Na página "OLHARES... POR COIMBRA E PELO PAÍS, na rubrica "NÓS POR CÁ" escrevi "O ACESSO AO JARDIM DO ÉDEN". Na rubrica "OLHAR PARA SUL..." deixo o texto "ESTOU VELHO, EU SEI"
NÓS POR CÁ...
O ACESSO AO JARDIM DO ÉDEN
Não se sabe muito bem a razão mas muitos dos
turistas que saem do posto do turismo do Largo da Portagem e pretendem entrar para
o Jardim Botânico, em vez de irem para a Alta, para os Arcos do Jardim, deslocam-se
para o fundo da Rua da Alegria, junto às Águas de Coimbra –outrora houve ali um
acesso direto ao grande jardim da Universidade de Coimbra, fundado pelo Marquês
de Pombal, em 1772, desenvolvido por Domingos Vandelli e apoiado pelo
naturalista e botânico Avelar Brotero. Hoje, junto às instalações da EDP, um
grande portão em ferro trabalhado artisticamente permanece encerrado e veda um
caminho largo até ao jardim dos Arcos. Segundo uma testemunha que pediu o
anonimato e que trabalha ao lado do acesso, durante o Verão, diariamente, cerca
de duas dezenas de visitantes dão de chofre e voltam para trás. Mesmo agora, no
Outono, é normal ver miúdos a escalar, a subir e a descer, a grande porta
negra. No turismo, no Largo da Portagem, sabem que é assim mas não têm
explicação plausível. É provável que em antigos roteiros da cidade, e em posse
de guias internacionais, ainda conste a entrada para o nosso importante jardim
pela Baixa da cidade.
Em Dezembro, do ano passado, por alturas do
Natal e aquando da reativação do elevador do Mercado, que liga o Mercado Dom
Pedro V à Rua Padre António Vieira, Manuel Machado, presidente da Câmara
Municipal de Coimbra, afirmou estar a estudar a hipótese de ligar a Alta à
Baixa através de um funicular, um elevador elétrico, que funcionasse entre o
Parque Verde e a Universidade, passando pelo Jardim Botânico.
Um ano passou e, aparentemente,
tudo continua igual. Será assim? Ou haverá planos para abrir a entrada dentro
em breve? Fui colocar a questão a Paulo Trincão, o diretor do Jardim Botânico
há cerca de dois anos. Trincão, outrora diretor do desaparecido Museu da
Ciência e da Técnica –que, sou testemunha, com muita mágoa assistiu ao
desmembramento e divisão do seu acervo-, personalidade sobejamente conhecida na
cidade e profundamente interessada no seu progresso, desenvolvimento e cultura,
naturalmente que saberá o que se passa. Conte-nos, professor, o ingresso ao
grande jardim pela Baixa alguma vez voltará a ser uma realidade?
“Vai sim! A comunicação pela Baixa será uma
certeza! No último 4 de Julho foi assumido um protocolo entre a autarquia e a
UC para a requalificação dos caminhos e iluminação pública do Jardim Botânico.
Por fases, iremos encerrar o horto durante vários meses. Aproveitando os
incentivos do QREN, Quadro de Referência Estratégica Nacional, penso que para
finais do próximo ano, e depois de todos os melhoramentos, estará tudo
concluído. Se tudo correr bem, ainda neste próximo mês de Dezembro iniciaremos
as obras. Vamos modernizar sem alterar a essência, a matriz do jardim. Iremos
criar um corredor de circulação que valorize o Jardim Botânico mas sem esquecer
o Parque Verde e o Museu da Água, na Baixa, bem como toda a área envolvente, e
a Alta com toda a sua monumentalidade. Dentro em breve teremos um segundo Anel
Verde na cidade.
Este protocolo, para além de envolver a CMC e a UC, é uma parceria
entre várias entidades como, por exemplo, as Águas de Coimbra. Posso garantir
que este projeto vai agradar. Temos tido um espetacular relacionamento com a
edilidade, sobretudo com este novo executivo. Não quero dizer que com o
anterior, liderado por Barbosa de Melo, não tivesse havido entendimento. Houve
sempre. Porém, faltou a vontade de o passar à prática. Com a administração de
Manuel Machado, sem delongas, sem prorrogações, entrámos diretamente no protocolo.
