LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "REFLEXÃO: OS NOVOS MENDIGOS", deixo também as crónicas "UMA PRAÇA SEM DIGNIDADE"; "NESTE NATAL, AS MELHORAS PARA O PINTO"; e "65 ANOS DEPOIS...".
REFLEXÃO: OS NOVOS MENDIGOS
Os outrora pedintes espalhados pelas ruas
destas pedras carcomidas pelo tempo, talvez pela diminuição de transeuntes, nos
últimos anos foram desaparecendo e hoje, tirando um ou outro invisual,
contam-se pelos dedos das mãos. Porém, como rei
morto, rei posto, como vírus de pandemia, a mão estendida alastrou a toda a
Baixa. Simplesmente agora são mãos finas e a lengalenga é em nome de uma
qualquer instituição de solidariedade. Haja pachorra para tanta pedinchice! Quem
nos livra destes novos mendigos?
UMA PRAÇA SEM DIGNIDADE
Na segunda-feira da semana passada, cerca das
10h30, a Praça 8 de Maio estava com vários automóveis estacionados que,
presumivelmente, ali teriam passado a noite. De tal modo que um deles teve de
permanecer no meio da esplanada e após a arrumação das mesas e das cadeiras. É
certo que um agente da PSP estava a fazer-lhes
a folha, como quem, diz a passar-lhes multas e a colocá-las nos vidros dos
veículos.
A questão que se deve levantar é, numa análise
simples, porque acontecem diariamente casos como este? Poderíamos começar pela vigente
cultura do desenrasca do cidadão. Para muitos automobilistas qualquer local
serve para estacionar. Seja nesta praça, seja na Praça do Comércio, seja numa
qualquer praceta desta zona velha.
A seguir a mesma observação, já se sabe e até
nem vale a pena bater no ceguinho, desde há muitos anos que a Baixa está sem
policiamento noturno e entregue à sua sorte. É puro milagre não acontecer por
cá mais vandalismo e atentados ao património. Num procedimento governamental,
de contenção de custos, desde há uma década para cá, a segurança de pessoas e
bens durante a noite deixou de ser uma preocupação. Em vez de se apostar na
prevenção, no antes, a montante, acomoda-se tudo no depois, a jusante. E entre
o destino a sorrir para quem é dono de alguma coisa e o “deus queira que não aconteça nada”, há sempre uma explicação que,
como capote de encobre misérias,
serve para tudo. Na “Conferência A Baixa
no Centro da cidade: turismo pelo património e(m) segurança”, Paulo Dinis,
o chefe da área de operações do Comando de Coimbra da Polícia de Segurança
Pública afirmou que a criminalidade desceu 29% na Baixa da cidade desde que, em
2009, entrou em funcionamento o sistema de videovigilância. Curiosamente já li
isto mesmo em 2010 mas, mesmo assim, não duvido dos dados noticiados. Porém,
estabelecer a causa da redução da criminalidade por efeito da instalação das 17
câmaras eletrónicas -12 com sistema de gravação e 5 apenas para visionamento do
trânsito-, é quase como acreditar em prodígios por obra e graça do Espírito
Santo. Que há muitos crentes que admitem a possibilidade, lá isso há! Tenho
muita pena mas não comungo da tese e demarco-me totalmente da opinião expressa.
Acompanhei muito de perto a instalação da vigilância digital. A meu ver, o
decréscimo do crime nesta parte histórica nem de perto nem de longe se deve a
este meio. Aliás, salvo erro até hoje, só uma ocorrência foi detetada através
dos ecrãs: um assalto à desaparecida Perfumaria Pétala, em Abril de 2012. Se
afirmarmos que esta diminuição se deve ao bom trabalho das brigadas à civil, de
rua, da PSP, assim, e juntamente com outros recursos instrumentais, talvez me
convença mais. E um deles, estrutural, assenta no excelente acompanhamento que
as instituições de apoio aos toxicodependentes fazem na zona do Terreiro da
Erva –e que, curiosamente, como andam todos ocupados com a sua liquidação total
ninguém fala deste bom trabalho. Hoje a pequena criminalidade nesta parte de
antanho socorre-se do roubo por esticão a pessoas na via pública e furto nas
lojas em pega e corre que se faz tarde.
É evidente que a PSP se agarra aos dados estatísticos
que detém e, entre a conveniência de apresentar trabalho feito e os princípios
da segurança e tranquilidade das populações, sem grande preocupação de os
analisar em profundidade –interessa mesmo é mostrar que estamos cada vez mais
próximos do paraíso-, parece-me, projeta-os sobre uma ação falsamente
preventiva –que no caso da vigilância digital nem isso chegou a ser. A eficácia
deste meio impeditivo ainda está para se provar. Salvo melhor opinião, embora
seja a minha convicção, as câmaras foram somente uma medida política de Carlos
Encarnação, ex-presidente da edilidade coimbrã. Tratou-se de um fogo-de-vistas,
um investimento de cerca de 150 mil euros, que serviu essencialmente para calar
os comerciantes da zona histórica –que entre 2007 e 2008 sofreram uma vaga de
assaltos, por arrombamento, sem precedentes.
