sábado, 17 de março de 2018

BAIXA: NÓS POR CÁ, BENZINHOS, GRAÇAS A DEUS!






Baixa de Coimbra, 15h00 de Sábado, 17 de Março, temperatura ambiental: 11 graus Celcius; precipitação: 45%; humidade: cerca de 90%: vento fraco de 8 km/hora.
A três dias da entrada em cena da Primavera, a temperatura social andará por volta dos 39 graus. Depois dos termómetros terem atingido 42, portanto com hipertermia febril, no início deste mês de Março -mês dos burros, que para aqui não conta nada porque estamos na cidade do conhecimento e gozamos de uma certa e determinada imunidade nacional- com o anúncio personalizado e em primeira mão, nas redes sociais, pelo meu amigo Miguel de Carvalho do encerramento da sua livraria com o mesmo nome, estamos a serenar e a recuperar a calma perdida. Quando tudo indicava acontecer o pior, com a auto-estima citadina a bater nas pedras da calçada pelo sentimento de tristeza ou perda e cairmos numa depressão colectiva, eis que, apesar do ribombar de alguns canhões com fogo cerrado sobre a inexistente cultura coimbrã, Graças a Nosso Senhor Jesus Cristo, a tendência calórica corporal é para baixar ainda mais.
Dizem as más línguas desta velha Baixa, desgraçada e mexeriqueira, que o Miguel de Carvalho, há cerca de vinte anos a operar na zona histórica, nunca se lhe tinha ouvido um queixume contra outros encerramentos similares e contínuos, de livrarias como a Coimbra Editora e a Casa Castelo ou estabelecimentos centenários como a Farmácia Nazareth. E mais, que só agora se apercebeu do que está acontecer, quando há duas semanas declarava ao jornal PÚBLICO: A ideia era obrigar as pessoas a largar os monitores dos computadores”, explica Miguel de Carvalho, “e felizmente até consegui, mas as políticas culturais de Coimbra confundem cultura com turismo e o público da cidade deixou de vir a um centro histórico que não tem nada a oferecer”. O “comércio de qualidade”, diz, “desapareceu da Baixa há cinco ou seis anos”, substituído “por lojas de artigos de cortiça e suposto artesanato”.
Dizem ainda estas almas viperinas -que eu detesto profundamente porque não sou nada assim- que foi quando o Miguel estava a ler o poema anti-nazi de Martin Niemöller que, de repente, bateu com a mão-aberta na fronte e exclamou: “Ai que estou fodido!”.
Ora, está de ver, isto não passa de uma calúnia grosseira de gente sem ética nem classe. Primeiro, porque o Miguel não era capaz de proclamar uma asneira daquela abrangência. Segundo, quem conhece o hino do pastor luterano alemão contra o genocídio hitleriano sabe bem que a gota não bate com a perdigota. O que é que tem a ver uma coisa com a outra? Nada! Se houver dúvidas, vamos recordar o discurso do Niemöller:

Primeiro levaram os comunistas,
Mas não falei, por não ser comunista.
Depois, perseguiram os judeus,
Nada disse então, por não ser judeu,
Em seguida, castigaram os sindicalistas
Decidi não falar, porque não sou sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos católicos,
Também me calei, por ser protestante.
Então, um dia, vieram buscar-me.
Nessa altura, já não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”

Tenho razão, ou não? Claro que tenho! Só gente mal-formada e abandalhada pode ler nas entrelinhas o que não existe, nem recorrendo ao silogismo aristotélico, quanto mais. Graças ao altíssimo que, no meio desta mediocridade comunitária, há sempre uma excepção, que, antes pelo contrário, não pretende confirmar a regra. Como já se viu, essa reserva (moral e de sabedoria) sou eu. E porque as coisas são o que são e não são o que julga, do alto do meu pedestal de importância afirmo aos sete ventos de andarilho o seguinte: com esta despedida ruidosa de bater com a porta, o Miguel fez mais pela recuperação da Baixa nestes 15 dias do que se fez nos últimos vinte anos.

