sábado, 3 de março de 2018

EDITORIAL: ESTÁ CALADO... E CALA-TE!





Dando sempre a cara, assinando Luís Fernandes, já há cerca de quarenta anos que escrevo sobre o que se passa à minha volta. Até 2007 escrevia na coluna do leitor dos dois matutinos da cidade, depois desta data passei a ter o meu próprio espaço, o blogue, e, então, passei a dar asas ao que me vai na alma. Umas vezes de forma subjectiva outras com frieza de imparcialidade jornalística, sempre tentei imprimir um elevado toque de seriedade no que escrevo. Apesar disso, já tive uma acção em tribunal por difamação, que, pedindo a instrução do processo, ficou provado que descrescrevi a verdade e foi despronunciada. Entre 2012 e 2015, gratuitamente, fui colaborador de dois jornais semanários com uma página.
Se, por um lado, chamando a atenção pública, pela resolução de muitos problemas individuais de pessoas que pediam ajuda por não serem ouvidos por quem de direito, tive muitas alegrias, contentamento que me mostrou que a escrita, quando exercida por missão altruísta, pode ser uma foice a desbravar o capim, por outro, já ganhei muitas arrelias. Por mais estranho que pareça, estes aborrecimentos vieram sempre de onde seria impensável: dos comerciantes. Desde sempre senti uma enorme pressão de alguns deles para que não relatasse o que se passava dentro do sector, aqui na Baixa. Alguns empresários, verbalmente, chegaram a dizer-me que, contando o que se estava a passar, estava a contribuir para desvalorizar esta zona antiga. Que ao ler o que escrevo, absorvendo o lado negativo, menos gente viria fazer compras à Baixa. É verdade este entendimento? É e não é!
Antes de consubstanciar, vou explicar que entre a verdade da clareza descrita e a omissão silenciosa estabelecem-se dois valores: um maior, de âmbito universal, e um menor, que toca o egoísta interesse individual. O valor maior é, através de actos de cidadania, alertar as autoridades para uma calamidade iminente que, a concretizar-se, pode provocar um cataclismo numa determinada classe ou área geográfica. O valor menor, naturalmente, é para satisfazer interesses de um grupo ou, pelo menos, não diminuí-los, calar o que, por enquanto, é sub-reptício. Ou seja, tentar adiar ao máximo o conhecimento público de uma determinada desgraça. É óbvio que, se o mal for atacado no início, pode evitar uma pandemia. Quando não é, a consequência, o efeito, pode tornar-se incontrolável. É claro que para as autoridades governamentais, ou locais, é óptimo que quanto menos se fale ou escreva sobre o caso melhor. O argumento simplista das instituições é sempre o mesmo: “não temos conhecimento de factos anómalos!” -com o devido exagero comparativo, mas para se perceber melhor, aconselho o visionamento do filme “the Post”.
Curiosamente, em 2008/2009, aquando de uma vaga de assaltos que perpassou o centro histórico, em que na mesma noite chegaram a serem assaltados vários estabelecimentos, desenrolou-se a mesma postura por parte de alguns profissionais da compra e venda. Os que, até aí, não tinham sido lesados por esventramento mandavam-se aos arames por eu dar conta de tudo o que estava a acontecer. Então, numa reviravolta e posição, notava-se uma coisa interessantíssima: quando, a seguir, eram assaltados, eram logo os primeiros a protestar contra o estado de insegurança e a bramir argumentos nos jornais contra a PSP e a Câmara Municipal. 
Porque sabia que ao noticiar tudo estava a fazer história, nunca me importei com o agradar ou desagradar a este ou aquele. A verdade é que foi com este trabalho noticioso “pro bono” que a PSP se sentiu “pressionada” a actuar com celeridade e Carlos Encarnação, o presidente camarário na altura, mandou instalar as câmaras de video-vigilância -que, como se sabe, foi mais um coelho tirado da cartola porque, verdadeiramente, a autarquia nunca quis saber da pouca sorte de quem trabalhava na Baixa.

O TEMPO PASSA MAS O PROCEDIMENTO MANTÉM-SE

Nos dias que correm para uma crise de várias faces, económica, comercial, habitacional, social, que se avoluma dia-após-dia na Baixa, com vários estabelecimentos antigos a encerrarem, volta a emergir a pergunta: deve-se omitir o que está acontecer ou, pelo contrário, dar a conhecer ao máximo de pessoas, ao mundo, o que está acontecer?
É que na opinião de alguns eu deveria calar o que considero ser uma obrigatória denúncia pública. Sei que não consigo mas, mesmo assim, gostava de dizer a estas pessoas que tanto se sentem incomodadas com o que escrevo que, sobretudo assinando com fotografia, tomando a responsabilidade, não é fácil. E eu ajo assim. Nunca deixei de escrever o que penso. Escrevo com a convicção de que estou a fazer o que devo. E, por muito que estrebuchem, tenham paciência mas vou continuar. Vão ter de me gramar!
Para terminar, gostava só de acrescentar um pormenor, com uma interrogação: ao longo das últimas décadas já vi partir muitos que, sem nunca manifestar um protesto, me mandavam calar. Este comportamento egoísta de olhar apenas para o seu umbigo serviu para alguma coisa? Mesmo até no último suspiro, no bater da porta, nunca se lhes ouviu uma reclamação. Este exemplo serviu ou serve para alguém? Remediou alguma coisa para evitar a sua queda?
Também é certo que vou também, já estou na fila, mas, ao menos tenham a hombridade de mostrarem que sempre tive em mente o bem comum. Na minha subjectividade, com a minha convicção, acredito que ninguém me poderá acusar de fazer o jogo interesseiro do poder partidário e político.
Vale a pena pensar nisto?

Sem comentários: