Ontem de manhã eu ia beber um café. Seriam
cerca de 10h00 desta segunda-feira, batidas há pouco na torre sineira da igreja
de São Bartolomeu, quando, na Praça do Comércio, passei pela dona Dores. Estava
a senhora a começar a montar a sua “tenda” de venda de artesanato ao lado da
vetusta catedral de São Tiago. Maria das Dores Alyfarag, viúva de Moamed, um
comerciante egípcio muito respeitado na Baixa e falecido há mais de uma década,
é uma senhora muito querida por todos nós, que a conhecemos há mais de trinta
anos a vender artesanato na zona da praça velha. Para além de comerciar para
tentar sobreviver é uma pessoa boa. Tem um armazém nas proximidades e já por
várias vezes, gratuitamente, como porto de abrigo, deu guarida a alguns
sem-tecto que demandam esta enseada –ela não sabe que eu sei, mas eu sei. Como
é costume, são os mais necessitados os sempre-prontos a ajudar o próximo. Como
qualquer comerciante a desafiar a sua sorte, em especulação, estaria a ajeitar
a imagem de Santo António, mais que certo virada de costas para o comprador, e
a pedir ao Criador que fosse generoso na semana que agora começava e lhe
concedesse a graça de um bom dia de negócio. Cumprimentei-a e avancei em passo
compassado em direção ao café. Naqueles gestos que a racionalidade não explica
-fosse porque nos últimos dias não a tivesse visto, fosse por a ter encontrado
com um ar abatido-, voltei atrás e perguntei se estava bem. “Estou mal, senhor Luís”, respondeu. “Desde o final de ano, há um mês, que não
faço negócio nenhum. O último dinheiro que fiz aqui foram 8 euros. Tenho andado
a fazer limpezas por conta de uma empresa que me paga menos que 3 euros por
hora mas é certo, sabe? Tenho despesas certas. Pago de renda de casa quase
trezentos euros, mais a renda do armazém, mais água e luz. Já deve dar para o
senhor compreender as minhas preocupações.”
O VIZINHO METE-SE
Ao lado de dona Dores, também a montar a sua
banca, estava o Jorge Camilo Medina. Ao ouvir os lamentos da sua vizinha não
hesitou em envolver-se na conversa. “Estamos
muito mal, senhor Luís. Estamos para aqui desprezados há décadas sem que a
Câmara Municipal de Coimbra queira saber de nós. Prometem, prometem mas não
cumprem. Sem quaisquer condições, todos os dias é uma trabalheira para montar a
barraca. Às 17h00, temos de arrumar por falta de luz. Na minha qualidade de
cidadão, sinto-me discriminado. Há vários anos que a Câmara Municipal nos
abandonou para aqui como coisas sem prestabilidade. Dão-nos uma licença de três
meses durante um ano e não querem saber mais de nós. Imagina a insegurança que
isto nos causa? Eu sou artesão. Tenho uma carta reconhecida internacionalmente
que diz: “os governos comprometem-se a dignificar e a promover a arte do
artesão”.
Atalha Dores: “você lembra-se bem, chegámos a ser aqui sete
vendedores. Ali estava o Anildo. Agora já só restamos três. Ali o Falloup Diop
já nem monta a traquitana” –e aponta em frente onde se vê uma mesa com
artesanato e atrás uma mulher com o queixo apoiado na mão em concha. Não é
preciso ser presciente para adivinhar que está triste e pensativa com a sorte
que lhe calhou em destino. O Falloup é um comerciante senegalês que, pelo seu
trato esmerado e educado, já faz parte do roteiro da Baixa. Já várias vezes lhe
pedi para escrever a sua história. Com argumentos vários vai adiando. Sei que
conjuntamente com a esposa são um casal esforçadíssimo. No Verão chega ali mal
a manhã estende a luz e só por volta das 23h00 recolhe os seus haveres. Nenhum
de nós, creio, faz uma pequena ideia de quanto trabalho esforçado despende este
nosso colega para dar uma vida digna aos seus quatro filhos.
O QUISOQUE QUE NUNCA
MAIS VEM E CONVERSA FIADA
Em 28 de Dezembro de 2012, na página 8, o
Diário as Beiras publicava, em título, o seguinte: “Quiosques para venda na Baixa”. Estendendo a notícia, “A Câmara de Coimbra vai instalar em Janeiro
cinco quiosques para a venda ambulante na Baixa. A sua colocação deveria ter
ocorrido até 15 de Dezembro na Praça do Comércio, mas o presidente, João Paulo
Barbosa de Melo, recordou que o município optou por atrasar a sua colocação pelo
facto de, naquele período, os comerciantes terem oportunidade de fazer mais
negócio. Para já, e de acordo com o presidente, os primeiros quiosques vão ser
colocados no Largo da Maracha. “ Se a experiência correr bem, será replicada
para outros locais da cidade”, disse. Refira-se que a questão foi levantada
pelo presidente da Junta de São Bartolomeu, Carlos Clemente, que lamentou o
facto da Câmara ter emitido um ofício “sem eficácia nenhuma”.
