(Imagem retirada de aqui)
O homem de meia-idade que tenho à minha frente
chora desalmadamente. Aqueles olhos avermelhados, como quem passou a noite
inteira sem pregar olho e a matutar numa existência sem horizonte, estão
circundados com umas intensas olheiras negras. Naquela barba de dois dias, a
fazer lembrar um campo de trigo a emergir da terra negra vergastada pela
canícula, duas lágrimas teimam em rolar lentamente. Conheço-o bem. Há muitos,
muitos anos que é comerciante na Baixa da cidade. O que sempre me impressionou
nele foi a sua postura altiva, a fazer lembrar a palmeira solitária e erecta de
um jardim à beira da estrada. Pareceu-me sempre uma fortaleza inexpugnável. A
pessoa que se contorce ao meu lado com amarguras de alma não tem nada a ver com
o comerciante que conheci. O homem com quem troco umas palavras de alento, em
metáfora, é o destroço de um navio que foi rei dos mares. É uma sombra de
alguém que me recorda alguém. As suas palavras saem-lhe entrecortadas em farrapos de
aflição: “não aguento mais! Estou
esgotado! Com o meu negócio a falhar diariamente, sinto a minha vida como um
castelo de cartas a tombar sobre uma mesa de jogo. Por inerência, a minha vida
familiar está desfazer-se e o meu casamento de décadas a esbater-se em
frangalhos como onda na areia da praia. Faltam-me as forças. Não aguento!...Não
aguento…! –mas não escreva nada sobre isto! Promete? Promete…?”
Esta descrição pode até parecer inventada mas
é mesmo real. Nos últimos tempos, visto com os meus olhos de sensibilidade, dá
para verificar que muitos comerciantes, homens e mulheres com quem falo,
desatam num pranto inexplicável. A depressão, como manto negro de solidão,
tomou conta das suas vidas. É visível que se sentem perdidos nesta imensidão de
tempo sem futuro à vista. Alguma coisa deve ser feita, e com urgência, dentro
do campo psicológico. Já há dois anos escrevi sobre este assunto e nada foi feito. Algumas entidades com responsabilidade social, entre elas
a Câmara Municipal de Coimbra, antes que ocorram tragédias neste sector
profissional, deveria mandar investigar e sobretudo pedir ajuda à Faculdade
Psicologia da Universidade de Coimbra.
Bem sei que sou eu a escrever –e nem sequer
tenho qualquer formação na área- e valerá o que valer, mas, pelo que constato
todos os dias, estou deveras preocupado. Fica a chamada de atenção.
(Tal como há dois anos, defendendo a criação de um gabinete de apoio psicológico na Baixa, enviei este texto para a Câmara Municipal de Coimbra)
(Tal como há dois anos, defendendo a criação de um gabinete de apoio psicológico na Baixa, enviei este texto para a Câmara Municipal de Coimbra)
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