outros encerramentos
similares e contínuos, de livrarias como a Coimbra Editora e a Casa Castelo ou estabelecimentos centenários como a Farmácia Nazareth. E
mais, que só agora se apercebeu do que está acontecer, quando há
duas semanas declarava ao jornal PÚBLICO: “A
ideia era obrigar as pessoas a largar os monitores dos computadores”,
explica Miguel de Carvalho, “e felizmente até consegui, mas as
políticas culturais de Coimbra confundem cultura com turismo e o
público da cidade deixou de vir a um centro histórico que não tem
nada a oferecer”. O “comércio de qualidade”, diz, “desapareceu
da Baixa há cinco ou seis anos”, substituído “por lojas de
artigos de cortiça e suposto artesanato”.
Dizem
ainda estas almas viperinas -que eu detesto profundamente porque não
sou nada assim- que foi quando o Miguel estava a ler o poema
anti-nazi de Martin Niemöller que, de repente, bateu com a mão-aberta na fronte e exclamou: “Ai
que estou fodido!”.
Ora,
está de ver, isto não passa de uma calúnia grosseira de gente sem
ética nem classe. Primeiro, porque o Miguel não era capaz de
proclamar uma asneira daquela abrangência. Segundo, quem conhece o
hino do pastor luterano alemão contra o genocídio hitleriano sabe
bem que a gota não bate com a perdigota. O que é que tem a ver uma
coisa com a outra? Nada! Se houver dúvidas, vamos recordar o
discurso do Niemöller:
“Primeiro
levaram os comunistas,
Mas não falei, por não ser comunista.
Depois, perseguiram os judeus,
Nada disse então, por não ser judeu,
Em seguida, castigaram os sindicalistas
Decidi não falar, porque não sou sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos católicos,
Também me calei, por ser protestante.
Então, um dia, vieram buscar-me.
Nessa altura, já não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”
Mas não falei, por não ser comunista.
Depois, perseguiram os judeus,
Nada disse então, por não ser judeu,
Em seguida, castigaram os sindicalistas
Decidi não falar, porque não sou sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos católicos,
Também me calei, por ser protestante.
Então, um dia, vieram buscar-me.
Nessa altura, já não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”
Tenho
razão, ou não? Claro que tenho! Só gente mal-formada e abandalhada
pode ler nas entrelinhas o que não existe, nem recorrendo ao
silogismo aristotélico, quanto mais. Graças ao altíssimo que, no
meio desta mediocridade comunitária, há sempre uma excepção, que,
antes pelo contrário, não pretende confirmar a regra. Como já se
viu, essa reserva (moral e de sabedoria) sou eu. E porque as coisas
são o que são e não são o que julga, do alto do meu pedestal de
importância afirmo aos sete ventos de andarilho o seguinte: com esta
despedida ruidosa de bater com a porta, o Miguel fez mais pela
recuperação da Baixa nestes 15 dias do que se fez nos últimos
vinte anos.
GENTE
INGRATA
Mas
esta gentinha de má-fé não agradece nada. Deviam estar gratos à
Lusa, a maior agência de notícias portuguesa, que difundiu a
notícia por tudo quanto era órgão de comunicação social
nacional escrita, com saliência para a peça do jornal i,
assinada por Diogo Vaz Pinto, que ao longo de três páginas e mais
uma de entrevista a Miguel de Carvalho perora sobre o fecho de três
livrarias, uma em Lisboa, outra no Porto e outra ainda em Coimbra.
Fica para a história o parágrafo: “Se
as livrarias hoje só merecem atenção quando encostadas à parede
de um obituário, o encerramento de mais três voltou a gerar muita
comoção, mas o que faltou foi ir mais longe na leitura das pistas
de um crime com muitos culpados”.
E na imprensa falada com destaque para o canal de televisão TVI.
Deviam
agradecer a Carlos Fiolhais, físico e emérito professor
universitário, quando, sem peias em apontar a Universidade, no
PÚBLICO escreveu: “Coimbra
tem o seu centro histórico — a Baixa — praticamente morto. Não
só o turismo está quase todo canalizado para a Universidade, como a
câmara municipal não tem investido na reabilitação urbana nem
numa política cultural que leve as pessoas ao centro”.
Mas
qual quê? Em vez deste pessoal frutica dar um abraço ao grande
físico que, em metáfora, quase comparou o fecho da livraria à
morte de Stephen Hawking, o físico e cosmólogo britânico recentemente falecido, como se dissesse: desaparece
um ícone pop dos livros, como não havia desde o “Livreiro de
Cabul”, foram para
o bota-abaixo. Pegaram no que Fiolhais escreveu a seguir no jornal:
“O declínio da
Baixa tem sido gradual, mas acentuou-se dramaticamente nos últimos
anos. Moro em Coimbra e, tal como os meus conterrâneos, é raro
deslocar-me à Baixa por ser deprimente lá ir. Quem não acredite
que faça um passeio como eu fiz no passado sábado de tarde, no qual
só encontrei abertos dois ou três cafés (parei nesse oásis que
ainda é o Santa Cruz) e duas ou três lojas de recordações
(recordo-me delas pela negativa: como é possível que se venda tão
atroz bugiganga?)”.