GENTE INGRATA

Mas esta gentinha de má-fé não agradece nada. Deviam estar gratos à Lusa, a maior agência de notícias portuguesa, que difundiu a notícia por tudo quanto era órgão de comunicação social nacional escrita, com saliência para a peça do jornal i, assinada por Diogo Vaz Pinto, que ao longo de três páginas e mais uma de entrevista a Miguel de Carvalho perora sobre o fecho de três livrarias, uma em Lisboa, outra no Porto e outra ainda em Coimbra. Fica para a história o parágrafo: “Se as livrarias hoje só merecem atenção quando encostadas à parede de um obituário, o encerramento de mais três voltou a gerar muita comoção, mas o que faltou foi ir mais longe na leitura das pistas de um crime com muitos culpados”.
E na imprensa falada com destaque para o canal de televisão TVI.
Deviam agradecer a Carlos Fiolhais, físico e emérito professor universitário, quando, sem peias em apontar a Universidade, no PÚBLICO escreveu: “Coimbra tem o seu centro histórico — a Baixa — praticamente morto. Não só o turismo está quase todo canalizado para a Universidade, como a câmara municipal não tem investido na reabilitação urbana nem numa política cultural que leve as pessoas ao centro”.
Mas qual quê? Em vez deste pessoal frutica dar um abraço ao grande físico que, em metáfora, quase comparou o fecho da livraria à morte de Stephen Hawking, o físico e cosmólogo britânico recentemente falecido, como se dissesse: desaparece um ícone pop dos livros, como não havia desde o “Livreiro de Cabul”, foram para o bota-abaixo. Pegaram no que Fiolhais escreveu a seguir no jornal: “O declínio da Baixa tem sido gradual, mas acentuou-se dramaticamente nos últimos anos. Moro em Coimbra e, tal como os meus conterrâneos, é raro deslocar-me à Baixa por ser deprimente lá ir. Quem não acredite que faça um passeio como eu fiz no passado sábado de tarde, no qual só encontrei abertos dois ou três cafés (parei nesse oásis que ainda é o Santa Cruz) e duas ou três lojas de recordações (recordo-me delas pela negativa: como é possível que se venda tão atroz bugiganga?)”. 
Dizendo que aqui o professor se dispersou e escreveu o que não era bem assim, toca de lhe darem tesouradas na casaca. Está certo? Não, está errado!
Deviam dar beijinhos aos milhares de conimbricenses que, apesar de nos últimos anos pouco visitarem a Baixa, nas redes sociais, com palavras de alento e muita esperança no futuro, carpiram mágoas e lágrimas e lavaram a alma até à exaustão. Está certo um desagradecimento destes a tantas pessoas que, pelas manifestações de pesar, até quase entraram em depressão nos últimos dias?

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA SOBRE A CULTURA

A Cultura é feminina, todos sabemos. A ser mulher, estará entre o erudito e o popular. Sabemos também que, sobretudo neste mês de Março, a senhora Cultura está a ser muito maltratada, física e psicologicamente. É bem possível que o azedume já venha de longe, mas, com maior incidência, começou nas últimas semanas. O primeiro a desancar a senhora foi Miguel de Carvalho logo no dia primeiro deste Março aquando da entrevista à Lusa disse: “Casei com uma senhora chamada Cultura, em Coimbra, durante 20 anos, mas um cancro levou a senhora e eu agora vou enterrá-la e vou para outro sítio”.
Ó meu Deus! Isto é manifestação que se apresente para um viúvo recente? Se na morte todos passam a santos, porque razão Miguel não elogiou a senhora falecida?
Passada menos de meia dúzia de noites, rebenta o escândalo com o caso da directora da Direcção Regional da Cultura do Centro, Celeste Amaro, a enaltecer uma companhia de teatro profissional de Leiria por não “incomodar” a administração com pedidos de apoio. Segundo o Bloco de Esquerda, um insulto, uma alarvidade. E é verdade! A senhora Cultura deve ser poupada em tudo, até nas palavras. Isto é de uma gravidade... Ui! Ui! Imagine-se que, por exemplo, a representante do Governo na zona centro, telefonava ao presidente de uma entidade e lhe dizia mais ou menos isto: “tenha cuidado com as suas declarações! É que posso cortar-lhe o subsídio! Porte-se bem! Quem o avisa seu amigo é!”. Numa completa especulação, se acontecesse um caso destes de pura chantagem política em Coimbra, o que sucederia? Deveria ser a senhora Cultura imolada no pelourinho da Praça do Comércio, ou, numa tipicidade tão natural como a água, deveria fazer-se de conta que aquele telefonema nunca existiu?
Ainda só vamos a meio deste mês dos burros mas a violência sobre a senhora Cultura continua. Agora é o Partido Comunista Português que quer dar umas dentadas. Segundo o Campeão das Províncias online, “O PCP de Coimbra vai reunir-se com agentes culturais e com representantes do movimento associativo com o intuito de garantir “uma verdadeira política cultural” para o concelho. A iniciativa, que envolve autarcas da CDU, visa a definição e a criação de “uma verdadeira política cultural para o Município e de um regulamento que lhe dê corpo”, disse, em conferência de Imprensa, o vereador Francisco Queirós. Ao opinar que, por vezes, a vereadora Carina Gomes (eleita pelo PS) “parece viver num mundo à parte”, o autarca comunista lamentou “medidas avulsas” e considerou que a política cultural da Câmara conimbricense “limita-se à atribuição de apoios directos” mediante “critérios de ponderação desadequados à realidade do concelho e pouco transparentes”. (Continue a ler aqui)
Agora de onde nunca se esperou tal coisa, mais uma amostra de uma completa ingratidão. Como se podem fazer afirmações destas? Nossa Senhora da Cultura nos valha, que este mundo, ou melhor, Coimbra, está completamente nos caminhos da perdição.

BOAS NOTÍCIAS

Para que não se pense que aqui, neste blogue pardieiro que poucos gramam mas milhares lêem, só se escrevem notícias tristes, temos de informar que a Baixa está francamente a melhorar. Depois de terem encerrado 6 lojas em Janeiro, tudo indica que estamos no bom caminho. Em Fevereiro, no mês passado, não fechou nenhuma. E neste Março, até agora, já “somente” fecharam três. Para o fim do mês está anunciada outra -a de Miguel de Carvalho. Para Abril está anunciada uma. E para Maio outra. A Baixa está ou não está a melhorar?

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