Como se tivesse vindo envolta no espírito de
Natal, começámos a vê-la há poucos dias na Praça do Comércio. O seu rosto
bonito, de boneca de porcelana, sobressai na pequena banca que ostenta o título
de “Tenda das prendas”. No tampo do
pequeno balcão, que ocupa sensivelmente meio metro quadrado, podem ver-se pequenos
blocos de notas, lápis, esferográficas e pequenos bonecos em feltro e,
pendurados em equilíbrio precário, blusas usadas marcadas a 3 euros. Mais atrás,
aproveitando o espaço visual de uma montra que já foi e hoje é simplesmente
sombra de um tempo que passou, casacos, um robe e várias camisetas usadas. Tudo
a um preço tão baratinho que, talvez pela quadra natalícia, até nos toca a sensibilidade
e nos provoca um apelo a parar.
A Kátia Félix é brasileira de corpo e alma e
está em Portugal há cerca de uma dezena de anos. Sem contrato, trabalhou numa
grande loja de artigos chineses até que o desemprego lhe tocou e teve de
inventariar toda a sua existência. Tirou um curso de estética mas a sua onda é
mesmo a arte de negociar. É o seu mundo, a razão do seu viver. Sempre se
imaginou com o seu espaço comercial, uma pequena loja onde pudesse pendurar os
seus sonhos. E há-de tê-lo, porque Deus
Nosso Senhor vai ajudar! –enfatiza com grande convicção. Foi daí que surgiu
a ideia de vir para a rua vender. Afinal, um grande rio começa apenas com umas
gotículas. Este é o primeiro passo para a concretização da sua vontade, chegar
onde quer, que é ter uma lojinha. Se é certo que é um fio ténue que lhe alimenta
a chama da sobrevivência, por outro lado, sente que o que está a fazer é
trabalho honesto. Se assim não fosse, esta sua permanência na rua daria uma boa
tese para estudo, na forma como os transeuntes olham alguém que está a vender
pequenos objectos baratinhos. “Há pessoas
que, começando por olhar para o meu espaço, páram e interrogam se preciso de
ajuda -começa a contar-me. Verifico
que os seus olhos emitem raios de comiseração e vontade de me ajudar, bastaria,
para isso, que eu afirmasse ser esse o propósito. Explico que, embora precise
de ganhar a vida, o que me move não é a mendicidade. Alguns destes curiosos
compram um pequeno objecto. Outros, pela minha explicação, intuo, seguem o seu
caminho mais descansados. Outros ainda, sobretudo homens, mandam “bocas”. Umas,
mais suaves, assim no jeito: “vai para a tua terra!”. Outros dichotes são
completamente ordinários como, por exemplo: “ó filha, podias ganhar a vida de
outra maneira!”. Mas, sabe uma coisa? Quem me hostiliza dá-me forças para
continuar. Se fosse tudo perfeito, e assente em facilidades, as conquistas, que
tanto suor e lágrimas nos custam, não tinham graça nem o sabor a mel que lhes
adivinhamos. Mas de uma maneira geral as pessoas são boas e tratam-me com
respeito. Sei que estou a percorrer o meu caminho em direcção a um futuro
melhor. Isto, verdadeiramente, é que me importa! E estou a fazê-lo
honestamente!”
4 comentários:
Quem é determinado no seu objectivo pode chegar muito além do que imagina. Essa Jovem vai longe, pois a determinação de estar no frio para realizar seu sonho, tem que haver uma força Divina para ajudar. Acho que muitos em vez de reclamar que a vida está difícil, deveria agir dessa forma, encontrar formas de dar a volta as dificuldades e encarar os desafios de frente! Parabéns Kátia pela sua coragem e exemplo de superação e força!
Realmente quando queremos alcançar uma meta não podemos ficar à espera ou até mesmo deixarmos ser guiados pelo que falam "os outros". Se o fazemos o nosso sucesso, vai adiando pela falta de coragem e determinação naquilo que já está dentro de nós. É isso que a Kátia Félix está a fazer!
Se muitos tivessem esta mesma iniciativa acredito que a situação financeira de muitos que vivem a reclamar mudaria... Esta aqui um grande exemplo!
Nós conimbricences deveriamos prestar mais atenção a exemplos como desta jovem. Às vezes passamos ao pé de muitos e nem ligamos, mas por trás destas vidas há grandes histórias, sonhos por realizar, frustrações, anseios, decepçōes e até necessidades de alimentos. Ver um exemplo como da Kátia faz nos refletir o que nós estamos dispostos a fazer por nossos objectivos. E pelos vistos a Kátia está a fazer a sua parte e a usar sua força de vontade para alcançar sua meta. Grande exemplo!
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