sexta-feira, 14 de novembro de 2014

LEIA O DESPERTAR....




LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "A BAIXA E OS CAFÉS DA MINHA ALDEIA", deixo também a crónica "TELMO MELO: A LINHA MÁGICA DA VIDA".





A BAIXA E OS CAFÉS DA MINHA ALDEIA


É terça-feira, o relógio marca 22h00 na velha Cabra, na torre da Universidade. Apesar do dia, enquanto a luz perdurou, ter sido fastidioso e fustigado pela chuva, a noite apresenta-se fria mas escorreita e, em nome do santo de todas as caminhadas, gera vontade de se entrar nela, usufrui-la e sentir o pulsar da vida.
Acabei de jantar e apeteceu-me um café. Saí de casa e atirei os pés à calçada. Fui atraído pelo som ritmado de música no “Be Poetry”, na Rua do Corvo. Dirigi-me na sua direção. À frente do estabelecimento estão várias mesas e, apesar da atmosfera gélida, um homem, sentado, enrola um cigarro. Através da montra, vejo lá dentro dois músicos. Anteriormente vi-os a tocar na rua larga. Com uma voz clara e acompanhados dos trinados das violas dão alegria e, num ambiente agradável, fazem bater palmas a cerca de uma dezena de clientes.
Prossigo visando a Praça 8 de Maio. Como é hábito, é minha intenção ir beber o café à catedral da Baixa. Dou com as bentas na porta. Ora bolas!, pensei. Eu já sabia mas esqueci que o “Café Santa Cruz” estava encerrado para limpezas até ao próximo dia 13. Inverti a marcha. Não há problema, dei por mim a pensar, há mais cafés por aí abertos. Apesar de só uma ou outra pessoa se cruzar comigo e o Centro Histórico parecer uma aldeia grande, ainda é cedo. Coloquei as minhas botas na Rua Visconde da Luz. O café “Nicola” está encerrado. Mais à frente, o Mário, o funcionário de “A Brasileira” está à porta a despedir-se do último cliente. Já tem a máquina do café desligada. Despedimo-nos com cordialidade e avanço para o Largo da Portagem. A “Briosa”, o “Montanha” e o “Toledo” já estão encerrados. Desço as Escadas do Gato, não me apercebi de estabelecimentos de hotelaria abertos, e sigo para a Praça do Comércio. Na “Taberninha” um funcionário está a recolher as cadeiras da esplanada. Ao lado, o Vítor, o empregado do “Café Praça Velha” carrega sobre o regaço os chapéus que dão colorido às cadeiras do terraço. Pergunto se ainda dá para beber um café. Diz que sim. Entro e o senhor Fernando, mesmo com os manípulos da máquina já lavados, serve-me uma bica. Ao lado, o “Praça Café” tem as luzes apagadas.
Entro na Rua das Azeiteiras. O restaurante “Zé Neto” ainda tem clientes na sala e mantém a porta entreaberta. O vizinho, a “Adega do Funchal” tem uma mesa com fregueses mas já tem a porta cerrada. Continuo. A “Viela” está aberta e tem dois clientes. Mais à frente uma pequena casa típica está aberta. A dois passos à frente o restaurante “O Giro” está a encerrar. Ao cabo da rua, o “Solar do Bacalhau”, a “Cozinha”, no espaço do desaparecido “Kanimambo”, e o “Calado e Calado” estão ainda com clientes no interior. Atravesso o Largo das Ameias, está tudo encerrado e não se veem transeuntes. Uma prostituta, que me conhece, olhou para mim, mas não me deu importância, mais que certo por não ser o peixe para a pescaria que ela pretendia. Vou para a Rua Adelino Veiga. Sem me cruzar com alguém, chego ao Restaurante “Paço do Conde” e, através dos vidros, verifico que ainda estão clientes no seu interior mas a ambiência é de despedida. Como barco a sulcar as águas do oceano, em passo rápido prossigo e atravesso as vielas, os becos e ruas estreitas. Estou na Rua da Gala e está tudo encerrado. Estou agora no Largo das Olarias e, apesar do tempo gelado e curiosamente, não se avistam sem-abrigo a dormir no chão e no resguardo dos edifícios revestidos a mármore frio. Na Rua da Louça, o pequeno “Café do Fernando” está com luz e dois clientes fazem-lhe companhia. Entro na Rua da Moeda, o café “Sanzala” –mais conhecido pelo “café da Cacilda”- está aberto e ouvem-se vozes femininas misturadas com masculinas. Estou próximo da Praça 8 de Maio. Já agora, por interesse em saber o que está ainda a funcionar, atravesso outra vez a velha praça de Sansão. Reparo que o restaurante “Carmina de Matos” tem dois clientes sentados no interior. Passei o átrio da Câmara Municipal vazio de pessoas e estou agora na Rua da Sofia. Só as luzes dos carros que se cruzam dão cor e movimento à centenária rua das escolas e recentemente classificada com Património Mundial. Avisto várias pessoas ao longe com camisolas de cores berrantes. Junto às pastelarias Palmeira e Sírius, em frente, ambas encerradas, sou interpelado pelo grupo.