Dizendo que aqui o professor se dispersou e escreveu o que não era bem assim, toca de lhe darem tesouradas na casaca. Está certo? Não, está errado!
Dizendo que aqui o professor se dispersou e escreveu o que não era bem assim, toca de lhe darem tesouradas na casaca. Está certo? Não, está errado!
Deviam
dar beijinhos aos milhares de conimbricenses que, apesar de nos
últimos anos pouco visitarem a Baixa, nas redes sociais, com
palavras de alento e muita esperança no futuro, carpiram mágoas e
lágrimas e lavaram a alma até à exaustão. Está certo um
desagradecimento destes a tantas pessoas que, pelas manifestações
de pesar, até quase entraram em depressão nos últimos dias?
VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA SOBRE A CULTURA
A
Cultura é feminina, todos sabemos. A ser mulher, estará entre o
erudito e o popular. Sabemos também que, sobretudo neste mês de
Março, a senhora Cultura está a ser muito maltratada, física e
psicologicamente. É bem possível que o azedume já venha de longe,
mas, com maior incidência, começou nas últimas semanas. O primeiro
a desancar a senhora foi Miguel de Carvalho logo no dia primeiro
deste Março aquando da entrevista à Lusa disse: “Casei
com uma senhora chamada Cultura, em Coimbra, durante 20 anos, mas um
cancro levou a senhora e eu agora vou enterrá-la e vou para outro
sítio”.
Ó
meu Deus! Isto é manifestação que se apresente para um viúvo
recente? Se na morte todos passam a santos, porque razão Miguel não
elogiou a senhora falecida?
Passada menos de meia dúzia de noites, rebenta o escândalo com o caso da
directora da Direcção Regional da Cultura do Centro, Celeste Amaro,
a enaltecer uma companhia de teatro profissional de Leiria por não
“incomodar” a administração com pedidos de apoio. Segundo o Bloco de Esquerda, um insulto, uma alarvidade. E é verdade! A
senhora Cultura deve ser poupada em tudo, até nas palavras. Isto é
de uma gravidade... Ui! Ui! Imagine-se que, por exemplo, a
representante do Governo na zona centro, telefonava ao presidente
de uma entidade e lhe dizia mais ou menos isto: “tenha
cuidado com as suas declarações! É que posso cortar-lhe o
subsídio! Porte-se bem! Quem o avisa seu amigo é!”.
Numa completa especulação, se acontecesse um caso destes de pura
chantagem política em Coimbra, o que sucederia? Deveria ser a
senhora Cultura imolada no pelourinho da Praça do Comércio, ou,
numa tipicidade tão natural como a água, deveria fazer-se de conta
que aquele telefonema nunca existiu?
Ainda
só vamos a meio deste mês dos burros mas a violência sobre a
senhora Cultura continua. Agora é o Partido Comunista Português que
quer dar umas dentadas. Segundo o Campeão das Províncias online, “O
PCP de Coimbra vai reunir-se com agentes culturais e com
representantes do movimento associativo com o intuito de garantir
“uma verdadeira política cultural” para o concelho. A
iniciativa, que envolve autarcas da CDU, visa a definição e a
criação de “uma verdadeira política cultural para o Município e
de um regulamento que lhe dê corpo”, disse, em conferência de
Imprensa, o vereador Francisco Queirós. Ao opinar que, por vezes, a
vereadora Carina Gomes (eleita pelo PS) “parece viver num mundo à
parte”, o autarca comunista lamentou “medidas avulsas” e
considerou que a política cultural da Câmara conimbricense
“limita-se à atribuição de apoios directos” mediante
“critérios de ponderação desadequados à realidade do concelho e
pouco transparentes”. (Continue a ler aqui)
Agora
de onde nunca se esperou tal coisa, mais uma amostra de uma completa
ingratidão. Como se podem fazer afirmações destas? Nossa Senhora
da Cultura nos valha, que este mundo, ou melhor, Coimbra, está
completamente nos caminhos da perdição.
BOAS
NOTÍCIAS
Para
que não se pense que aqui, neste blogue pardieiro que poucos gramam
mas milhares lêem, só se escrevem notícias tristes, temos de
informar que a Baixa está francamente a melhorar. Depois de terem
encerrado 6 lojas em Janeiro, tudo indica que estamos no bom caminho.
Em Fevereiro, no mês passado, não fechou nenhuma. E neste Março,
até agora, já “somente” fecharam três. Para o fim do mês está
anunciada outra -a de Miguel de Carvalho. Para Abril está anunciada
uma. E para Maio outra. A Baixa está ou não está a melhorar?
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