“Gostaria de denunciar o barulho
DIÁRIO de música emitida na Praça da República depois da meia-noite que
incomoda todos os moradores da zona e ruas limítrofes sendo mais grave agora na
altura dos exames dos ensinos Secundário e Universitário. Nos últimos dois dias
a música tem recomeçado às 00h50, terminando só muito depois das 02h00. Tenho
telefonado todas as noites à PSP a reclamar e já escrevi ao Presidente da
Câmara a pedir que a música termine às 00h00 para que todos possam ter uma
noite descansada e possam enfrentar os dias de trabalho –Carlos Dias.”
Segundo a
imprensa do último mês de Março, o Governo prepara para breve a total desregulamentação
da actividade mercantil. Se tal terramoto legislativo avançar, prevê-se a
liberalização total de horários para cafés, cervejarias, discotecas e casas de
fado –que até agora só podiam estar abertas até às quatro da manhã. Este
fenómeno de libertar o licenciamento prévio das áreas económicas por parte do
Estado não é apenas em Portugal –já começou com o “Simplex” de Sócrates- mas em toda a Europa e seguindo os Estados
Unidos. Basta atentar na manifestação de taxistas, há uma semana, em várias
cidades europeias e incluindo Lisboa. Neste caso, só para lembrar, está em
causa a possibilidade de ser instalada uma aplicação no telemóvel, o Uber, e que permite que um qualquer
particular com viatura própria, sem grandes dificuldades de certificação e admissão,
passe a transportar passageiros e substituir os profissionais de carros de
aluguer. Se outras premissas não estivessem em causa, como por exemplo o
pagamento de impostos, basta recordar a dificuldade que os profissionais da
condução têm para obter um alvará.
Dá para perceber, portanto, que
estamos perante tsunami na relação
entre as corporações e o Estado. Ou seja, para além de assistirmos à evidente
discriminação negativa das classes profissionais, a estas continuam a ser
exigidas obrigações de licenciamento absurdas. Urge perguntar, perante este “laissez faire, laissez passer”, onde se
vão recolher impostos?
E podemos interrogar onde quero eu chegar com
este arrazoado? O que tem isto a ver com a reclamação do cidadão Carlos Dias
sobre o ruído na Praça da República, e postada no Facebook? Vou explicar. É que, em face da instalação
do ecrã gigante para ver o Mundial e autorização das barracas e roulottes de
farturas na vetusta praça pela autarquia, tirando outras agressões à dignidade
daquele largo, estamos perante uma inqualificável discriminação e falta de
respeito pelos hoteleiros ali estabelecidos. O que foi implantado no terreiro em
frente do antigo café Mandarim foi uma confusão de mau gosto, onde impera o
mau-ambiente, pior que a antiga feira dos 23, quando funcionava junto à Escola
de Silva Gaio.
Já há muitos anos, desde a
entrada de Carlos Encarnação para a presidência, que edilidade escandalosamente
passou a desvalorizar os moradores e a elevar os investidores –basta lembrarmos
a luta de Vitália Ferreira, na Rua Padre António Vieira, contra um bar da Associação
Académica de Coimbra. Trazemos à liça o barulho dos concertos da Queima das
Fitas, durante uma semana, para quem reside na margem esquerda. Recordamos
também o que se passa na Alta e junto ao Largo da Sé Velha.
Perante estes inglórios combates,
e de outros tantos na cidade que não são chamados aos jornais, contra o
desmesurado ruído pergunta-se: mas a Câmara Municipal não tem obrigação de
harmonizar os interesses entre todos? Lá ter tem, só que, pelos vistos, não
quer saber. Mas, prosseguimos nas interrogações, não quer saber porquê?
A meu ver,
por dois motivos históricos: o desenvolvimento e o circo.
Já desde a Revolução Industrial que se pensa que o desenvolvimento assenta
fundamentalmente no fabrico de riqueza, trazendo mais emprego e bem-estar. Se é
verdade o que se afirma, ao mesmo tempo, é também uma mentira. A riqueza só
contribuirá para o progresso se, em equilíbrio, conseguir gerar uma felicidade
interior tanto quanto o conforto exterior. Ora para atingir esta estabilidade não
se pode perder de vista o descanso necessário para uma vida feliz. No contraproducente,
nas últimas décadas o novo-riquismo
tomou conta de todos nós. Pelas preocupações perdemos o desligamento mental necessário,
o cultivar o silêncio, para ler um livro, manusear um jornal impresso em papel.
A crise da imprensa –como outras crises-, contrariamente ao que se afirma, não
assenta somente na mudança de hábitos. O homem, que é um ser comodista e de
rotinas e pelas obrigações criadas contratualmente, deixou de ter tempo para
ter tempo de ler. Por isso mesmo recorre a extratos na Internet.
A autarquia de Coimbra, tal como outras no país,
licencia empreendimentos que mergulham na madrugada e desaguam na manhã
seguinte porque é uma forma de manter os cidadãos, sobretudo os jovens,
ocupados –sabemos que a reflexão só é possível para quem pára. Por conseguinte,
os sistemas políticos sempre tiveram receio de quem pensa. Sendo assim,
portanto, nada melhor do que dar música e entretenimento ao povo.
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