A mensagem, como folha seca tocada pelo vento,
atravessou esta semana as ruas, becos e ruelas da Baixa: “a Românica vai fechar!”
É certo que o Diário de Coimbra
desta última terça-feira, na página 30, titulava: “Românica com campanha “tudo a
metade do preço – Mudança de actividade é o motivo da campanha que começa hoje
e se prolonga até fim de stock”, mas, apesar disso, a notícia não evitou a
especulação.
A Românica, com sede na Rua
Adelino Veiga, é um ”conglomerado” de
várias lojas juntas e com vários artigos, desde brinquedos, roupa para criança,
malas e carteiras para senhora, e prendas para homem. Depois de outras grandes
marcas terem desaparecido desta outrora importante artéria da cidade e terem
deixado esta área quase sem vida, a Românica é um dos últimos pedaços de alma
que resta numa Baixa em constante perecimento. Se vier a encerrar esta zona
comercial leva um enorme rombo na sua já débil força anímica.
Como é
normal, comecei por indagar alguém muito próximo e que me confidenciou que “a única informação que sei é que vai mudar
de actividade. Está tudo a ser tratado muito no segredo dos deuses. Para além
dos patrões, trabalham ali seis funcionários.”
Hoje de manhã fui directo à fonte tentar saber
alguma coisa para escrever o mais correcto possível e não embarcar no boato.
Como conheço pessoalmente o homem forte da Românica, Paulo Ramos –conheci-o no
início do milénio na ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra-, entrei
no estabelecimento disposto a fazer as perguntas necessárias para elaborar o
texto. Lá dentro havia um movimento desmesurado de clientes e não notado em
outras lojas da Baixa. À senhora que estava na caixa –que vim a saber ser irmã
do meu conhecido-, depois de cumprimentar, pedi se poderia falar com o Paulo
Ramos. “Quem devo anunciar?” –interrogou a senhora. Luís Fernandes, comerciante
aqui na Baixa. O Paulo conhece-me. Tenho um blogue e escrevo essencialmente sobre
o que se passa na vida comercial desta zona, aleguei. “Um momento”, retorquiu a senhora e pegando no auscultador do
telefone. A resposta foi dada assim: “o doutor
Paulo está em reunião e não pode atender. Quer deixar recado?”
Perguntei se poderia falar com a
sua irmã –que não conhecia. “Sou eu”,
respondeu. Num momento de menor fila para pagamento, baixinho, atirei a
pergunta de chofre: em face desta “liquidação”, é verdade o que se consta, que
vão fechar? “Sobre isso não sei nada! O
doutor Paulo é que sabe! Não posso dizer nada!”
Entretanto, um cliente a pagar
interrogou: “vão fechar?”. Respondeu
Paula Ramos ao inquiridor: “não, não! É a
promoção do mês!”
Em constatação final –e para mim já não é
surpresa, já que há vários anos me dou conta-, apreendo que o segredo é a alma do
desfecho.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Diz quem sabe que a história deste grande
estabelecimento “é muito gira”. Tudo
teria começado em 1950 pela mão do “velho”
Serafim Ramos –homem muito trabalhador, com rasgo para o negócio e com um
talento invulgar para o desenho, dom que, pela opção pelo comércio, nunca teria
sido explorado devidamente.
Alegadamente, ainda miúdo, iniciou
a sua vida de trabalho, como balconista e pau
para toda a colher –como era normal na época-, no Tapas, uma reconhecida tasca típica ainda em actividade na Rua
das Rãs, junto ao Largo das Ameias. Diz a minha fonte que pede o anonimato, “como nos contos de fadas, apareceu um grande
amor –a matriarca da família Ramos-, professora e primogénita de uma família
abastada”. Ora, está de ver e em juízo de valor, o Serafim, pessoa humilde e filho de pais sem
grandes posses, mais que certo para cair nas boas graças dos sogros e
provar-lhes que era merecedor da herdeira e, sobretudo, um homem digno, sério e
trabalhador, deixou o Tapas e, com uns dinheiros emprestados a juros, começou a
vender brinquedos num vão de escada de uma das entradas de um dos edifícios da
actual Românica. Comercialmente, foi crescendo e, de um canto limitado em
espaço e sem grandes condições, foi alargando e deu origem ao Bazar de Coimbra,
um dos alguns outrora existentes na rua do poeta morto Adelino Veiga e que, por isso
mesmo, viria também a ser conhecida pela rua dos bazares. A família foi
aumentando e deu origem a cinco filhos. Sempre em crescendo, foi adquirindo os
edifícios em volta e assim nasceu a Românica, um ícone ligado a brinquedos no
Centro Histórico. No pico do auge comercial da Baixa, “na década de 1980, teria tido entre vinte a trinta funcionários”.
TEXTOS RELACIONADOS
"A rua do desrespeito total"
"Uma imagem... por acaso"
"45 anos depois, encerra o Eldorado"
"Um Eldorado que nos deixa no deserto"
"A Baixa em liquidação"
"Amanhã debate-se o comércio. Eu vou..."
"Baixa: esta (nossa) terra queimada"
"Um comércio no divã psicanalítico"
"Bom dia, Baixa! Aguentaste-te?"
"Um homem também chora"
"Seis meses depois finou-se a Pepperoso"
"Comércio: fazer festas no desgraçadinho"
"Adeus Cantinho da Anita"
"Encerou a pastelaria Chiado"
"O pinheiro que chora na praça"
"Baixa: uma oportunidade perdida"
"Os últimos dias da Balvera"
"Os olhos tristes de Marinela"
"Encerrou a sapataria Trinitá"
"Adeus até ao meu regresso"
"Adeus Xangai"
"Adeus comércio de rua"
"Adeus Bijou"
"A Nata de Coimbra foi-se?"
"Hoje tocou-me uma saudade..."
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