(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
“Lição
de vida: podes pôr em causa a honorabilidade
de
qualquer mortal, mas jamais de um licenciado
pela
Universidade de Coimbra do tempo do Antigo Regime!”
Bem
vestida, emanando em redor um perfume caro, septuagenária em boa
forma física capaz de romper ainda meias-solas, mais que certo
licenciada pela Universidade de Coimbra -superioridade que marcou a
geração de 1940/50, já que nesse tempo só poucos tinham acesso ao
ensino universitário, e lhes deixou um ego maior que um nabo enorme
nascido na terra dos fenómenos, no Entroncamento-, a fazer lembrar a doutora Joaquina, pose altiva, de
olhar para cima do comum dos mortais, em passo ligeiro entrou no
estabelecimento de miudezas baratas carregada de vários sacos. A
funcionária, simpaticamente, dirigiu-se-lhe:
-Desculpe,
minha senhora, mas tem de fazer o favor de deixar os sacos aqui na
caixa...
(Como
picada por uma cobra, a mulher, ou melhor, a senhora doutora como
manda a cartilha, sentiu-se ferida no mais profundo da alma mas,
mesmo assim, virando-se devagar para a empregada, com voz bem
timbrada, retorquiu) -Ó
minha senhora, se desconfia de mim, eu também posso desconfiar da
senhora...
-Ó
querida -complementa a vigilante-, não me leve a
mal mas eu sou empregada... São as ordens que tenho do patrão...
-Ó
querida?!? Abespinhou-se a cliente. Não me trate
por querida, que eu não sou sua querida... Está a ouvir? Ao
mesmo tempo que se encaminhava para a porta de saída a resmungar.
A
funcionária, quase com as lágrimas a saltarem dos olhos tristes, virando-se para os
restantes clientes que assistiram a cena, lá foi esparramando o seu
descontentamento em jeito de desabafo: “já viram isto? O que
posso fazer? Vou contra as ordens do patrão?”
Lição
de vida: podes pôr em causa a honorabilidade de
qualquer mortal, mas jamais de um licenciado pela Universidade de Coimbra do tempo do
Antigo Regime!
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