quinta-feira, 16 de julho de 2015

A BOA MORTE DO LOUREIRO





“Ai que saudades daqueles anos quando abrimos a loja A. Loureiro!”, e o seu rosto até aí sereno contrai-se e os seus olhos brilhantes viram-se para cima e parecem cravar-se num lugar distante, no infinito.
Maria da Boa Morte Vieira da Costa Loureiro, mais conhecida por “Mariazinha”, com 82 anos de idade, no fim deste mês de Julho vai quebrar uma rotina de 45 anos. Fecha as portas definitivamente do seu comércio, a sua segunda alma, e encerra uma história de um tempo que, enquanto durou, foi feliz. Mesmo agora, que as pernas teimam em pesar mais do que o corpo, amparada em duas canadianas continua a ir diariamente ao estabelecimento. É um costume adquirido que, paulatinamente, devagar, devagarinho, se foi entranhando e passou a fazer parte dos seus hábitos. Entrar naquela casa com quase meio século, todos os dias, olhar os objectos expostos nas prateleiras é como entrar na igreja, fixar as imagens sacras, e, sem falar, monologar com Deus.
A firma A. Loureiro, Ld.ª abriu portas em 1971 com venda de electrodomésticos, louças e cutelarias, vidros e produtos para instalações eléctricas. Em 1973, quando entrou o Edmar –que ainda hoje se mantém vinculado- estavam quatros pessoas a trabalhar todos os dias sem mãos a medir. Para além disso, Mariazinha que tinha na costura a sua veia criativa, conjuntamente com o negócio tradicional chegou a ter 14 pessoas a cortar e a coser. A oficina era na sua casa particular e era nos andares superiores do edifício comercial que se faziam as provas. “Até 1990 foram anos de ouro!”, enfatiza Mariazinha. “A saída do trânsito automóvel destas ruas largas ajudou a acabar com o negócio. Tinha clientes de alguma idade que deixaram de vir. Recordo a calçada, de manhã à noite, sempre a fervilhar de pessoas. Em 1980 a circulação de compras e vendas era tanta que as caixas com mercadoria entravam pelas janelas superiores puxadas por cordas. Várias alterações ao funcionamento da Baixa, com a saída de vários polos de desenvolvimento, como, por exemplo, a saída da Biblioteca Municipal, em frente à polícia, e que passou para o cimo do Jardim da Sereia, ajudaram a desertificar esta outrora zona tão movimentada de pessoas. A abertura das primeiras grandes superfícies, em 1993, iniciou o processo. Nessa altura, sentimos imediatamente a retracção. A crise económica fez o resto”, lamenta Maria Loureiro. “Ao longo deste quase meio-século de vida comercial, neste espaço, uma geração foi muito afortunada. Se estas paredes falassem, muito teriam que contar. Aqui amei, aqui fui muito feliz. Aqui conheci a maior dor lancinante que pude sofrer quando vi partir o meu marido, em 2009. Aqui comecei com 38 anos. Agora acaba tudo. Sinto que é um dos meus lados que se vai. Já chorei muito. Apesar de já estar conformada, mesmo assim, quando me sinto pior tomo um comprimido para dormir. É uma grande tristeza. O negócio foi uma extensão de mim.
Até a Baixa dar a volta muita água vai passar debaixo da ponte. Nunca menos de uma década e, para isso, é preciso que a Câmara Municipal olhe pela zona histórica. Acho que não olha. Não faz nada para dar a volta a isto. O estacionamento pago é muito caro e desmotiva as pessoas a virem fazer compras. Sem uma outra forma de encarar estes problemas vamos continuar a remar contra a maré.
Precisávamos de gente a morar cá. Há poucos residentes e, por isso mesmo, é mal frequentada. Pela criação de novas centralidades, como a Solum, por exemplo, esta parte da urbe foi ficando abandonada. Tenho tanta saudade do tempo em que aqui estava o coração da cidade!
Vou-me embora, vou partir. Embora um pouco triste, sentindo que fiz tudo o que pude, parto feliz. É a vida! Temos de dar o lugar a outros. Um enorme agradecimento aos meus clientes ainda vivos e que nos apoiaram. Do fundo coração, muito obrigados.”








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