(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Há dias, porque necessitava de duas “coisitas”, fui a uma antiga loja de
ferragens aqui na Baixa –praticamente, estas vendas tão pitorescas desapareceram
e as que resistem já se contam pelos dedos de uma mão. Algumas delas, poucas,
antecipando o futuro e adivinhando que se continuassem por aqui só restava o
fecho de portas, transferiram-se para a periferia da cidade e, naturalmente,
com a sua saída contribuíram para a desertificação da Baixa. Os motivos porque abalaram
daqui são vários, não vou elencá-los todos. O principal, diria eu na minha
ignorância, foi o pagamento de estacionamento público, caro e insuficiente. Mas
passemos à frente. Entrei no velho estabelecimento –que agora, pela falta de
cheiros a tintas e vernizes, a cal, a cimento, se tornou novo, moderno e
estandardizado- e reparei que só o dono, já idoso, estava a atender –já teve
vários empregados. Paulatinamente, foram diminuindo, diminuindo, até que hoje
só restam o proprietário e um funcionário. Mais que certo e por não ser
rentável, ao sábado já não abre. Lembro-me com muita saudade –mas a saudade não
alimenta estômagos- que, noutros tempos, ali havia tudo. Era uma grande
superfície implantada numa pequena área.
À minha frente havia umas quatro pessoas –todas
de meia-idade para cima. O dono da loja estava a atender um casal de velhotes,
de cerca de setenta anos. O homem, o cliente, queria uma coisa, a mulher
emendava e queria outra. O lojista, onde só as rugas na sua fronte denunciavam
a impaciência de que estava tomado, pacientemente andava de um lado para outro
até à decisão final. Neste “queremos
aquele queremos outro” passaram dez minutos. No fim, na apresentação da
conta, reparei que pagaram seis euros. Os clientes que se seguiram fizeram uma
despesa de dois, três euros cada um. Quando chegou a minha vez, já tinham
passado vinte e cinco minutos, fui atendido e paguei cinco euros. Para quem não
estiver entronizado no comércio, provavelmente, dirá que o velho negociante,
por estar sempre a facturar, estará de boa saúde. Nada de mais errado. O
montante que apura no fim do dia não chega para se manter aberto muito tempo.
Em metáfora, a Baixa, no comércio em geral e
na indústria hoteleira, está transformada numa puta que leva cinco euros por
cada “penaixada” –se você pensou em
foda, o problema é seu. Eu sou bem criadinho, graças ao altíssimo.
Atente-se na generalidade das
montras de roupas nesta zona velha: cinco euros, seis euros, sete e meio. Nas
sapatarias idem aspas, aspas. Nos restaurantes, veja-se o preço das diárias, o
preço comum é de cerca de seis euros.
O Centro Histórico, gradualmente, foi
envelhecendo e consigo foi sendo acompanhado por uma clientela antiga e com
pouco poder económico. As lojas tradicionais, nos nossos dias, ora servem para
remediar a incapacidade de se transportarem até às grandes áreas comerciais –por
não possuírem automóvel e no retorno carregarem sacos de compras- ora como
consultórios de psicanálise. Estes pontos de venda comunitários estão
transformados numa espécie de encontro de velhotes onde, catarticamente e sem
pagar, é possível falar das suas vidas.
Passemos para a grande superfície, novamente
em figurativo, é uma acompanhante de luxo. Só um simples beijinho custa dez euros.
Entrar dentro dela e tocar-lhe tem de se pagar bem. Quem é o “montador”, o cliente, desta “prostituta”? Que tipo de poder financeiro
possui?
É óbvio. É novo, bem-parecido, ricaço
–nem que seja à custa dos pais-, e gosta de ostentar poder económico. Quer é
ser servido, usufruir do prazer de ter, de possuir. E para o ser e ter, paga o
que for preciso.
Contrariando o que se pensa, nada na grande superfície
é barato. Para exemplo, coma-se uma simples sandes e beba-se um sumo e tome-se
atenção à conta.
Neste confronto entre a “acompanhante de luxo” e a “putéfia rasca”, adivinhe-se quem vai
definhar mais rapidamente?
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