(Imagem da Web)
Tenho uma faculdade que nunca contei aqui: detenho uma
memória visual fantástica. Olho um rosto e raramente esqueço os seus traços,
mesmo passadas décadas. Posso não saber de onde é imediatamente mas, matutando,
matutando, chego lá. Então se forem caras conhecidas, políticos ou artistas
mesmo fora de moda, raramente me escapam. Quando alguém, depois de sair da
ribalta e vestido num fato de anonimato, entra na minha loja e o trato pelo
nome desmancha-se todo no seu encómio de admiração: “conhece-me?!?". Então
personagens locais que passem pelos jornais reconheço-os imediatamente. Escusado
será escrever que me ignoram completamente, como nunca me vissem mais gordo e
mesmo que já tivessem privado comigo de perto fazem tudo para não me dar importância. Este comportamento –anormal, posso escrever assim?- é extensível a
praticamente todos os que voam lá no alto, nem que seja somente na sua própria
imaginação. Curioso, que este comportamento também se passa com quem já
percorreu o caminho das pedras e de um momento para o outro se vê catapultado
para um lugar importante. Então sempre que se cruzam connosco, para não nos
cumprimentar, puxam do telemóvel e fazem de conta que estão a ter uma longa
conversa. Um monólogo de presumido, idiota que não vale um caracol. Se não
fosse o trampolim político continuava anódino.
Para este tipo de gentinha, é
como se a sociedade se dividisse em duas placas: superior e inferior. Na grelha
inferior cabe toda a desaparecida classe média, com todos os trabalhadores
assalariados ou independentes. Este tipo de gentalha, com um olhar altivo e
dominador –tantas vezes a disfarçar um incómodo complexo de inferioridade-, quase
segregacionista, apenas se relaciona com a classe superior. A excepção será para
quando alguém que, ocupando um cargo na administração, lhe dê interesse e lhe
sirva de ponte para a resolução de algum problema. Quando assim é, usa e abusa
descaradamente de quem utiliza como escada para os seus fins que não conhecem meios.
No caso da figura que vou falar hoje e que deu
origem a este apontamento, conhecemo-nos há trinta anos. Ou melhor, eu
conheço-o desde o seu nome até a todos os passos que deu e vieram noticiados
nos jornais. Ele já falou comigo algumas vezes e até sabe que tenho uma loja na
Baixa da cidade, mas, de mim, não sabe mais nada. Não é uma ignorância de
conjectura ocasional mas um desconhecimento tácito e planeado. A sua
diferenciação social faz parte de um plano urdido em noites de insónia e baseado
no aforismo “mostra-me com quem andas e
digo-te o que vales”. Eu para ele serei apenas uma sombra que se cruza com
a sua orquestrada imponência de pavão. Sempre tive ideia de que a sua figura foi
construída milimetricamente, assente numa imagem de show-of, vazia de conteúdo, como se a sua representação assentasse
na frontaria e fosse apenas um cenário de filme ou de teatro imaginário. Aos
meus olhos, sempre viveu ancorado em esquemas, em teias entrelaçadas no poder instituído.
É um camaleão, ou diria antes, uma cobra a saracotear a pradaria citadina do
burlesco. Ao longo das últimas décadas viveu sempre no crepúsculo de uma dita e
chamada cultura, tantas vezes defendida em grupo de intelectuais de pacotilha
como este artista, a querer fazer crer aos estúpidos, como eu, que esta “coltura”
era essencial para o modus vivendi do
burgo. Mas, verdadeiramente, este género de
cagão sempre esteve interessado em subtrair uns cobres ao erário público e
nada mais. Ao longo das últimas décadas, com sorrisos e bolinhos enganou os tolinhos que passaram nos Passos do
Concelho. Enganou não –não é o termo correcto! Extraiu de mão beijada dos patetas que chefiaram a edilidade. Foi
sempre um contrato de mútuo. O pacóvio da autarquia precisava de mostrar ao
munícipe que estava a fazer coisas, a cuidar da “coltura” da cidade, e como os milhões não lhe custaram nada –o
eleito é apenas um mau administrador da massa falida-, e até caíram sempre do
céu europeu aos trambolhões, distribuía-os pelos mais chegados. Hoje não é
igual? Claro que é! Porém, como as vacas minguam e o leite é escasso,
cabe menos a cada um dos compadres, dos ajudantes que contribuíram a eleger o
homem do leme. Então como a distribuição só está a chegar a alguns, os não
contemplados, por onde passam atiram setas envenenadas ao ex-idolatrado e
apoiado no último sufrágio. Foi o caso deste cagão que encontrei há dias a vociferar e a deitar fogo pelas
narinas como touro enraivecido. Vejam bem que em 30 anos praticamente nunca me dirigiu a palavra para além de um cumprimento à la carte, daqueles assim no género: “está bom, passou bem?”, mas continuando a caminhar na sua nuvem esotérica
de pedestal e sem esperar resposta.
Dizia eu, então, vejam bem que o cagão oportunista há dias estava tão
carente de ser ouvido –por que já ninguém atura as suas descaradas desavergonhices
de pendura- que até falou comigo –eu,
o tal, o insignificante aos seus olhos- a lamentar a postura do outro, o agora
ocupante da cadeira do poder. Dizia-me ele: “veja
bem que até foi a minha casa convidar-me para o apoiar! Prometeu-me mundos e
fundos, e agora não aprova o meu programa! Já viu? Isto está bem para quem não
tem vergonha! Fulano, marido da tal, e mais o tal que fez tal viram os seus
desejos satisfeitos. E eu nada! É um sacana! E fui eu apoiar um gajo destes!?!
Eu que até dei um salto mortal nas minhas convicções ideológicas?”
1 comentário:
Acho que sei quem e essa figurinha, só não sei a marca do telemovel. Tambem tive a minha culpa para alimentar a sua vaidade.
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