Francisco João Machado, de 76 anos, faleceu
nos HUC, Hospitais da Universidade de Coimbra, no dia 2 deste Fevereiro que nos
acompanha. O Senhor “Xico”, como era carinhosamente tratado por todos
nós aqui na Baixa, era uma pessoa simples, cordata e sempre pronta a fazer um
recado ou dar uma mão a quem precisasse. Depois de internado num estado
debilitante nos HUC, nesta última terça-feira exalou o último suspiro.
Antes de continuar, gostava de ressalvar que o
que escrevo não tem por objecto procurar elogios ou palmas para a acção que vou
descrever. O que pretendo, e é meramente uma intenção, é que este caso seja
aproveitado para melhorar os procedimentos públicos. Nada mais do que isto.
Vou então prosseguir. Soube ontem que tinha
partido do nosso reino dos vivos e escrevi um pequeno elogio fúnebre. Fiquei a
saber que o senhor “Xico” era um
pária neste mundo, sem família e sem laços consanguíneos. Em contrapartida sei
que era um homem muito querido por todos, incluindo por mim, e que tinha aqui na
Baixa muitos amigos.
Por que já tinha havido contacto
prévio entre ambas as instituições, fiquei à espera que os HUC informassem o
Centro de Dia Rainha Santa Isabel (Cozinha Económica) sobre a data da cerimónia
fúnebre, já que o finado estava adstrito a este serviço de bem-fazer. Como até
hoje, à hora do almoço, não tivesse conhecimento de qualquer resposta, e já
decorreram três dias, coloquei os pés ao caminho e fui ver o que se passava na
instituição hospitalar.
Depois de percorrer os corredores acima-abaixo
entre a casa mortuária e o Gabinete do Utente, sendo convicto na pretensão de
não sair de lá sem resolver o assunto, verifiquei que o defunto, por não ter
família, estava preso nas teias da burocracia. Fiquei a saber que como o corpo
ainda não tinha sido reconhecido poderia estar nesta condição até cerca de um
mês. Depois, no caso de não haver reclamação, o hospital se encarregaria de
realizar um funeral sem cerimónia religiosa e muito “baratinho”. “Uma coisa horrível
assistir a um acto destes sem dignidade para qualquer ser humano” –palavras
ditas assim mesmo por alguém com quem falei.
Depois de explicar às funcionárias
o que me levou lá, consegui compreender tudo e comecei pelo primeiro passo que
foi reconhecer o corpo na Casa Mortuária para desbloquear o processo e encetar
o seu enterramento. Saliento que os funcionários foram todos muito
simpáticos comigo. Contudo, em juízo de valor, enquanto duraram os contactos, fui
sendo acometido de vários sentimentos. Um deles –e isto é normal sentir em
outros serviços públicos a que me dirijo quando pretendo quebrar os elos da
burocracia por entender injusto ou discriminatório para alguém- foi sentir uma
certa oposição, como se pensassem para si: “quem
é este? O que é que ele quer? O que o move?” –tudo isto em juízo de valor,
volto a salientar.
Outro sentimento foi eu perceber
que as pessoas têm vontade de resolver os problemas mas a carga da papelocracia é enorme e consegue suster a
sua vontade. Pode até parecer que me estou a queixar dos funcionários do
hospital, nada disso. Deu-me para pensar –e admito estar enganado- que quando
morre alguém sem família, o corpo fica para ali abandonado até às calendas.
Estou errado? Se calhar estou!
MAS, AFINAL, QUERO
DIZER O QUÊ?
Não sei se estarei a ser claro, mas quero
dizer que os HUC, seguindo a tramitação legal, deveriam tratar com mais
celeridade e dar um respeito maior a alguém que morreu sem família. Poderemos
interrogar: mas como é que isso se faz? Como se calcula, não sei responder com
objectividade. O que sei dizer é que não gostei da forma como a morte de
Francisco Machado foi tratada. Sei lá, talvez quando acontecer um caso destes –que,
pelo que soube, são poucos- deveria haver uma entrega maior por parte do
hospital para resolver a situação e não deixar criar a ideia –que é o que
sinto- que quando não se tem ninguém em vida, seguindo a mesma sina, na morte é
seguido o mesmo destino e com a mesma sorte. Escrevo, por conseguinte, de
sensibilidade. É pedir muito? Se calhar é, sobretudo vindo de alguém, como eu,
que apenas constatou este caso e, como espertalhaço
de trazer por casa, venho exigir de profissionais, que tratam da morte todos os
dias, um esforço super-humano. Repito, tratar com mais dignidade e respeito na
morte alguém que em vida foi desventurado.
.
DESGRAÇADO À NASCENÇA,
NA VIDA E NA MORTE
Voltando ao senhor “Xico”, que foi abandonado em bebé pela mãe e filho de pai
incógnito, durante a sua vida foi um pária e, conforme relato, na morte segue a
mesma sina, tudo parecia indicar que seria enterrado em campa rasa e sem
cerimónia religiosa.
Embora só agora saiba, acontece
que o senhor Francisco era pensionista. Logo, por inerência, o direito a um
funeral até ao valor de 1257.66 euros está garantido pela Segurança Social.
Basta apenas ser accionado através de uma agência funerária, e pode ser movido
por qualquer amigo. Quero dizer, portanto, que, sempre que nos hospitais
públicos surja um caso idêntico, os serviços administrativos deveriam contactar
os amigos da vítima e informar do procedimento para, acima de tudo, evitar que
alguém seja discriminado desta maneira até na morte.
E O QUE VAI ACONTECER
AO “XICO”?
Com o envolvimento de vários amigos, estão
garantidas as cerimónias fúnebres, legítimas e de direito, para o senhor
Francisco Machado. O Funeral será nos primeiros dias da próxima semana. Tenho a
certeza de que todos vamos dormir melhor. Fez-se o que era nossa obrigação.
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