sexta-feira, 7 de novembro de 2014

EDITORIAL: AS QUINTAS DE COIMBRA




Os diários da cidade de 4 do corrente, Diário de Coimbra e Diário as Beiras (DB), traziam à colação um título praticamente igual: “Faculdade de Direito impede debate político”. Para melhor se entender, vou transcrever a notícia citando o DB: “O Núcleo de Estudantes de Direito criticou a direção da Faculdade de Direito (FDUC) por impedir a realização de um debate político promovido por alunos. A sessão previa um debate entre Pedro Mexia e Rui Tavares em torno do tema “A esquerda, a direita, o agora: haverá espaço para as ideologias no mundo atual?”. Santos Justo, diretor da FDUC, afirmou que a instituição “não é um palco para debates ideológicos. Isso nunca foi permitido”, disse.”
Por aparentemente ser um assunto sem grande importância, creio, foi colocado nas páginas interiores dos dois jornais e passava despercebido. Estou convencido que, passando a falta de modéstia, para o leitor comum não mereceu um segundo olhar. Daí também não ter tido um outro tratamento por parte dos jornalistas –embora, dentro da subjectividade e da escolha múltipla nos assuntos de primeira página, possa ter ocorrido por casualidade.
Por que escrevo com conhecimento de causa, Santos Justo foi meu professor de Direito Romano e História do Direito Português na Faculdade de Direito e se enquanto docente e num procedimento interactivo me avaliou eu, no lugar de aluno, naturalmente e na reciprocidade, também tive oportunidade de o analisar e não gostei. Ressalvo que não me movem sentimentos de ressabiamento. Embora perdoasse, não esqueci. O que lá vai lá vai, mas marcou-me pela negativa! Aconteceu há uns anos. Perante uma oral, em que Justo era o regente da cadeira e eu era proposto a exame nesse dia, não me deixaram assistir nem antes nem depois de prestar a minha prova –aliás, este costume era useiro e vezeiro na FDUC. Depois de chamado a atenção para o facto de não estar a cumprir o Regulamento da Faculdade de Direito, colocando-me a mão no ombro, replicou: “ó meu jovem, nem tudo o que vem nos códigos é para se cumprir!” -sem mais explicações, virou-me as costas e, embrulhado na sua julgada importância divina, desapareceu nos corredores da presumida significância estatutária.
Por conseguinte, esta decisão do presidente da FDUC em proibir um debate político com argumentos bacocos nem me surpreende de todo. Pela minha experiência nessa altura, passando algumas excepções, os seus professores não desenvolviam a aptidão pelo direito aos seus discípulos, nem relevavam a capacidade pensante, mas, pelo contrário, eram derrotistas e, incompreensivelmente, valorizavam os “marrões”, os amorfos fechados sobre si mesmos, de certo modo, vencidos pelo “status quo” que imbricava num “continuum”.
Este debate em torno das ideologias não faz sentido para Santos Justo, líder da FDUC, por quê? Porque, de um modo geral, pelo menos enquanto lá andei, esta Faculdade não servia para formar cidadãos mas sim pessoas amestradas onde a liberdade de pensamento tinha de andar à rédea curta. Por parte dos discípulos, o medo de afrontar os mestres era uma constante por poder prejudicar a nota da frequência. A Faculdade de Direito, dentro de todas as escolas do saber da Universidade de Coimbra, é aquela que deveria merecer mais atenção no aperfeiçoamento intelectual dos jovens. Ainda que não seja entendido assim pela colectividade, um advogado, em princípio, deve ser um defensor do oprimido -réu, em processo civil, ou arguido, em processo penal ou criminal-, da causa justa, da justiça social. Na generalidade, é para esta faculdade que vão todos os estudantes, novos ou velhos, que, usando o conhecimento das leis, pretendem intervir na sociedade.

O ESCÂNDALO DA ORDEM

Enquanto trabalhador-estudante, andei lá até 2006 e presenciei coisas do arco-da-velha. Não me vou debruçar muito sobre comportamentos de alguns professores que, julgando-se divindades, me indignaram profundamente. Num anacronismo, entre o passado e o presente, o que sempre interessou ali foi a nota de exame final e nada mais. O seu mister é dar um vazio canudo de esperança aos jovens, que pouco serve se, posteriormente, não for atestado pela Ordem dos Advogados. Numa vergonha inadmissível, num escândalo mais próprio de um país da América Latina, os licenciados saídos destas escolas de direito, pagando no acto de inscrição, salvo erro, 850 euros, têm de repetir as cadeiras que concluíram anteriormente e em mais um estágio de três anos. Mais, se chumbarem o exame da ordem profissional ou voltam a pagar a mesma importância e repetem ou perdem o acesso ao sonho de exercer advocacia. Como outras faculdades do ramo, para que serve então esta escola do direito de Coimbra? Por parte do Governo, não era urgente pôr ordem nesta ambiguidade e clarificar?

UM BURGO PREGADO NA TORRE

A Lusa Atenas teve sempre e continua a ter gente nos lugares de topo sem capacidade, sem abrangência, sem cultura democrática para estarem onde estão. Servem-se da importância estatutária para serem bajulados e alimentarem os seus superegos. Nas suas funções, para além deles próprios, não estão lá para servir seja quem for ou alterar o que quer que seja. Ou são velhos pela idade, que impondo a sua vontade e à custa do pedestal tentam fazer história, ou são novos com pensamentos velhos que, sem utilizarem o cérebro e para não afrontarem os mestres, se limitam a copiar os comportamentos dos antecedentes. Por isso, sem ofensa para ninguém em particular, com os seus apelidos em cadeia no corpo docente, a FDUC cheira a mofo, a bafio, e já há muito que precisava de ser arejada. Numa palavra só: é uma quinta, como outras quintas isoladas na cidade. Possuem um autónomo regulamento de ilhas que ninguém cumpre nem alguém fiscaliza. E, sendo assim, estas entidades, a nadar na ignorância geral, estão como peixe na água. Por todos ganharem alguma coisa no imediato, há um encobrimento tácito e ninguém lhes pede contas pelo prejuízo que causam, sobretudo, às gerações mais novas. Como há séculos, numa espécie de maldição de encosto, existe por cá uma endémica subserviência do trabalhador comum iletrado para o licenciado e do poder político autárquico para os candidatos a formados pela Universidade de Coimbra.
O resultado disto tudo, para a cidade, para alunos novos e mais velhos que, como eu, não tiveram possibilidades de estudar em tempo útil, tem sido e continua a ser catastrófico. Mas, como se não tivéssemos nada a ver com o assunto, continuamos a assobiar para o ar.


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