O relógio electrónico da farmácia Universal,
na Praça 8 de Maio, marcava 22h00 e 14 graus Celsius nesta última sexta-feira
de Novembro. Como se estivesse à espera de alguém importante, um grupo de cerca
de uma dúzia de ingleses, dez rapazes e duas raparigas, todos na casa dos vinte
anos, está sentado no rebordo do agora lago público da praça do Conquistador.
Ao longo do lambril, estão acompanhados de umas garrafas com vinho e copos em
plástico. O barulho da confraternização, regado com o etílico sangue de Cristo, ouve-se a metros de
distância. Sempre que uma botelha se acaba, como acrobata chinês, faz uma
pirueta e vai tomar banho no lago. Uma das raparigas, saindo do amontoado, vai
apanhar todo o lixo na envolvente feito pelos espalha-brasas incluindo tudo o que foi lançado à água e vai colocá-lo
no depositário para o efeito –graças não sei a quem, e contrariando a sua
carência nas ruas largas, ainda persistem na velha praça de Sansão.
A oscilar entre a temperatura
fria e tolerável e à medida que o tempo suportável vai avançando, os gestos dos
jovens vão-se tornando mais evidentes e desconexos de uma harmonização social. O ruído, sem precisar de tradução, era cada vez mais saliente. Um carro da PSP
aproxima-se e um agente fala com o bando mas naturalmente, como não havia nada de
transcendente, prosseguiu a sua ronda pela cidade mergulhada no
silêncio, excepto aqui quebrado pelos ingleses. Mais que certo porque quem prometeu vir
não apareceu, alguns moços começam a despir-se e mergulham na piscina. Numa
certa imaginação febril, poderemos sempre aventar de que, de facto, os
britânicos estariam à espera de alguém para inaugurar o nosso mais recente e
célebre monumento ao “far niente”, como quem diz que não serve para nada. Mas
quem seria? Bom, especulando, poderemos imaginar que seria Manuel Machado, presidente
da edilidade coimbrã, mentor da alteração do até aqui repuxo e agora um balde
gigante com águas inertes e pronto a receber o lixo daqueles que pouco se
preocupam com a paisagem urbana e apenas se servem dela para despejarem os seus
maus hábitos nunca adquiridos, mau grado e debalde o esforço dos seus progenitores.
Mas, continuando a supor, por que não teria aparecido Machado a benzer o banho santo dos turistas de mochila e
violadores de sossegos nocturnos? E a gente sabe lá? Bom, porque cogitar não
paga imposto, poderemos sempre pensar no pior. É que este dia 21 de Novembro,
para os Socialistas, foi uma sexta-feira
negra. O seu grande mentor, o criador de todas as obras públicas, senhor de
todas as auto-estradas e scut’s deste país atrasado que mata mulheres a todas
as refeições como se acompanha tremoços com uma “bjeca”, foi detido. Este homem provinciano, o “self-made-man”, que mais não avançou nas obras públicas por que a
Troika não deixou –como o aeroporto em Alcochete mas, descansemos todos, ainda vai
ser feito pelos seus seguidores, se Deus Nosso Senhor quiser, porque o povão
ainda respira e enquanto assim for, Portugal, dividido entre a amargura e a felicidade,
pula e avança. Era um dia muito triste, o grande Sócrates, o modelo que
persiste em existir dentro de nós, o homenageado com a chave de ouro da cidade
da Covilhã, foi preso por corrupção e alegadamente por possuir uma conta no
estrangeiro de vinte milhões de euros. Se é certo que até ao transitado em
julgado se presume inocente, em boa verdade, por que estamos todos ressentidos
com ele e com toda esta classe de estupores e estupradores, todos exigimos a
sua cabeça numa bandeja de barro. Alguém tem de pagar pela miséria, pelo
empobrecimento, pela indignidade de tantos milhares de portugueses. Estamos
numa guerra entre o opressor –em paradigma, um bloco extenso constituído por
uma classe de políticos das últimas décadas que se locupletou com a riqueza de
um povo e que, pelas suas teias de conhecimentos e instrumentos financeiros,
continua a defender-se com meios não acessíveis à maioria- e o oprimido, uma
população quase “pé-descalço” que, na
última década perdeu praticamente tudo, incluindo a dignidade de se revoltar. Só
o faz quando o agressor está tombado no chão. Então, nessa altura com as costas
quentes, aproveita para o insulto e ensaiar uns sopapos. Mas é por pouco tempo
e até a dúvida se instalar. Não tardará a ser classificado como mártire do
sistema pelos seus acólitos.
Se é certo que alguns Socialistas estão de luto,
sobretudo os homens de boa vontade, os sérios –por que felizmente há muitos-,
os que sentiram e foram apanhados pelo choque, pela vergonha, pelo labéu, subiram
as golas do sobretudo e enfiaram um chapéu. No entanto, a mancha, que alastra, é
tão grande que poucos se podem rir, ou simplesmente comentar o que se passa no vizinho. Porque o poder corrompe, os social-democratas
e os democratas-cristãos estão no mesmo estado. A política, a mais nobre arte
de negociação humana, está encerrada para balanço. A Polícia Judiciária,
transformada numa espécie de ASAE, ou outra qualquer polícia de costumes a
fazer lembrar Chicago dos anos de 1930, aparentemente, está a varrer os
iluminados sacrossantos e inatingíveis pelo longo braço da lei. Perante uma justiça acusada
de inactividade, inoperacional e discriminatória, de só castigar os mais
desgraçados, tal como teria dito Galileu, afinal move-se! E como a provar que “podemos”, e a copiar a vizinha Espanha acabemos
a ressuscitar Marx, antes que seja tarde e o caldo se entorne e fique tudo vermelho
de raiva, revolvendo e volvendo a fé a uma sociedade sem esperança, pode ser
que ainda nos salvemos.
Estava explicada a intrépida inauguração do lago da solidão pelos ingleses. É de
supor que, como já não temos colónias e passámos a colonizados, esta invasão
não tenha nada a ver com resquícios do Ultimato
Inglês, de 1890.
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