Hoje, mais que certo, devo estar carente e
deu-me para me auto-citar.
Foi por acaso que revi um texto
que escrevi em 2007 –e que, na altura, passou no programa “Histórias de Vida”,
na Antena 1. Passando a falta de vergonha, está um miminho. Convido-o a ler e
verifique se, de facto, não vale a pena perder três minutos. Curiosamente, ou talvez nem tanto, o café em que se desenrola esta história já encerrou.
Porra,
tanto talento perdido nas entrelinhas do esquecimento!
HISTÓRIAS DE VIDA: O CHINÊS DA MINHA RUA
No pequeno café, sentadas e distribuídas pela
sala, várias pessoas tomam o pequeno-almoço. Numa mesa, três mulheres ainda
novas, talvez nos “intas”, comentam,
entre si, a telenovela e vão sorvendo lentamente a “bica”. Noutra, uma senhora,
certamente sexagenária, toma o seu galão. O seu olhar parece perdido no
infinito, como se mil pensamentos, em turbilhão e por castigo, decidissem, em
catadupa, atormentar esta mulher de meia-idade. Ao lado desta, um homem, talvez
cinquentão, lê o jornal diário de forma rápida como se e de uma vez só lesse
sofregamente os títulos e ficasse com conhecimento pleno do que se passara no
dia anterior na cidade. Atrás do balcão, a patroa e a empregada, ambas de
semblante ambíguo, entre o sorriso de circunstância e a preocupação de ter o
futuro aqui tão perto, cada uma, com seu pensamento. A dona, com a mesma
sofreguidão com que o homem lia os títulos do jornal diário, divagando nas
entrelinhas da mente, provavelmente estaria pensando o quanto custa ver a
diminuição diária de fregueses e, de vez em quando, olhava para a porta, mais
que certo, com a esperança de ver entrar mais um cliente. A empregada, de vinte
e poucos anos, com os braços cruzados sobre o peito, talvez em atitude de
defesa, de semblante carregado, como se esta fosse a posição de descanso do seu
rosto já calejado pela vida e que, somente, quando um cliente a interpela é
tomada pela obrigação circunstancial de rir. Então, sorri, fazendo que ri, a meio
sorrir. O que pensará ela? Interrogo-me em reflexão. Será mãe solteira e
pensará no seu filho, ainda bebé, à guarda de uma ama que, por muito que o ame,
nunca o amará como ela? Pensará no pai do bebé, seu recente amor marcante e
precocemente desaparecido nas brumas do silêncio de emigrante num qualquer país
estrangeiro, e que, este mês, não enviara a ajuda prometida ao seu pimpolho? Ou pensará que futuro poderá
delinear para o seu rebento se, eventualmente, vier a ficar sem emprego?
É então, neste pequeno microcosmo da realidade, da fantasia e da imaginação, que entra o chinês da nossa rua: “Bum dia”, cumprimentou de olhar cativante e acompanhado de sorriso de orelha a orelha. Aquele “bum dia”, soletrado com meiguice, ecoou no pequeno café como um trovão. Todos levantámos os olhos. Mas porquê? Interrogamos.
É que aquele pequeno homem, de pouco mais de metro e meio, acabara de, sem o saber, dar uma grande lição a todos. Era o seu imanente ar de felicidade e simpatia. Não terá ele problemas para resolver tão graves quanto os nossos? Além de mais, estando a milhares de quilómetros da sua terra e da sua família, terá ele razão para sorrir? E, nesse caso, lembrando um velho aforismo, porque ri e rirá de quê? Rirá de nós? Da nossa cara de enterro, do nosso semblante pesado e circunspecto, do nosso medo endémico de tudo, do futuro, do presente, dos fantasmas do passado? Do enorme peso que o mundo, sobre os nossos ombros, faz carregar, parecendo fazer de nós, metaforicamente, uma besta de carga? Bom, se assim é, ele terá mesmo razões para sorrir: é que sendo nós, portugueses, pouco mais de dez milhões e estando plantados nesta ponta ocidental da Europa é evidente que tendo a China um quinto da população mundial e estando posicionada do outro lado do mundo, por homologia, carregamos de facto o elevado peso daquele grande país. Será por isso que ele ri?
É então, neste pequeno microcosmo da realidade, da fantasia e da imaginação, que entra o chinês da nossa rua: “Bum dia”, cumprimentou de olhar cativante e acompanhado de sorriso de orelha a orelha. Aquele “bum dia”, soletrado com meiguice, ecoou no pequeno café como um trovão. Todos levantámos os olhos. Mas porquê? Interrogamos.
É que aquele pequeno homem, de pouco mais de metro e meio, acabara de, sem o saber, dar uma grande lição a todos. Era o seu imanente ar de felicidade e simpatia. Não terá ele problemas para resolver tão graves quanto os nossos? Além de mais, estando a milhares de quilómetros da sua terra e da sua família, terá ele razão para sorrir? E, nesse caso, lembrando um velho aforismo, porque ri e rirá de quê? Rirá de nós? Da nossa cara de enterro, do nosso semblante pesado e circunspecto, do nosso medo endémico de tudo, do futuro, do presente, dos fantasmas do passado? Do enorme peso que o mundo, sobre os nossos ombros, faz carregar, parecendo fazer de nós, metaforicamente, uma besta de carga? Bom, se assim é, ele terá mesmo razões para sorrir: é que sendo nós, portugueses, pouco mais de dez milhões e estando plantados nesta ponta ocidental da Europa é evidente que tendo a China um quinto da população mundial e estando posicionada do outro lado do mundo, por homologia, carregamos de facto o elevado peso daquele grande país. Será por isso que ele ri?
Claro que não. Ele ri porque
acredita no futuro. Ele sabe que mesmo o maior problema da humanidade que
exista para resolver, nenhum vale o sacrifício de um sorriso. Obrigado homem do
Oriente, deste-me uma grande lição. Não sei o teu nome, tão pouco me importa, o
que sei é que, daqui para a frente, passarei a olhar para ti e todos os teus congéneres
de uma outra forma. A tua civilização milenar tem muito para me ensinar.
Obrigado. Bem-haja, sinceramente.
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