(Imagem da Web)
“Mesmo
agora que estou às portas de ser septuagenária, passando a imodéstia, ainda sou
uma mulher bonita e os homens, pelo menos do meu escalão etário, teimam em
lançar-me dois olhares. Os meus olhos verdes foram sempre a atracção principal e
a minha silhueta esbelta foram o acessório de uma beleza marcante.
Casei cedo ainda antes da maioridade –no meu tempo era aos 21 anos-
para fugir ao jugo dos meus pais e para ter liberdade –pensava eu, naquela
idade em que uma pessoa sonha e a realidade está ao alcance de uma mão. O meu
marido era atencioso e gostava de mim, mas tinha um defeito terrível para
qualquer esposa dedicada e fiel: gostava de qualquer mulher, fosse nova e bela
ou de meia-idade e feiosa. Para piorar, com o tempo, comecei a aperceber-me que
ele não era a pessoa boa que eu imaginara quando trocámos aliança no altar e
prometemos ser fiéis até que a morte nos separasse. Ele era funcionário público
e eu comerciante com loja. Até que a situação se tornou insustentável e vinte
anos depois, nos começos de 1985, divorciamo-nos por mútuo consentimento. Mas
ele, mesmo com a separação legal e depois de dar o sim na conservatória, nunca
aceitou, de facto, que eu já não lhe pertencia e vigiava-me constantemente. Para
onde quer que eu fosse a sua sombra, mesmo de longe, perseguia-me como a abelha
em busca da flor.
Na cidade
do interior, na rua do meu estabelecimento havia uma instituição pública e eu
passava lá todos os dias para o trabalho. Mais que certo por saber que eu
estava divorciada, um dia o director abordou-me com palavras simpáticas daquelas
que uma mulher tão bem conhece dos homens. Estávamos em 1985. Havia lá na
cidade um comício com Cavaco Silva e os meus filhos iam assistir e eu tinha
prometido estar presente também. Então, por delicadeza, aceitei que este meu
adulador me acompanhasse à sessão de esclarecimento do “homem do leme” e que
depois de ser primeiro-ministro viria a ocupar a cadeira da presidência da
República Portuguesa. Um dos meus filhos alertou-me que o pai andava a
rondar-me no meio de todas aquelas pessoas. Eu respondi ao meu herdeiro que o
problema era dele. Eu não era sua propriedade e, para além disso, já estávamos
divorciados. Nessa noite o carro do meu novo admirador apareceu com os quatro
pneus cortados e com um papel, escrito à mão e em maiúsculas, no para-brisas: “Meu cabrão, agora foi assim, a seguir
limpo-te o sebo”.
No dia seguinte tinha o meu presumível apaixonado a bater-me à porta da
loja a tentar saber alguma coisa do corte das rodas. Pela discrição, eu
disse-lhe logo: foi o meu ex-marido. Tenho a certeza!
Então o meu galã reagiu muito bem, exactamente como uma mulher gosta, e
exclamou: “ai sim? Ai ele fez isso? Então temos de assumir o nosso namoro!”.
Sobre o corte dos pneus foi apresentada queixa na Judiciária e, pela letra da
ameaça deixada no papel, foi julgado e condenado a pagar indemnização. Fomos
andando uns anos. Em 1990 trespassei a loja e aforrei um bom dinheirinho. O meu
namorado era rico. Para além de dois andares, um em Coimbra e outro no Algarve,
ainda tinha uma quinta enorme nas redondezas da cidade do Mondego. Que mulher
não se encanta com um homem assim? Começou a falar-me em casamento mas eu não
estava virada para essas curvas. Depois do meu primeiro fracasso matrimonial, tinha
receio de me estampar novamente. Ele era muito gentil e amoroso, mas eu não
queria jurar votos novamente. Foi então que os meus filhos, conquistados por
ele com prendas de simpatia, começaram a influenciar-me e a tentar convencer-me
a dar o nó. Tanto teimaram que, sujeita a pressões de um lado e de outro, acabei
a dar o sim. Casei pela segunda vez em 1993.
A SEGUNDA VERSÃO DA PRIMEIRA
Os
primeiros tempos até foram de felicidade. Ele era muito carinhoso para mim e
eu, em solilóquio com os meus botões, até inferia que desta vez é que foi
mesmo. Estava perante o homem perfeito. O homem da minha vida. Eu era filha
única e os meus pais, resultado de muitas poupanças, tinham um pecúlio digno de
nota. Nunca quiseram comprar casa e viveram sempre numa casa de renda.
Sem que eu desse conta, por que o amor é cego, o meu agora marido
começou a rondar os meus pais no sentido de lhe apanhar o dinheiro no banco. Ao
mesmo tempo, fazendo jogo duplo, tentava que eu me indispusesse com eles. Mas o
meu pai era inteligente e, vendo tudo antes de mim, colocou todo o seu aforro
em nome dos meus filhos. E o meu marido ficou pior que uma barata. Queria a
todo o custo que eu lhe movesse uma acção de reivindicação de habilitação de
herdeiros. Neste passar de anos o dinheiro da venda do meu negócio, com
desculpas várias, foi-se esvaindo como água na palma de uma mão e já só restava
uma pequena parte. Aos poucos, comecei a notar que a encomenda com quem juntei
os trapos era pior do que a primeira versão, o pai dos meus filhos. Os homens,
passando raras excepções, ou são viciados em álcool ou mulheres. E este, sob o mesmo prisma, não podia ver uma mulher nova que perdia completamente o poder
decisório. Fui aguentando. Em 2008, com a ascensão do sub-prime na cena
económica internacional, com a desculpa de que a economia ia descambar –lá nisso,
o gajo era esperto- e que não valia a pena ter nada porque o Estado levava tudo
em impostos. Primeiro vendeu uma habitação, a seguir outra. Mas o dinheiro das
vendas desaparecia como nevoeiro em manhã de Agosto. Ele entrava numa loja e se
a vendedora fosse nova e bonita comprava tudo o que ela lhe quisesse vender.
Nunca vi uma coisa assim. Ele estoirava tudo em compras supérfluas. Até que já
só restava a quinta e a minha pequena conta arrumada a pensar na minha velhice.
Mas os homens são diabólicos. Foi-me dando a volta e, com a desculpa de que
iria vender uns lotes, acabou por me apanhar tudo e eu fiquei sem nada. Até que,
já sem um cêntimo, começou a bater-me e a exigir mais e mais e mais. Passei a
dormir num quarto separado. Mesmo assim, chegou a tentar tirar-me o cartão
bancário, os documentos e o telemóvel para que eu não contactasse ninguém. Até
que numa noite de frio invernoso fui colocada na rua só com a roupa que tinha
no corpo. Acabei numa casa de protecção para mulheres vítimas de violência
doméstica. Divorciei-me há cerca de quatro anos. Para me extorquir, com
alegações de que me emprestou dinheiro ao longo do nosso casamento, já fui quase
uma dezena de vezes a tribunal.
Hoje, sem rendimentos para além da pequena reforma, estou a viver numa
casa de apoio aos sem-abrigo. Mesmo assim continuo a ser perseguida por este
meu segundo ex-marido. O que é que eu fiz para merecer tanto sofrimento? Será
dos meus olhos verdes?
(HISTÓRIA VERÍDICA)
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