O MEDO COMO FADO

São quatro casais espanhóis, de Burgos. Olhando-me com algum temor, interrogam-me onde fica o “Café Santa Cruz”. Querem ouvir fado de Coimbra. Informo-os de que está fechado para limpezas. Ofereço-me para os levar à “A Capela”, um outro local onde a canção de Coimbra, bem cantada e postal ilustrado da cidade, pela elevada qualidade, se confunde com a velha igreja onde está implantado. Certamente por não haver ninguém em redor, o grupo olha-me com alguma desconfiança. Tive de demonstrar a minha seriedade por palavras. Marchamos em direção à “A Capela”, na Rua Corpo de Deus. Enquanto caminhamos vamos falando. Admiram-se de esta parte da cidade não ter vida e perguntam-me se é seguro andar por aqui. Dizem-me também que são parte de um universo de centena e meia de confrades que estão alojados no “Hotel Vila Galé”. E chegamos ao Largo da Vitória, à entrada da velha capela de Nossa Senhora da Vitória. Faço o meu papel de embaixador citadino e preparo-me para os deixar ao porteiro, recomendando que os trate bem porque fazem parte de mais cento e cinquenta que estão hospedados no “Vila Galé”. Começo a despedir-me de “nuestros hermanos” e dando por concluída a missão de boa vontade que, a meu ver, cabe a todos quantos moram por cá. É então que, para minha surpresa, as mulheres não querem entrar na casa de fado. Fiquei sem saber se o fizeram por não querer pagar 10 euros por pessoa, com consumo incluído –que é uma ninharia tendo em conta a elevada qualidade apresentada pelo estabelecimento-, se tiveram temor de alguma outra coisa. Dou por certo que foi o medo anteriormente sentido pelo silêncio das ruas que acabou por as tomar de assalto.
Voltei com eles e tentei indagar da recusa. Um dos espanhóis, mais falador, arguiu: “mulheres! Tu não sabes como elas são? Temos de voltar aqui, mas sem elas. Sozinhos!”.
No retorno, ofereci-me para os levar a uma outra casa, “A Diligência”, na Rua Nova, mas recusaram. Voltavam para o hotel, disseram. Ainda os tentei encaminhar para o “Be Poetry”, na Rua do Corvo, mas declinaram.
Em resumo final, estou em crer, que o vazio e a falta de animação das ruas da Baixa da cidade, pela pouca fé dos hoteleiros no geral, está a minar o futuro e a prejudicar todos. Talvez valesse a pena pensar nisto.


