Encontrei-o nesta segunda-feira a tocar
harmónica em frente à Casa da Sorte, na Rua Ferreira Borges. Com recurso a amplificação, na sua voz
melodiosa, intervalava com cantares populares. Os seus traços fisionómicos eram-me
familiares. Já o vira antes, quase apostava. Embora nem sempre consiga explicar
de onde, nunca esqueço um rosto que se cruzou comigo ao longo da minha
existência. Ao seu lado, sem dar nas vistas, duas canadianas, um par de muletas,
atestavam que a suas pernas acusavam o peso do tempo.
Vamos lá então saber quem é este homem que
pareci reconhecer de qualquer lado. Chama-se Elias Rodrigues e há muitos anos,
não sei exactamente quantos, talvez uma década ou mais, percorria as ruas da Baixa
a tocar sete instrumentos ao mesmo tempo. Desde o prato de choque, ao prato
livre, pandeireta, matracas, castanholas, tambor e até
à harmónica, incluindo cantar quando
era preciso, este “showman”, este
homem orquestra, encantava tudo e todos. Veja alguns vídeos seus no YouTube, AQUI, AQUI, AQUI, AQUI e AQUI.
Elias é natural do Funchal. A música começou a
fazer parte da sua vida ainda criança por entrar sem pedir licença na sua casa,
na Ilha da Madeira. Por volta de 1938, tinha então 5 anos, na mesma rua e a uma
centena de metros onde morava com os pais ensaiava uma banda de cordas. Começou
a ir ver e a gostar cada vez mais. Aos seis anos o pai ofereceu-lhe uma harmónica.
Com 10 anos já tocava na via pública e fazia bailes populares. Aos 17 anos, em
1950, ingressou na Academia de Belas Artes e Música. Aprendeu solfejo, passou
ao piano e clarinete e, de corpo e alma, tornou-se amante da música, aquela que
viria a preencher todos os momentos, bons e maus, da sua vida. Ainda na pérola
do Atlântico e enquanto jovem fez parte da “Banda
dos Guerrilhas”, a soprar clarinete. Sem nunca largar a música, em final de 1950 foi trabalhar para as
publicações Atlântico –actualmente Servir-, na divulgação da revista “Saúde e Lar”, enciclopédias e outros
temas generalistas. Como vendedor, foi destacado para o Continente, para o
distrito de Viseu. Foi em Castro Daire que viria a conhecer a dona do seu
coração, já lá vão 42 anos, e juraram amar-se nas alegrias e nas tristezas.
Deste enlace nasceram quatro filhos, hoje todos ligados à orquestração.
Apesar de as pernas já não permitirem muitos
esforços, continua a ser mostrado como o “Homem
Orquestra”. Ainda há dias esteve no programa da Fátima Lopes, a “Tarde é Sua”, e já alegrou a “Praça da Alegria”, do Manuel Luís Goucha, agora ambos apresentadores da TVI.
Elias confessa que, mesmo trôpego e com os
seus 81 anos, para além de gostar muito de música, não é só por gosto que anda
por cá. Continua a alegrar as ruas das cidades porque, mesmo com enorme dificuldade,
é obrigado e precisa do que ganha para viver com alguma dignidade. A sua
reforma é de 245,00 euros e a sua mulher recebe cerca de 300,00 euros. “Se a necessidade aperta, o que hei-de fazer?”.
Interroga com alguma conformação, numa voz doce e embrulhada num brilho de
olhos claros e sotaque de além-atlântico.
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