É um caso de modelo exemplar e de eficácia entre os vários parceiros. Sinto-me
muito satisfeito por saber que, também, estou a contribuir para uma melhoria
importante para Coimbra. Você conhece-me há muitos anos e sabe o quanto sinto o
pulsar da Baixa. Estou muito empolgado, acredite!”
OLHAR PARA SUL...
ESTOU VELHO, EU SEI!
Tenho dias que creio não pertencer a esta
época hodierna. Sinto que sou do passado, filho de um tempo que já não é o
nosso. Tenho saudades desse período. Era uma época em que tudo rolava devagar.
O vento soprava, a neve caía, o Sol brilhava e nós dávamos conta dos seus
efeitos. Sabíamos que quando os raios solares batessem na esquina da sapataria
do senhor “Manel” seria meio-dia. O
astro-rei era o nosso relógio natural. As pessoas transitavam calmamente nas
ruas com um sorriso colado no rosto. Íamos à mercearia da esquina e o senhor
Salomão, o dono, de bata acinzentada, atendia-nos um quilo de açúcar a granel
retirado da tulha e, às vezes, enganava-se no peso. As coisas não eram
previsíveis. Para alcançar fosse o que fosse era preciso percorrer a pé uma
longa estrada forrada a paralelepípedos, pedras acinzentadas em cubos. Em todos
os largos floridos da cidade havia crianças a jogarem à bola.
Hoje é tudo muito rápido. Os dias, como
mensageiro apressado em levar a boa-nova, passam por mim sem os ver. Não porque
não tenha folga. Tenho muita; demasiada. Então porque passa o tempo a correr,
como se quisesse fugir de mim? Sei lá! Provavelmente os meus olhos já não são
os mesmos. Endureceram e deixaram de se fixar nas coisas simples, como, por
exemplo, um louva-deus a pousar na soleira da porta. Se calhar noutro tempo,
talvez por ser mais novo, ainda que sofregamente, queria somente viver. Agora,
mais velho, no epílogo da vida, tento apenas sobreviver –não que o faça de
qualquer forma e feitio. Isto é, que passe por cima de tudo para o conseguir.
Por agora ainda não. Amanhã sei lá?! Ninguém sabe o que acontecerá daqui a um
dia. Por enquanto consigo pensar. E ao refletir liberto-me. É como se me
dividisse em dois e, pelas metades, ficasse mais aliviado. Atenuado sim, mas
não com as preocupações resolvidas. Tento ir ao fundo das coisas e perguntar
porque são assim e não são de outro modo? Andamos todos ao engano. Como
náufragos perdidos na imensidão, agarramo-nos a tudo, sobretudo à paganística secular,
para chegar a terra-firme, como quem diz, a amanhã. Fugimos a toda a pressa da
jornada de hoje. À noite, quando nos deitamos na cama, cansados de tanta falta
de perspectiva e sem vislumbrar a luz ao fundo do túnel, em vez de rezar como
antigamente e agradecer a Deus a graça de mais um dia passado, respiramos fundo
e pensamos: “ufa! Este já está! Vamos lá
ver o próximo!”. A sensação é sempre de perda. É como se sentíssemos que os
sonhos construídos ao longo da nossa vida são agora farrapos a esvoaçar ao
vento. Sentimos que estamos todos a entrar pelo cano que leva ao lago da
imundície. Entre todas, a maior tragédia que alguém pode suportar é o perder
tudo o que foi conseguido com suspiros de amor e lágrimas de sangue. É sentir
que se foi um mero passageiro sem história, uma nuvem sem corpo, um inútil que
não serviu para nada. Tudo o que se fez, como pingos de chuva no areal, se
esvaiu no vazio. Uma coisa é nunca ter alcançado um estado de conhecimento,
mantendo-se na ignorância, outra é enxergar, vivê-lo e, como se apagasse tudo
com uma esponja, ser obrigado a regressar ao ponto de origem como num eterno
retorno probabilístico.
