segunda-feira, 19 de março de 2018

CARTA DE UM PAI PARA FILHO (NO DIA DO PAI)





Hoje é o DIA DO PAI. Escrevi este texto em 2015, 
em função da comemoração do mesmo dia do Pai. 
Por entender que é um documento, e serve a quem servir,
tomo a liberdade de o apresentar novamente à exposição pública.


Escrevo-te esta carta, meu filho, hoje, 19 de Março, dia em que se convencionou ser o Dia do Pai –não achas que deveria ser antes Dia dos Pais? Gostava de ser capaz de redigir uma missiva alegre, optimista, bem-disposta, mas temo não sair bem. Porque é assim: se contar que estou feliz por ser teu pai estou a mentir. Posso embarrilar todos à minha volta, mas não me consigo enganar a mim. Se mostrar a minha infelicidade e frustração corro o risco de parecer ridículo, talvez mesquinho até, ou em estado de auto-flagelação. No balanço entre as duas alternativas, mesmo assim, escolho a última, a verdade que me consome a alma. Estou triste, obviamente. Assumo. Não vale a pena escamotear a questão.
Tens 31 anos, és inteligente e dono de vários talentos como a música e o desenho, apenas para exemplificar. Até hoje, nunca permaneceste num emprego mais do que três meses. Há cerca de quinze anos que a tua ocupação é fumar uns charros e beber uns copos. Se acaso ganhasses para sustentar os teus vícios eu nem teria nada a ver com isso. Acontece que permaneces em casa sem fazeres absolutamente algo de útil. Sabes como se chama a alguém que vive às custas de outrem? Claro que sabes! Mas, na tua inutilidade, pareces não querer saber. Em década e meia ganhaste o hábito de te “pendurares” nos teus pais. O pior é que, no teu entendimento deturpado, defendes que os teus progenitores, pelo facto de o serem, têm obrigação de te sustentar. Para agravar ainda mais as coisas e num comportamento inadmissível, insultas-me. Insultas-me não, agrides-me verbalmente há muitos anos com a brutalidade de alguém que desconhece o reconhecimento. Culpas-me de tudo. Numa manipulação constante, e que te é tão peculiar, embora sendo de influência, imputas-me a responsabilidade de seres um falhado por que não te dei amor em criança. Dei o que pude dar. Sabes muito bem a razão de não te poder facultar mais carinho. Enquanto tu dormias descansado o sono dos anjos eu trabalhava até altas horas da noite para te poder proporcionar uma vida que não tive; para te poder comprar a consola, os primeiros jogos de computador, roupa de marca e até bons sapatos, para que tu não te sentisses inferiorizado perante os teus colegas, quando eu senti a dor de andar descalço. Mas não te esqueças que nos teus momentos importantes eu marquei sempre presença. Tantas vezes cansado e a arfar para poder estar lá e para que tu não sofresses o que eu sofri quando os meus pais, os teus avós, não estiveram e me senti tão só. Sabias que a primeira vez que comemorei um aniversário tinha 18 anos? Consegues imaginar que o teu avô, e meu pai, nunca me perguntou se estava bem ou mal e precisava de alguma coisa? Com a tua idade, de 31 anos, já estava casado e era pai de dois filhos, trabalhava há vinte anos e estava estabelecido com um negócio.
Com franqueza, como podes tu acusar-me de seres o mau resultado de não te dar mais afecto? Como podes ser tão egoísta e incriminares-me dos teus desaires, da tua falta de coragem em não conseguires largar as muletas, o álcool e “axe”, da tua estagnação como pessoa que a vida não formou e como homem que não cresceu? Responsabilizas-me pela educação que te dei. Lembras-te que te proporcionei todas as oportunidades que eu não tive? No desporto praticaste Hóquei em Patins, Karaté, mas sempre com enfado, contra vontade e por pouco tempo. Nos estudos não passaste do 9º ano –recordas que te queixavas sempre? Ora eram os professores, ora eram os colegas. E eu, acreditando que tu eras especial, de uma sensibilidade acima da média, fui aparando o jogo e ia apoiando as tuas mudanças de estabelecimento escolar. Claro que a história era sempre igual e repetida em cenas de “déjà-vu”. Rememoras a última? Quando foste para Lisboa, para uma reputada escola de música, e durante quase um ano paguei quinhentos euros de propinas mensais até te aborreceres e abandonares? Sim, porque tudo o que te cai no regaço sem dificuldade é embaraço. Esforçares-te para obter alguma coisa e dares contrapartida, ora. Isso nunca foi contigo! E eu, dividido entre uma esperança mística e uma fé terrena cega, fui esperando que mudasses. Mas tu nunca alteraste a tua forma de ser. Pelo contrário, com o passar dos anos, estás cada vez mais na mesma.
Podes atirar-me à vontade as acusações que quiseres, mas nunca poderás fazer sentir-me culpado do que quer que seja. Certamente que não fui o melhor pai do mundo. Porém, fui o educador possível. A consciência, a pesar-me, não me indicia por ter sido negligente fosse no que fosse. Na hora em que tu precisaste de mim eu estava lá. Se pudesse voltar atrás, no mesmo contexto, faria igual com umas pequenas mudanças de pormenor: seria mais exigente e autoritário com a tua endémica fragilidade de vontade e não te presentearia com tanto conforto. É aqui que tenho a certeza que falhei. Dei-te tudo o que não tive, com um incomensurável prazer, e tudo junto foi demais. Exagerei. Mas esta exageração foi feita de boa-fé. Pensei que, tendo tudo como a maioria e não sofrendo a dor que conheci tão bem, te tornarias uma pessoa de bem. Erro de palmatória, já sei! Mas está feito e não vou passar o resto da minha vida a inculpar-me por isso. És assim porque queres. Estás sempre a tempo de mudar, se essa for alguma vez a tua vontade. Hoje é o meu dia: O DIA DO PAI!

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