quarta-feira, 22 de julho de 2015

EDITORIAL: UM VULCÃO CHAMADO BAIXA

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Para quem andar mais atento, nota-se na Baixa, incluindo a margem esquerda, na zona do Convento Velho de Santa Clara, uma intensíssima movimentação comercial.
Por um lado, há vários estabelecimentos a encerrar porque não aguentam as despesas. Embora se conste que alguns mais antigos, com funcionários de décadas, vão cerrar portas no final do ano –num hábito já meu conhecido, confrontados com esta hipótese, os comerciantes não assumem-, sabe-se que são os mais novos com implantação de meses e um com menos de dois anos os mais sacrificados. Associando a alguma inexperiência comercial, estes, com rendas impossíveis de aguentar, são os mais expostos. Assiste-se a deslocalizações sistemáticas. Sempre em busca do menor valor de renda a pagar. Estou a lembrar-me de um comerciante que, no espaço de um ano, já mudou três vezes. Mas há mais nesta situação. Como a evitar um final drástico e a tentar prolongar um fim que se adivinha, num contorcionismo compreensível, a procura de espaços baratos continua na mira de muitos aflitos. Mas não há lojas acessíveis na Baixa –quando escrevo “baratos” quero dizer entre os 100 e os 250 euros. Os valores assim praticados só se encontram em zonas sem qualquer movimento de transeuntes, as chamadas zonas mortas. E que ninguém quer.
Falando de novos contratos, para as lojas de rés-do-chão, os preços operados, neste momento, nas ruas largas da calçada, Ferreira Borges e Visconde da Luz, variam entre os 1250 e os 3000 euros. Para os primeiros-andares oscilam entre os 450 e os 1000 euros. Nas ruas estreitas de movimento, por que nem todas são iguais, os arrendamentos andam entre os 400 e os 1500 euros.
Por outro lado, talvez devido ao grande incremento do turismo, com a recente classificação de Património Mundial, pela Unesco, a procura de espaços comerciais é intensa. No geral, é como se sentisse que aqui o futuro está ao alcance um piscar de olhos. É como se andassem fluídos no ar a mostrar que as coisas vão mudar a breve-prazo -consta-se que o “Burger King” está prestes a obter luz verde para se instalar na Baixa.
Falando de turismo, numa discriminação inconcebível e num paradoxo, continua a verificar-se que a Rua da Sofia –a antiga rua dos colégios e que  mereceu a máxima distinção da Unesco- não tem fluxo de turistas. Já escrevi sobre este assunto. A Câmara Municipal e a Universidade de Coimbra, enquanto motores ligados ao progresso turístico, têm obrigação de se debruçarem sobre esta questão, que é fundamental para o comércio e hotelaria nesta histórica via larga. O que está a acontecer parece uma anedota só aceitável nesta cidade. Quero dizer, a organização mundial classifica uma rua como a mais importante para ser visitada e o que se constata é que somente as zonas protegidas, envolventes e limítrofes, é que estão a ser beneficiadas com a proclamação universal. Está certo acontecer uma coisa destas?
Continuando, verifica-se que a procura comercial é, na maioria das vezes, feita por gente nova, sem experiência, que, a todo o custo, procura um trabalho como rendimento que lhe permita fazer face à vida. Tal como já escrevi várias vezes, com um enorme respeito por estas pessoas, sem que haja alguém que se importe, as tragédias estão ao virar da esquina e ao alcance de um olhar.
Não é preciso ser economista para verificar que, apesar de se pensar regularizado pelo tempo, estamos a assistir a um continuado “Subprime” no arrendamento comercial. Ou seja, mesmo sabendo de antemão que os valores pedidos são arriscados e mesmo até incobráveis a médio-prazo, os proprietários, colectivamente seguros de uma rentabilidade imediata de curto-prazo, baseiam a sua estimativa de retorno esperado do investimento, por um lado, na precariedade da economia, por outro, numa hipotética recuperação das actividades económicas. Não é difícil de ver quem é a vítima. Também não é preciso ter um telescópio para ver que faltam regras que cerceiem estes abusos. E como? Evitar, por exemplo, que um estabelecimento comercial se mantenha fechado mais do que seis meses. E quando reabrir, no mínimo, estar em funcionamento seis meses também. O que é que as autarquias têm feito para resolver este problema? Como a lei do arrendamento não contempla esta situação, pouco ou nada. Ou melhor, recorrem ao único instrumento possível: sobrecarregar com IMI, Imposto Municipal sobre Imóveis. Mas, provando que não funciona e não demove os senhorios, tudo continua na mesma e igual.
Num desprezo total pelo desenvolvimento, em algumas ruas da cidade, há lojas encerradas há mais de uma década. Nem arrendam nem fazem nada para lhe dar utilidade –porque é preciso não esquecer que o que esteve na génese destes empreendimentos foi sempre o seu objecto, a sua utilidade social. Um estabelecimento pode ser propriedade particular –que se deve respeitar- mas tem agregada uma responsabilidade colectiva na criação de riqueza. É aqui que a renovação do Novo Regime de Arrendamento Urbano falhou completamente. O legislador estava completamente preocupado com o aumento de rendas e a transmissão –que até aí era feita desordenadamente, beneficiando os inquilinos e esquecendo os interesses dos donos dos prédios- mas não deu atenção, por intenção ou não, à conveniência social.
Por outro lado ainda, a edilidade coimbrã detém vários edifícios em ruína nesta parte velha e nem ata nem desata. Como quem diz, nem os recupera nem vende. Em casa de ferreiro espeto de pau, poderia dizer-se.





1 comentário:

Daniel disse...

A rua da Sofia teria muito mais a ganhar se fosse completamente pedonal. Bastava esta alteração para ver os turistas a circularem por lá. Se a isto juntarmos a requalificação do Terreiro da Erva, núcleo museológico/exposições na espaço ocupado pelo centro comercial da Sofia, centro de documentação 25 de Abril, etc. então a diferença seria enorme.
Ao contrário do que alguns fazem crer, o trânsito que lá passa não acrescenta valor nenhum à rua da Sofia, é só poluição, mais nada.