Há mais de um mês que ando de volta do Carlos
Pereira para me levar à fala com Deus. Ou, na impossibilidade -por acreditar que Ele, Rei e Senhor de todo o Universo, não ligue a anónimos como eu-, me indique outro qualquer santo próximo da Sua relação. O
Pereira, um tipo bacano e prestável, trabalha numa loja de venda de santos, de mezinhas, de odores bem cheirosos e modo de
chegar curto e com eficácia a milagres, na Rua Eduardo Coelho. Hoje, logo de
manhã, veio ter comigo e, assim meio eufórico, mandando-me tirar uma foto ao
santo, atirou um grito: “consegui, Luís!
Consegui! Tens aqui o número de contacto e fala com São Martinho. Como hoje é o
seu dia, dá-te uma entrevista”.
Eu liguei. Do outro lado, nem sei muito bem de
onde, respondeu-me uma voz cavernosa e pouco simpática.
-Bom dia, São Martinho. Peço desculpa estar a incomodar mas, como hoje
é o seu dia, gostava de trocar umas palavritas. Não se importa?
-Quem fala? Quem lhe deu o meu número? Não me diga que foi o Pereira!
Esse gajo já anda a abusar da minha confiança, porra! Bem, já que estamos em
contacto diga, mas depressa que tenho mais que fazer. Ao menos trabalha para um
grande jornal nacional? É jornalista? É licenciado pela Universidade de
Coimbra, suponho…
(Como o calado vence sempre, optei por não responder a nada. Afinal,
supostamente, quem deverá fazer as perguntas sou eu)
-Diga-me, Martinho –posso trata-lo assim?-, isto, este ano, nem parece o
seu dia. Vinho não se vê em prova, as castanhas por aqui, em Coimbra, mal se vislumbram. Há
quem diga que a produção é de fraquíssima qualidade. Parece que anda
tudo murcho. O que é que se passa?
-Ai isso é assim? Então eu sei lá? Não estou completamente por dentro do
que se passa por cá, pelo menos com ninharias. Já há uns tempos que estou mais
virado para fora, para o estrangeiro. Isto aqui já deu. Virei-me para a
exportação. Em Portugal já ninguém quer saber de milagres. Perdeu-se a fé…
-Mas não acha estranho? No fundo é o seu nome que se apaga na cultura
portuguesa.
-Vamos por partes, se você fosse neste último Domingo a Marvão veria
que não é assim. Mas claro que aquilo, por lá, é outra gente. É a proximidade
de Espanha… Está a ver?
Por outro lado, respondendo objectivamente à sua pergunta, de vocês,
portugueses, espero tudo. Vocês são do pior! Mal-agradecidos, gente sem
formação. Umas bestas!
(Fogo! Apetecia-me mandar o santo para o raio que o parta, mas fico
calado)
-Mas por que é que está a exportar milagres para o estrangeiro? Não me
diga que teve medo de levar com mais uma taxa de um euro por cada feito
milagreiro. Estou a fazer analogia com a taxa turística que António Costa
pretende implementar em Lisboa –não sei se está a par…
-Claro que estou. Quem é que não está a seguir esse idiota do Costa? É
mesmo tolo! Já não bastava o Marinho e Pinto a dar tiros nos pés e agora mais
um! Homem, isso é inconstitucional! Ele chama-lhe taxa mas trata-se de um imposto.
Ora, primeiro as taxas, que podem ser criadas pelas autarquias mediante
autorização legislativa, têm de ter um efeito de contraprestação para o
cidadão. Isto é, podem ser cobradas mas tem de ter um efeito de retorno directo
para os particulares que as pagam. Ora o que o Costa está a criar é um imposto
que, para além de ser geral –esquecendo o benefício individualr de quem paga-,
é do âmbito do Governo e da Assembleia da República. Mas você não andou em
direito? Não me diga que não sabia isto? Estou a desconfiar que você como
jornalista e Costa como futuro primeiro-ministro são um logro…
(Mais uma vez calei-me. Vale
mais!)
-Diga-me, Martinho, tenho andado
a matutar com esta coisa da Legionella. Não sei se estou a ser claro, mas para
África gerou o Ébola, masculino, para Portugal manda a Legionella, que é
feminina. Não anda por aqui a mãozinha de Deus? Assim numa espécie de ira? Como
se o Mestre estivesse irritado com os homens portugueses?
-Ó pá, tu podes não valer um caracol como jornalista mas és esperto!
Estou impressionado contigo! Só por isso te vou responder. Por acaso até estive
presente na reunião do conselho de ministros do Céu para debater esta questão. É
verdade! Deus está profundamente desiludido com o género masculino, os teus
conterrâneos. Vocês são uma cambada de trogloditas! São animalescos! Temos
acompanhado de perto o número de mulheres mortas às vossas mãos. Vocês, machos,
amam, fodem e a seguir matam. Por isto mesmo, Deus enviou este vírus feminino.
Vamos lá ver se vocês o matam! Estou certo que, às tantas, pensando ser mulher,
vão conseguir.
-Muito obrigado, Martinho, pelas
suas declarações acertadas. Em nome dos meus leitores os nossos eternos
agradecimentos.
-Deixa-te disso! Não sejas piegas! Diz-me lá, quando é que sai esta
entrevista… É no Expresso, não é?
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