Os diários da cidade de 4 do corrente, Diário
de Coimbra e Diário as Beiras (DB), traziam à colação um título praticamente
igual: “Faculdade de Direito impede
debate político”. Para melhor se entender, vou transcrever a notícia
citando o DB: “O Núcleo de Estudantes de
Direito criticou a direção da Faculdade de Direito (FDUC) por impedir a
realização de um debate político promovido por alunos. A sessão previa um
debate entre Pedro Mexia e Rui Tavares em torno do tema “A esquerda, a direita,
o agora: haverá espaço para as ideologias no mundo atual?”. Santos Justo,
diretor da FDUC, afirmou que a instituição “não é um palco para debates
ideológicos. Isso nunca foi permitido”, disse.”
Por aparentemente ser um assunto sem grande
importância, creio, foi colocado nas páginas interiores dos dois jornais e
passava despercebido. Estou convencido que, passando a falta de modéstia, para
o leitor comum não mereceu um segundo olhar. Daí também não ter tido um outro
tratamento por parte dos jornalistas –embora, dentro da subjectividade e da
escolha múltipla nos assuntos de primeira página, possa ter ocorrido por
casualidade.
Por que escrevo com conhecimento de causa,
Santos Justo foi meu professor de Direito Romano e História do Direito Português na Faculdade de Direito e se
enquanto docente e num procedimento interactivo me avaliou eu, no lugar de
aluno, naturalmente e na reciprocidade, também tive oportunidade de o analisar
e não gostei. Ressalvo que não me movem sentimentos de ressabiamento. Embora
perdoasse, não esqueci. O que lá vai lá vai, mas marcou-me pela negativa! Aconteceu
há uns anos. Perante uma oral, em que Justo era o regente da cadeira e eu era
proposto a exame nesse dia, não me deixaram assistir nem antes nem depois de
prestar a minha prova –aliás, este costume era useiro e vezeiro na FDUC. Depois
de chamado a atenção para o facto de não estar a cumprir o Regulamento da
Faculdade de Direito, colocando-me a mão no ombro, replicou: “ó meu jovem, nem tudo o que vem nos códigos
é para se cumprir!” -sem mais explicações, virou-me as costas e, embrulhado
na sua julgada importância divina, desapareceu nos corredores da presumida significância
estatutária.
Por conseguinte, esta decisão do presidente da
FDUC em proibir um debate político com argumentos bacocos nem me surpreende de
todo. Pela minha experiência nessa altura, passando algumas excepções, os seus
professores não desenvolviam a aptidão pelo direito aos seus discípulos, nem relevavam
a capacidade pensante, mas, pelo contrário, eram derrotistas e, incompreensivelmente,
valorizavam os “marrões”, os amorfos
fechados sobre si mesmos, de certo modo, vencidos pelo “status quo” que imbricava num “continuum”.
Este debate em torno das
ideologias não faz sentido para Santos Justo, líder da FDUC, por quê? Porque,
de um modo geral, pelo menos enquanto lá andei, esta Faculdade não servia
para formar cidadãos mas sim pessoas amestradas
onde a liberdade de pensamento tinha de andar à rédea curta. Por parte dos
discípulos, o medo de afrontar os mestres era uma constante por poder
prejudicar a nota da frequência. A Faculdade de Direito, dentro de todas as
escolas do saber da Universidade de Coimbra, é aquela que deveria merecer mais
atenção no aperfeiçoamento intelectual dos jovens. Ainda que não seja entendido
assim pela colectividade, um advogado, em princípio, deve ser um defensor do oprimido
-réu,
em processo civil, ou arguido, em processo penal ou
criminal-, da causa justa, da justiça social. Na generalidade, é para esta
faculdade que vão todos os estudantes, novos ou velhos, que, usando o
conhecimento das leis, pretendem intervir na sociedade.
O ESCÂNDALO DA ORDEM
Enquanto trabalhador-estudante, andei lá até
2006 e presenciei coisas do arco-da-velha. Não me vou debruçar muito sobre
comportamentos de alguns professores que, julgando-se divindades, me indignaram
profundamente. Num anacronismo, entre o passado e o presente, o que sempre
interessou ali foi a nota de exame final e nada mais. O seu mister é dar um vazio
canudo de esperança aos jovens, que pouco serve se, posteriormente, não for
atestado pela Ordem dos Advogados. Numa vergonha inadmissível, num escândalo mais
próprio de um país da América Latina, os licenciados saídos destas escolas de
direito, pagando no acto de inscrição, salvo erro, 850 euros, têm de repetir as
cadeiras que concluíram anteriormente e em mais um estágio de três anos. Mais,
se chumbarem o exame da ordem profissional ou voltam a pagar a mesma
importância e repetem ou perdem o acesso ao sonho de exercer advocacia. Como
outras faculdades do ramo, para que serve então esta escola do direito de
Coimbra? Por parte do Governo, não era urgente pôr ordem nesta ambiguidade e clarificar?
UM BURGO PREGADO NA TORRE
A Lusa Atenas teve sempre e continua a ter
gente nos lugares de topo sem capacidade, sem abrangência, sem cultura
democrática para estarem onde estão. Servem-se da importância estatutária para serem
bajulados e alimentarem os seus superegos. Nas suas funções, para além deles
próprios, não estão lá para servir seja quem for ou alterar o que quer que seja.
Ou são velhos pela idade, que impondo a sua vontade e à custa do pedestal
tentam fazer história, ou são novos com pensamentos velhos que, sem utilizarem
o cérebro e para não afrontarem os mestres, se limitam a copiar os
comportamentos dos antecedentes. Por isso, sem ofensa para ninguém em
particular, com os seus apelidos em cadeia no corpo docente, a FDUC cheira a
mofo, a bafio, e já há muito que precisava de ser arejada. Numa palavra só: é
uma quinta, como outras quintas isoladas na cidade. Possuem um autónomo regulamento
de ilhas que ninguém cumpre nem alguém fiscaliza. E, sendo assim, estas entidades,
a nadar na ignorância geral, estão como peixe na água. Por todos ganharem alguma
coisa no imediato, há um encobrimento tácito e ninguém lhes pede contas pelo prejuízo
que causam, sobretudo, às gerações mais novas. Como há séculos, numa espécie de
maldição de encosto, existe por cá uma endémica subserviência do trabalhador
comum iletrado para o licenciado e do poder político autárquico para os
candidatos a formados pela Universidade de Coimbra.
O resultado disto tudo, para a cidade, para
alunos novos e mais velhos que, como eu, não tiveram possibilidades de estudar
em tempo útil, tem sido e continua a ser catastrófico. Mas, como se não
tivéssemos nada a ver com o assunto, continuamos a assobiar para o ar.
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