As notícias, ainda que pareçam de esperança,
são cada vez mais tristes e desanimadoras. Em metáfora, estamos à beira de um
abismo, à espera de acontecer qualquer coisa que, embora previsível, não se
sabe bem o que é. Há cerca de uma semana foram presos altos quadros do Estado.
Nesta última sexta-feira, também por suspeitas de corrupção foi detido para
interrogatório um ex-Primeiro Ministro. Dando pulos, deveríamos exultar de
alegria e gritar que, afinal, a justiça é para todos. Ai é? Como é imensa a
nossa ingenuidade! Como poderemos acreditar que somos todos iguais quando
intrinsecamente somos diferentes? Para alguns, quando os meios de defesa, na
contratação de grandes advogados, são tão díspares como é a desigualdade entre
a pulga e o elefante. Sabe-se, tudo reside numa questão de prova. Está bem!
Está certo! Mas e o mal que nos fizeram, sobretudo, na última década? É difícil
de vislumbrar o probatório? Onde estão os responsáveis pelo nosso
empobrecimento? Em nós, claro! “Gastámos
de mais!” –fazem-nos crer, desvalorizando a nossa inteligência.
O problema é que não sabemos para que lado
cair na avaliação racional. Tomamos o todo, como global que está doente,
cancerígeno? Ou, na dúvida que nos faz conter a irracionalidade e nos dá fé no
futuro, apreendemos que é simplesmente uma parte que tem metástases e ainda se
salva uma outra fatia maior do todo? E se nos andamos a enganar uns aos outros
e isto, este Portugal onde nascemos e crescemos, não tiver salvação?
Sabemos que este Governo é fraco na convicção
que transmite ao povo, não tem autoridade legitimada –não porque não ganhasse
as eleições, mas porque os atentados contra os cidadãos são tantos que lhe
retiram a autoridade moral para continuar a governar. Toda a cúpula do Estado
está entregue a pessoas ora sem passado político, ora com passado demasiado
ligado às patranhas e negociatas. Mas e o governo que vier a seguir? Será melhor?
Claro que não. Para além da corrupção, há muita manipulação política por detrás
e ficamos sem saber onde começa a verdade e acaba a mentira. Em teses de
conspiração, há um movimento deliberado e direcionado para derrubar este
executivo, mais de acordo para se substituir com as convicções partidárias de
cada um –“porque não serve o povo”,
diz-se e a maioria de nós concorda. Porém, poucos acreditam de que o interesse
do País esteja em primeiro lugar. O Governo está transformado num Robim dos
Bosques ao contrário: assalta os mais desfavorecidos, essencialmente os que
estão no meio da tabela, para entregar de mão-beijada aos grandes grupos
económicos. E o que vier a seguir? A mesma coisa, idem aspas, aspas. Este é o
verdadeiro drama. É como se, de espada empunhada, se lutasse contra o vento. E
o mais grave é que este sentimento de ditadura para a classe média perpassou
para as autarquias. O comportamento é igual como papel mata-borrão. Buscam
apenas o poder para, depois de o conseguir, manobrarem a máquina administrativa
no oceano dos seus interesses, colocando os amigos nos pontos-chave,
distribuindo empregos aos correligionários e sobrecarregando os munícipes com
mais taxas –tantas vezes disfarçadas de impostos.
A ignorância é uma pandemia e maioria
dos cidadãos já nem lê jornais. E muito menos está interessada na verdade
factual que lhe permita pensar e retirar uma ilação própria, sua, livre e sem
ser conspurcada em motivações políticas alheias. Em metáfora, é como se
passássemos a emprenhar pelos olhos. Vivemos no meio de um universo de
informação que, em vez de informar, desinforma e, sem grande subtileza, pode
servir vários interesses, todos, menos o esclarecer o cidadão. A sensação que
se tem é que andamos todos cada vez mais perdidos e sem saber para onde
caminhamos. Que saudades que eu tenho de outros tempos! Estou velho, eu sei!
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