segunda-feira, 13 de julho de 2015

OLHOS VERDES DE SOFRIMENTO

(Imagem da Web)




“Mesmo agora que estou às portas de ser septuagenária, passando a imodéstia, ainda sou uma mulher bonita e os homens, pelo menos do meu escalão etário, teimam em lançar-me dois olhares. Os meus olhos verdes foram sempre a atracção principal e a minha silhueta esbelta foram o acessório de uma beleza marcante.
Casei cedo ainda antes da maioridade –no meu tempo era aos 21 anos- para fugir ao jugo dos meus pais e para ter liberdade –pensava eu, naquela idade em que uma pessoa sonha e a realidade está ao alcance de uma mão. O meu marido era atencioso e gostava de mim, mas tinha um defeito terrível para qualquer esposa dedicada e fiel: gostava de qualquer mulher, fosse nova e bela ou de meia-idade e feiosa. Para piorar, com o tempo, comecei a aperceber-me que ele não era a pessoa boa que eu imaginara quando trocámos aliança no altar e prometemos ser fiéis até que a morte nos separasse. Ele era funcionário público e eu comerciante com loja. Até que a situação se tornou insustentável e vinte anos depois, nos começos de 1985, divorciamo-nos por mútuo consentimento. Mas ele, mesmo com a separação legal e depois de dar o sim na conservatória, nunca aceitou, de facto, que eu já não lhe pertencia e vigiava-me constantemente. Para onde quer que eu fosse a sua sombra, mesmo de longe, perseguia-me como a abelha em busca da flor.
Na cidade do interior, na rua do meu estabelecimento havia uma instituição pública e eu passava lá todos os dias para o trabalho. Mais que certo por saber que eu estava divorciada, um dia o director abordou-me com palavras simpáticas daquelas que uma mulher tão bem conhece dos homens. Estávamos em 1985. Havia lá na cidade um comício com Cavaco Silva e os meus filhos iam assistir e eu tinha prometido estar presente também. Então, por delicadeza, aceitei que este meu adulador me acompanhasse à sessão de esclarecimento do “homem do leme” e que depois de ser primeiro-ministro viria a ocupar a cadeira da presidência da República Portuguesa. Um dos meus filhos alertou-me que o pai andava a rondar-me no meio de todas aquelas pessoas. Eu respondi ao meu herdeiro que o problema era dele. Eu não era sua propriedade e, para além disso, já estávamos divorciados. Nessa noite o carro do meu novo admirador apareceu com os quatro pneus cortados e com um papel, escrito à mão e em maiúsculas, no para-brisas: “Meu cabrão, agora foi assim, a seguir limpo-te o sebo”.
No dia seguinte tinha o meu presumível apaixonado a bater-me à porta da loja a tentar saber alguma coisa do corte das rodas. Pela discrição, eu disse-lhe logo: foi o meu ex-marido. Tenho a certeza!
Então o meu galã reagiu muito bem, exactamente como uma mulher gosta, e exclamou: “ai sim? Ai ele fez isso? Então temos de assumir o nosso namoro!”. Sobre o corte dos pneus foi apresentada queixa na Judiciária e, pela letra da ameaça deixada no papel, foi julgado e condenado a pagar indemnização. Fomos andando uns anos. Em 1990 trespassei a loja e aforrei um bom dinheirinho. O meu namorado era rico. Para além de dois andares, um em Coimbra e outro no Algarve, ainda tinha uma quinta enorme nas redondezas da cidade do Mondego. Que mulher não se encanta com um homem assim? Começou a falar-me em casamento mas eu não estava virada para essas curvas. Depois do meu primeiro fracasso matrimonial, tinha receio de me estampar novamente. Ele era muito gentil e amoroso, mas eu não queria jurar votos novamente. Foi então que os meus filhos, conquistados por ele com prendas de simpatia, começaram a influenciar-me e a tentar convencer-me a dar o nó. Tanto teimaram que, sujeita a pressões de um lado e de outro, acabei a dar o sim. Casei pela segunda vez em 1993.

A SEGUNDA VERSÃO DA PRIMEIRA

Os primeiros tempos até foram de felicidade. Ele era muito carinhoso para mim e eu, em solilóquio com os meus botões, até inferia que desta vez é que foi mesmo. Estava perante o homem perfeito. O homem da minha vida. Eu era filha única e os meus pais, resultado de muitas poupanças, tinham um pecúlio digno de nota. Nunca quiseram comprar casa e viveram sempre numa casa de renda.
Sem que eu desse conta, por que o amor é cego, o meu agora marido começou a rondar os meus pais no sentido de lhe apanhar o dinheiro no banco. Ao mesmo tempo, fazendo jogo duplo, tentava que eu me indispusesse com eles. Mas o meu pai era inteligente e, vendo tudo antes de mim, colocou todo o seu aforro em nome dos meus filhos. E o meu marido ficou pior que uma barata. Queria a todo o custo que eu lhe movesse uma acção de reivindicação de habilitação de herdeiros. Neste passar de anos o dinheiro da venda do meu negócio, com desculpas várias, foi-se esvaindo como água na palma de uma mão e já só restava uma pequena parte. Aos poucos, comecei a notar que a encomenda com quem juntei os trapos era pior do que a primeira versão, o pai dos meus filhos. Os homens, passando raras excepções, ou são viciados em álcool ou mulheres. E este, sob o mesmo prisma, não podia ver uma mulher nova que perdia completamente o poder decisório. Fui aguentando. Em 2008, com a ascensão do sub-prime na cena económica internacional, com a desculpa de que a economia ia descambar –lá nisso, o gajo era esperto- e que não valia a pena ter nada porque o Estado levava tudo em impostos. Primeiro vendeu uma habitação, a seguir outra. Mas o dinheiro das vendas desaparecia como nevoeiro em manhã de Agosto. Ele entrava numa loja e se a vendedora fosse nova e bonita comprava tudo o que ela lhe quisesse vender. Nunca vi uma coisa assim. Ele estoirava tudo em compras supérfluas. Até que já só restava a quinta e a minha pequena conta arrumada a pensar na minha velhice. Mas os homens são diabólicos. Foi-me dando a volta e, com a desculpa de que iria vender uns lotes, acabou por me apanhar tudo e eu fiquei sem nada. Até que, já sem um cêntimo, começou a bater-me e a exigir mais e mais e mais. Passei a dormir num quarto separado. Mesmo assim, chegou a tentar tirar-me o cartão bancário, os documentos e o telemóvel para que eu não contactasse ninguém. Até que numa noite de frio invernoso fui colocada na rua só com a roupa que tinha no corpo. Acabei numa casa de protecção para mulheres vítimas de violência doméstica. Divorciei-me há cerca de quatro anos. Para me extorquir, com alegações de que me emprestou dinheiro ao longo do nosso casamento, já fui quase uma dezena de vezes a tribunal.
Hoje, sem rendimentos para além da pequena reforma, estou a viver numa casa de apoio aos sem-abrigo. Mesmo assim continuo a ser perseguida por este meu segundo ex-marido. O que é que eu fiz para merecer tanto sofrimento? Será dos meus olhos verdes?

(HISTÓRIA VERÍDICA)



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