CLEMENTE QUE A CÂMARA
TEM
Nesta página
8 do Diário as Beiras –de 28-12-2012- para além do tema que trago à colação há
outro e a imbricar na mesma pessoa e que foco para mostrar que a equidade e o
respeito pelo cidadão não passa pela mesma balança. No caso, trata-se de uma
fotografia de Carlos Clemente –nessa altura, eleito pelo Partido Socialista
(PS) e presidente da ainda Junta de Freguesia de São Bartolomeu e dirigente da
secção de futsal da Associação Académica de Coimbra- em que ostenta uma
camisola com o logotipo da Câmara Municipal de Coimbra. No desenvolvimento do
texto pode ler-se que “A Câmara de
Coimbra vai honrar em 2013 o compromisso assumido em Junho deste ano com o futsal
da Académica. Barbosa de Melo, presidente da câmara, deixou esta garantia na
Assembleia Municipal de Coimbra, depois do presidente da Junta de São
Bartolomeu e dirigente da Briosa, Carlos Clemente, ter questionado o presidente
relativamente ao prometido subsídio de 33 mil euros que ainda não foi pago. (…)
Carlos Clemente voltou a subir ao púlpito, apesar de saber das condições
impostas pelo Governo, para lamentar “a falta de palavra” dada em junho
passado, esperando que a verba chegue nos dois primeiros meses do próximo ano.”
A primeira
interrogação que faço é: como não foi contestada, presume-se que esta subvenção
foi liquidada. Porque não cumpriu igualmente a autarquia com os vendedores
ambulantes? A resposta é fácil: o futebol está primeiro e estes comerciantes,
como munícipes de segunda, não contam para as preocupações dos executivos
camarários.
A segunda pergunta é: ao apelar à
palavra dada e exigindo o seu cumprimento, igualmente, porque não se empenhou depois
Carlos Clemente na defesa da instalação dos quiosques para tornar a vida mais
facilitada a estas pessoas da Praça do Comércio e do Largo da Maracha? A
resposta é… os ventos mudaram e levaram consigo as promessas anteriormente
feitas.
PALAVRAS LEVA-AS O
VENTO
O anterior governo da coligação PSD/CDS (XIX
governo Constitucional) herdou o compromisso com a Troika de, no âmbito da reorganização
administrativa, reduzir o número de autarquias (308) e freguesias (4259) até Julho de
2012. Nos municípios não se mexeu mas diminui-se a soma das freguesias em 1165. Conhecida
pela reforma do poder local de Relvas, num novo mapa autárquico, em 2012 foi
aprovado na Assembleia da República o novo Regime Territorial Autárquico. Foram
agregadas e passaram a 3094. A então Junta de Freguesia de São Bartolomeu
passou a ser associada à Sé Nova, Santa Cruz e Almedina.
Em Setembro de 2013 realizaram-se eleições
autárquicas e o PS, com Manuel Machado como cabeça de lista, ganhou a
edilidade. Clemente, que não se podia candidatar à mesma junta por já ter
cumprido mais de três mandatos, foi cabeça de lista, pelo PS, à União de
Freguesias de Santa Clara e Castelo Viegas e perdeu para José Simão (PSD). Veio a
ser eleito pelos seus pares presidente da Assembleia de Freguesia. Em Dezembro
de 2013 Clemente foi nomeado adjunto por Manuel Machado. Como pardal numa gaiola,
o outrora lutador, na actualidade, perdeu toda a sua força e transformou-se
numa fera amansada, numa sombra do que foi.
A BAIXA FICA ÓRFÃ
Passando a arrogância, depois da imprensa
local, nos últimos oito anos, através deste blogue, eu deveria ter sido a
pessoa que mais escreveu sobre o desempenho de Carlos Clemente enquanto esteve à
frente da então Junta de Freguesia de São Bartolomeu. Com uma personalidade
muito vincada, controverso, sem nunca recusar a luta partidária e política, em
que o protagonismo estava sempre presente, foi uma voz marcante e muito
importante que, enquanto ocupou o cargo em representação dos fregueses, elevou
as preocupações na Assembleia Municipal e ajudou a resolver muitos problemas na
comunidade. Hoje, com o seu desaparecimento da cena política, esta parte da
zona histórica está órfã. O que se passa aqui raramente se consegue fazer
chegar à Praça 8 de Maio, que, como se sabe, está no coração desta zona velha.
É por isso mesmo que concordo plenamente com a reavaliação da reforma administrativa
anunciada, agora pelo ministro-adjunto Eduardo Cabrita. Alegadamente, com a
agregação de muitas freguesias, para além de não se suprimirem custos,
verifica-se que os cidadãos ficaram mais abandonados e perderam
representatividade nas autarquias a que estavam adstritas.
O VÍRUS SNOB
Como se a minha péssima capacidade de analista
político não chegasse, ainda me armo em investigador de maleitas. Já há uns
anos que me debruço sobre um vírus que embora todos reconheçamos os sintomas
não damos muita atenção. Pelo que observo, ataca fortemente os políticos. À
medida que vão subindo na carreira vão gerando uma amnésia cada vez mais
actuante. Quando atingem um lugar de relevo esquecem completamente os
conhecidos, os amigos, as promessas e tudo o que defenderam e se bateram. Se
passar na rua por um destes seu conhecido político e ele for agarrado a um
telemóvel e não lhe ligar nenhuma, não estranhe, está atacado pela virose. Mas
também não fique demasiadamente preocupado, os seus efeitos duram apenas quatro
anos. Depois disso pode contar com o regresso à terra do seu (outra vez)
conterrâneo. Na volta ainda leva uns beijinhos e abraços.
(TEXTO ENVIADO, PARA CONHECIMENTO, À
CÂMARA MUNICIPAL)
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