A Assembleia Geral, marcada para as 20h00 de
ontem, quinta-feira, nos editais distribuídos pela Baixa e publicado n’O Despertar, começou uma hora depois, às
21h00, no Rancho das Tricanas de Coimbra. A reunião prometia fazer correr
insultos e mais que desse. Ao que parece, em Agosto, um ensaio de folclore
acabou em ensaio de pancadaria entre mulheres e sentia-se a tensão entre o
grupo de cerca de uma vintena de associados presentes. Como em tudo o que são
movimentos associativos de pessoas, há sempre duas correntes, uma que vai na
onda e outra que vai contra.
A liderar a assembleia, como presidente
eleito, no meio da mesa, estava Carlos Clemente -que, embora o Rancho se mantivesse inactivo durante os últimos anos, até ao anterior sufrágio,
e durante vários mandatos, comandou uma das mais antigas colectividades da Baixa
de Coimbra. Ao seu lado direito, acompanhado por alguns membros do actual
executivo, estava Luís Montenegro, o presidente da direcção.
Mal começou o congresso, imediatamente,
estalaram as hostilidades contra Montenegro. Lançado por uma associada, caiu
logo um petardo de “mentiroso”. A
coisa prometia serrabulho. A assistência, com uma vontade danada de despejar o
que levava na alma e atropelando-se nas intervenções, como se estivesse no
Coliseu Romano, revolvia-se inquieta e pedia sangue. Como um sino a bater Trindades,
uma voz proclamava: “Eu quero saber da minha
carta de demissão!”
Clemente, adivinhando violência verbal, puxou dos
seus galões de apaziguador e ao mesmo tempo ia contando aquela história velha e
nossa conhecida: “no meu tempo era assim!”. O problema era que ali havia
demasiada areia para a sua camioneta e acabou a enfiar os pés pelas mãos. Ora misturava o seu papel de presidente
da assembleia, onde há necessidade de ser árbitro imparcial, ora amassava
reivindicações de associado comum e fazia de relator com perguntas. Para seguidamente,
centralizando tudo, dar as respostas carregadas de paternalismo para com
Montenegro e admoestando a assembleia: “não
podemos sacrificar o senhor presidente da direcção. Provavelmente ele delegou
nas pessoas erradas!”. Ocupando todo o espaço áudio, impunha silêncio e
reinava na pequena sala onde a ignorância geral se apanhava às pazadas. Não
dava a palavra a alguns sócios que, alegadamente, não teriam as quotas em dia
–estes defendiam que não puderam pagar por não saberem o seu número de
associado e mais coisas e tais. Montenegro, ao lado de Clemente, enfiado na
cadeira, como passarinho encolhido, como
se apelasse a um qualquer santo “tira-me
daqui”, via, ouvia, abanava a cabeça e nada dizia. Lá no canto da sala um
já desaparecido ensaiador que faz tijolo
há muitas décadas, em foto a preto e branco, parecia ensimesmado com tudo o que se estava a passar à frente dos seus olhos e não parecia querer sair da terra onde
jaz e voltar para o meio daquele forrobodó.
Até a Tricana de Coimbra, bem retratada na tela, provavelmente por António
Vitorino na década de 1930, estava incomodada com a situação e sugeria querer
dizer: “levem-me daqui!”
No calor da noite e da discussão
cruzada, dois associados ameaçaram abandonar a sessão mas, depois de divinos apelos
à serenidade, lá voltaram a sentar-se. E mais uma vez se ouviu: “eu quero saber da minha carta de demissão!”
No fim do encontro Luís Montenegro assumiu
que, pelos interesses da colectividade, estava a tentar que a direcção não
caísse mas, perante o que se passou nesta Assembleia Geral, não estava para
aguentar tanto desaforo, -que lhe tirava anos de vida, descanso e dinheiro- e
iria apresentar a sua demissão.
Vamos aguardar as cenas dos próximos
capítulos.
Sem comentários:
Enviar um comentário