Voltando à análise da ocupação fácil da Praça
8 de Maio, está de ver que este átrio em frente ao Panteão Nacional precisa de
uma outra dignidade. No mês passado a Câmara Municipal não deu licença para a
realização de uma feira de artesanato urbano naquele local. E fez muito bem. O
que se espera é que continue a fazer o mesmo para todos os certames, sejam eles
quais forem. Este belo rossio, no respeito pela ancestralidade, não pode
continuar a ser um vazadouro de manifestações de compra e venda. Há outros
locais interessantes como, por exemplo, a Praça do Comércio –já agora, porque
não cobrir esta praça com painéis de vidro e realizar ali todos os eventos e alegorias?-
e as ruas largas da calçada. Mais ainda,
a antiga praça de Sansão não pode continuar a ser palco de um mau gosto
sublinhado, como agora, na instalação de um pinheiro no meio do lago. Custa-me
dizer mal mas tem de ser. Colocar uma árvore recentemente cortada –na qual há
anos se pede proteção nesta quadra- no meio de um lago com água, sinceramente,
é de um mau gosto que brada aos céus. E que alternativa? Pode perguntar-se?
Pedir a uma escola de artes que promovesse uma escultura para as festas
natalícias. No Mercado Municipal, com o patrocínio da edilidade, fez-se isto
mesmo com uma árvore em garrafas de plástico, recicladas. Um bom exemplo a
seguir!
NESTE NATAL, AS MELHORAS PARA O PINTO
O quadro não pode ser mais terno e
impressionante. Faz lembrar uma tela de um pintor famoso da Renascença. No
hospital, um septuagenário, de cara doce rosada e envolvido em tranquilidade,
está deitado com a cabeça ligeiramente elevada e sobressai no branco imaculado
dos lençóis. Está acompanhado de uma velhinha com a mesma bagagem etária, de
cabelos brancos curtinhos e olhar vivo de contemplação. Ela está curvada sobre
o doente com um prato na mão e uma colher faz a ponte até à boca do homem. Uns
murmúrios ininteligíveis em jeito de negação saem do enfermo e são abafados por
umas claras frases de amor: “só mais um
pouquinho, querido! Vá lá, meu amor! Só mais esta!”. E os olhos dele, como
tomados por um arco-íris de carinho e força, fitam-na e, como se dissesse algo
em concordância sem dizer, abre os lábios com doçura.
O senhor Guilherme Pinto, o nosso amigo, o
companheiro da serenidade, depois de um gravíssimo acidente de automóvel há
cerca de um mês, está internado nos HUC, Hospitais da Universidade de Coimbra.
Embora com prognóstico reservado, com toda a força de tantos e que tanto gostam
dele, o Pinto, lentamente, está a recuperar depois deste trambolhão do destino.
Embora já soubesse há mais tempo, só agora
obtive autorização da família para dar a notícia. Faço-o com a certeza de que
muitos amigos, da Baixa e de outros pontos do país, e até do Brasil, neste
Natal estarão todos a torcer para que o nosso querido companheiro e amigo de
tantas décadas a comerciar na Rua da Louça se restabeleça e rapidamente possa
retomar o nosso convívio. Para ele, para a família, em nome de todos nós
comerciantes, se posso escrever assim, um grande abraço de muita força e
coragem. Seja por obra da Natureza, por milagre e graça de Deus, do Menino
Jesus, de São José e Maria, na sua bondade e divindade, e connosco, com a nossa
fragilidade de humanos assente na amizade, precisamos todos do senhor Guilherme
por cá e depressa!
65 ANOS DEPOIS…
Mais de seis décadas depois as humildes irmãs
das Criaditas dos Pobres abandonaram a Cozinha Económica, no Terreiro de
Mendonça. De idade avançada presumo que este facto poderia ter contribuído para
o corte com este exemplar serviço de solidariedade social na Baixa de Coimbra.
Apesar de ter tentado chegar à responsável e obter umas palavras tal não me foi
possível –o que também não é de admirar já que esta congregação prima pela
discrição e pelo fazer bem sem olhar a quem.
Sem pretender lançar achas numa fogueira
silenciosa, mesmo assim ouso especular –e é mesmo pura suposição- que a notícia
no Diário as Beiras (DB), neste último 15 de Maio, pode não ser alheia a este
facto e ter feito derramar um copo que, pela indiferença de quem manda e pode e
deve tomar mais atenção, já estaria cheio há muito. Noticiava o DB, “A Associação Cozinhas Económicas Rainha
Santa Isabel alertou esta quinta-feira para a dificuldade em garantir
a sustentabilidade da instituição e disse prever um défice de cerca
de 15 mil euros para 2014 devido ao número
de refeições gratuitas fornecidas. Em 2013, a Associação
Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel (ACERSI) registou 92 mil refeições
fornecidas de forma gratuita, sem que tenha sido “atualizado o apoio da
Segurança Social”, fazendo com que “pela primeira vez” na direção de Arminda
Lemos, que é há quatros anos presidente da associação, o orçamento anual
preveja “um défice” de 15 mil euros. A presidente da instituição alertou que as
Cozinhas Económicas “não têm mais capacidade de resposta”, caso o número de
refeições continue a aumentar. Arminda Lemos referiu também que tem “esperança”
que a celebração de novos acordos, por parte da Segurança Social, com outras
cantinas sociais, leve a “uma redistribuição” das pessoas. “
Uma certeza posso garantir, toda a Baixa, toda
a cidade está em dívida com o altruísta e prestimoso serviço que durante mais
de seis décadas a congregação das irmãs das Criaditas dos Pobres prestaram. A
Câmara Municipal de Coimbra, mesmo que a responsável da ordem se demita da
homenagem, deve tomar em conta uma consagração futura, por exemplo, no Dia da
Cidade.
Na parte que me toca, enquanto comerciante e escrevinhador do que se passa por aqui,
em nome da Baixa, em nome de tantos pobres e desabrigados da sorte que durante
tantos anos puderam contar com o desinteressado apoio destas irmãs do
bem-fazer, o nosso MUITO OBRIGADO!
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