quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O "XICO" MORREU SOZINHO





Durante muitos anos foi nosso companheiro diário calcorreante destas pedras milenares por entre ruas, ruelas, becos e casario de antanho, nesta Baixa de Coimbra. A sua educação esmerada, a sua forma intimista, calma e metida consigo mesmo, era impressionante. Era como uma flor fechada que ansiava por desabrochar. Era a sua timidez –resultado de uma vida sem amor- que impedia a sua extemporaneidade. Parecia um pintainho solitário, de asas caídas, em busca de reconhecimento e carinho. Era um barco perdido em busca de um porto de abrigo. “Baptizei-o” de sismólogo pela sua eminente e prolixa imaginação. Era um mitómano –não no sentido clássico de deturpar tudo compulsivamente, mas apenas no que tocava a tremores de terra. No fundo, bem no fundo, seria como mostrar a nu a sua alma a estremecer de ansiedade por um abraço de ternura. Achava-se iluminado e capaz de, através de pequenas manifestações da natureza, prever futuros sismos no mundo inteiro. Quando falava no adivinhar do brusco movimento das placas tectónicas transcendia-se. Era de tal modo convicto e convincente que eu chegava a duvidar de que não houvesse um pouco de verdade nas suas afirmações.
Francisco João Machado, de 76 anos, morreu antes de ontem nos HUC, Hospitais da Universidade de Coimbra. O Senhor “Xico”, como era respeitosamente conhecido na Baixa, morreu solitário e sem familiares à cabeceira.
Logo no início da sua vida não teve sorte. Entrou na instituição “Ninho”, em Semide, como bebé abandonado pela mãe e filho de pai incógnito. Manteve-se pela zona da paróquia da diocese de Coimbra até aos 20 anos e por lá aprendeu a profissão de pintor da construção civil e a arte de como sobreviver sozinho. Ao longo da sua existência foi conhecendo vários patrões. Já entradote na idade emigrou e conheceu outras terras além-fronteiras mas, mais uma vez, a felicidade não lhe sorriu.
Em 2010 ingressou no nosso meio familiar, da Baixa, e foi muito bem acolhido pelas técnicas da Cozinha Económica, que o trataram sempre como um “avô querido”. Aposto que onde o espírito do Senhor “Xico” estiver agora, quase certo, estará a acenar para que, através destas singelas palavras, se agradeça o quanto fizeram por ele. À Dr.ª Ana Maria, assistente social naquela casa de benemerência e bem-fazer. Ao seu amigo de sempre, o Tai Pio Zhu.
Amanhã, ainda não se sabe a hora, será o seu funeral. Na última viagem não estará sozinho.
Até sempre, amigo “Xico”! Descanse em paz!


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