TELMO MELO: A LINHA MÁGICA DA VIDA


É esguio e pela altura mediana não chama a nossa atenção num primeiro olhar. Mas há qualquer coisa de místico na imagem de Telmo Melo. Começa logo pela indumentária completamente negra. Mas não é apenas a roupa preta que instiga um segundo olhar. Este homem, de apenas 25 anos, carrega consigo uma carga inexplicável de mistério. Olhando os seus olhos negros, pressentimos que ali, pelo brilho embaciado, está o espelho de uma alma sofredora, o espírito de um artista em potência cuja criação está inevitavelmente ligada à tristeza, à solidão e à nostalgia. Seja no que for, pela sua entrega total e pelo perfeccionismo que o persegue, a área em que mergulhar, ainda que com dificuldade acrescida como se o destino o colocasse à prova, estará fadado ao sucesso. Tendo o lado obscuro da Lua como génio inspiratório, o mar, dividido na bipolaridade entre a acalmia e a turbulência, será sempre a sua projeção divina. Aqui, nas águas cálidas da arte, tomará banho de purificação e, pela catarse, sairá mais forte e mais aperfeiçoado. Quando, tantas vezes, nos cruzamos com ele nas ruas da Baixa da cidade, para nós mais velhos, lembra-nos alguém da TV ou do cinema. Talvez um personagem da “Guerra das Estrelas”, como Peter Cushing, da saga de George Lucas.
Pelo bem que queremos ao nosso menino, o Melo é a nossa maior esperança no mundo da prestidigitação, a arte da ilusão. A magia está para este rapaz como o Sol estará para a Terra.
O Telmo nasceu na Conchada, num meio pobre e arrabalde da cidade. Quis o propósito que um dia, com 11 anos, fosse ver um espetáculo de Luís de Matos, de magia, ao Teatro de Gil Vicente. Foi tiro e queda na paixão que viria a ser a sua profissão. Houve ali um clique, uma mensagem fluídica. Logo depois da acuação do nosso maior ilusionista da atualidade, levou consigo um guardanapo e, entre voltas e reviravoltas, foi até casa a tentar perceber como é que o seu novo ídolo fazia. A seguir, sempre que podia, e colocando outras prioridades de lado, adquiria livros de magia. Com o apoio incondicional de sua mãe esta ofereceu-lhe uma caixa que se chamava “magia Borras”. Estava criado o vírus que tomaria conta do seu futuro e o faria prescindir de estudar. Veio a Internet e ajudou na pesquisa. O seu mestre idolatrado foi sempre Luís de Matos. Embora saiba que o mágico nacional mais premiado internacionalmente reconhece o seu trabalho e até já lhe tivesse oferecido uma caixa mágica com 150 truques, Telmo nunca lhe pediu ajuda. Sendo autodidata, entende que cada um de nós deve construir a sua escada em direção à fama e, como um grande amor, tem de a conquistar pelos seus próprios meios. A magia é um engenho sem tradição em Portugal e não é apoiada. Talvez por isso mesmo tudo se torne mais difícil. Mas o nosso Telmo é um otimista e não desiste por nada. Quando está a pisar o palco transcende-se e, como se encarnasse num mago da Idade Média, sente-se um ser metafísico.
Apesar de sentir o calor da cidade, gostava de ver a autarquia mais envolvida nas artes performativas. Relembra Mário Nunes, outrora vereador da edilidade coimbrã e já desaparecido do mundo dos vivos. Era bom que a nova vereadora da Cultura, Carina Gomes, lhe seguisse as pisadas.
O maior desgosto que Telmo Melo sofreu foi a partida da sua musa inspiradora terrena, a sua mãe, em 2007, quando se transformou no seu anjo da guarda. Desde essa data, e ao longo destes sete anos, que o seu espírito, nos momentos bons e nos piores, passou a ser a sua luz de vida.
O seu maior sonho era poder apresentar um programa de televisão e chegar ao grande público. Mas, digo eu, vai acontecer Telmo! Escreve aí, meu amigo!

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