Durante a manhã de hoje esteve na Rua da
Sofia. Como se fizesse meditação, sem proclamar uma palavra, estava sentado no
chão sobre o rolo de uma presumível tenda, com as pernas cruzadas e, à sua
frente, um pequeno recipiente plástico com meia dúzia de moedas de vinte
cêntimos. Era um rapaz de vinte e poucos anos e com um piercing no lábio inferior. De cabelo penteado e atado sobre a
nuca, de aspecto limpo, vestia e calçava informalmente, com roupa simples e
ténis que já viram melhores dias.
Passei, olhei e andei três
passos. Algo na sua imagem hirta me chamou a atenção e tocou os sentidos. Não
sei bem, penso que foram os seus olhos. Tinha um olhar parado, petrificado no
espaço, com uma tristeza que tocava a alma do mais insensível, mas, ao mesmo
tempo, um contemplar de firmeza e predestinação. Voltei atrás e fui saber o que
fazia ali.
Expressava-se em inglês ou francês –escolhi o
segundo idioma. Segundo as suas declarações, dá pelo nome de Pierre Zadar. É
jornalista e escritor. Há cerca de cinco meses partiu da República Checa apenas
com a roupa que vestia e com uma pequena tenda para dormir. Largou família e
amigos com o propósito de escrever um livro sobre os países que vai atravessando
e, sobre o que infere, falar das suas gentes e provar que é possível sobreviver
retirando benefício da arte performativa de rua e da caridade pública. Faz
bolas de sabão. Já passou por Itália, Inglaterra, Espanha e agora em trânsito por Portugal. Chegou
hoje a Coimbra. Sente que a maioria dos transeuntes europeus é generosa desde
que considerem que o óbolo não se destina a álcool ou drogas. Não sabe quanto
tempo vai ficar por cá.
Ofereço-lhe almoço. Declina. Diz-me que as moedas
que vão caindo na pequena caixa dão bem para comer. O pior mesmo é o calçado. E
mostra-me as sapatilhas. Levanta uma e está rota na borracha rasteira. “Será que me pode ajudar para adquirir
outras?” –solicita.
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