(Imagem da Web)
Passam poucos minutos das vinte horas deste
último Sábado, no Pingo Doce da Portela. Três pessoas, dois homens e uma mulher,
envergam camisolas com a inscrição “Banco Alimentar”. Como sentinela alerta, através
dos seus olhos negros e pequeninos, ela olha tudo e todos em redor. Está junto
de quatro carrinhos do supermercado praticamente a abarrotar de géneros
alimentícios. Tem uma figura esbelta. Conheço-a de vista. Tenho a certeza, já
nos encontrámos antes. Afinal, Coimbra é uma aldeia grande, reconhecemo-nos todos
de vista. Apetecia-me escrever sobre a motivação dos voluntários, aquela
vontade que, individualmente, move cada um dos cerca de 42 mil que, neste
fim-de-semana, estiveram presentes em todo o país a angariar alimentos para quem
mais precisa. Não quero saber se foram recolhidas mais ou menos de duas toneladas nesta
primeira acção benemérita. Isso são números para os jornais.
Dá pelo nome de Maria Manuela Afonso e, embora
não pareça, já sessenta e cinco primaveras lhe deixaram marca no corpo, por
sinal, ainda muito belo. Foi bancária até 31 de Dezembro de 2005. Mal o barulho
das rolhas a saltarem das garrafas de espumante se desvaneceu e o estalejar do
fogo-de-artifício se apagou, a 2 de Janeiro já estava à procura de uma
associação para poder trabalhar em prol dos outros. Nunca tinha feito nada no
género mas, como sonho antigo, sabia que era isto que queria. Entrou para a associação
“Casa”, Centro de Apoio ao Sem-abrigo, e durante cinco anos cozinhou na sua
habitação os alimentos que, à noite, eram distribuídos na cidade por outros
voluntários aos mais necessitados. Está há quatro anos na ADAV, Associação de Defesa e Apoio da Vida, na Praça da República.
Passados nove anos, a fazer bem sem olhar
a quem, sente-se muito feliz. “Quando
estou a ajudar transcendo-me, ganho uma segunda alma”, confidencia-me. “Auxiliar uma causa, ou alguém, é uma parte
muito importante da minha vida. Ao retribuir torno-me um ser melhor. As pessoas
dão-me oportunidade de eu agradecer tudo o que tenho. Sei que não posso mudar o
mundo mas se salvar uma única pessoa sinto que estou a fazer algo de único. Sou
católica-praticante, acredito na redenção da alma. Mas, como agora em que
pratico a bondade, a solidariedade, a interação com o outro, religa-me o
sentimento prático de que estou a contribuir para a salvação do corpo de alguém.
As
pessoas mais humildes são as mais generosas. Apercebo-me. Oferecem um pacote de açúcar e pedem desculpa por dar tão pouco. Infelizmente,
não raras vezes, os mais abastados, neste serviço de voluntariado, olham-nos
com sobranceria, como se fôssemos carecentes de amor e, pela solidão, fizéssemos isto em substituição do vazio. Nada de mais errado. Para além de sermos muito felizes, temos muito carinho para dar a quem precisa. Contrariamente ao que se pensa, os
jovens, de vinte e tal anos, também dão com uma humildade impressionante. É
certo que a crise que vivemos toca a todos, mas estou convencida que a
diminuição das ofertas tem mais a ver com a multiplicação das campanhas. Há uma
massificação intensiva das instituições a recorrer à dádiva pública. O resultado é o
cidadão começar a ficar farto e, como defesa, a deixar de responder. Acaba por
ser mau para todos. Estou aqui há três horas. Acredita que não estou cansada?
Se alguém tiver uma vida melhor pelo meu esforço sinto-me muito bem. Sou uma
felizarda. Fui abençoada por Deus!”
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