(Imagem da Web)
Talvez por algum pudor, é a primeira vez que
escrevo sobre isto: dentro de alguns dias vou assinar o meu divórcio. E estou bem? Pareço vê-lo a si, leitor,
interrogar. Tenho dias! Uns melhores, outros piores. Tenho um por outro que me
sinto carregado de solidão! Mas na maioria deles, passo bem. Isto é, encaro
este desenlace como um caminho que se acaba, uma história longa, de 37 anos,
que chega ao fim. Tudo é finito e, como tal, o amor também. É um drama? É o
cair do mundo? Não creio. Temos sempre de dividir o fim de um casamento em duas
partes: a material e a emocional. E que, na sua consequência para
o casal, tem redundado em demasiadas tragédias familiares.
Quanto ao lado material sem guerras mesquinhas, de cada um querer deixar o outro
prejudicado, estamos, ambos, a proceder de boa-fé e sem esquecer que temos
filhos e um longo passado comum. Vou-me aborrecer se vou ficar sem uma pintura
que gostava muito? Isso é que era bom! Tenho 57 anos e, provavelmente e na
melhor das hipóteses, viverei mais 20 ou 25 anos. Então, por tão pouco, vale a
pena estar a lavrar uma guerra por porcarias que não valem um costelo? Quando
morrer não vou levar nada! E mais, orgulhosamente sou filho de gente muito
humilde. Nasci e cresci num berço quase de palha. Por isso mesmo, por tudo o
que conseguimos juntos, estou muito grato à minha, ainda, mulher. Nunca me
esquecerei disso. Claro que as coisas não são tão simples assim, confesso. Alguns valores
que vou deixar custaram muito a conseguir e transportam a minha marca gravada a ferro incandescente. Todos eles levam uma lágrima de
sofrimento pelo custoso adquirir e um sorriso que lhes dei na última prestação. Mas, paciência! Tudo na
vida tem um custo. Para conseguirmos uma grande vitória, inevitavelmente, somos
derrotados num qualquer campo menor.
Quanto ao lado emocional, pelo menos no que me
toca, tento levar a vida para a frente, sem pensar muito no que está acontecer.
O que mais custa nem será a separação de facto e de direito mas sim a sensação
de falhanço que me envolve. Quando casei, em 1977, estava convencido que era
para toda a vida. Assim não aconteceu. Paciência! Há culpados? E tem mesmo de
haver? Não sei se tem, mas a haver culpa, naturalmente será dos dois. Não vamos
entrar em conflitos de atribuições de responsabilidade. Nada disso! Estamos em
paz! Pelo menos parece|
Como disse em cima tenho dias em que me sinto
muito só. Hoje, por acaso, é um desses dias. E porquê? Porquê? –pressinto novamente os seus olhos incisivos
sobre o texto. Vamos com calma, que eu estou a escrever para desabafar –já agora,
sabe o que significa desabafar? Pois,
se não sabia, quer dizer “desforço”,
desfazer o esforço, descarregar a alma, exteriorizar os sentimentos reprimidos
que conduzem ao alívio. Olhe, estou chateado porque me aborreci com a minha
namorada há uns dias e, se calhar, acabou de vez –quem consegue perceber as
mulheres? Se assim fosse fácil de as compreender, mais que certo, eu
continuaria casado, e, com isto, não quero dizer que a culpa é dela, que eu sou
um anjo e ela um demónio. Nada disso, tenho consciência que sou um tipo difícil
de aguentar. Esta minha nova namorada, já de vários meses e depois da minha
separação de facto, tem sido para mim o suporte, a superestrutura que me faz
resistir a uma série de contratempos, para não dizer fracassos. Por isto mesmo,
hoje sinto-me irritado, vazio, e com pouco ânimo. Sinto a falta dela. A sua companhia
tem sido a rede que faz a triagem entre o que de menos bom me tem acontecido
nos últimos tempos. E acabou? Pareço
vê-lo novamente com o nariz esticado e as orelhas no ar. Sei lá se acabou? Mas,
se assim foi, logo se vê! O que se há-de fazer? Matar-me? Ora, ora! Há-de vir
outra mulher para a substituir. O mundo não se acaba para quem se separa. “Guardado está o bocado para quem virá
apanhá-lo”, diz o povo na sua eterna sabedoria. Já deu para ver que,
tirando a tristeza que me invade hoje, felizmente estou muito bem. Em paz com a
minha auto-estima, sem precisar de recorrer a qualquer tipo de droga, incluindo
álcool, ou mesmo a um qualquer psicanalista ou psiquiatra.
E por que falo sobre tudo isto que, no fundo
e se calhar, até pode parecer ridículo? Porque, por um lado, nos últimos anos,
devido a separações e divórcios, tem havido demasiadas mortes devido a
violência doméstica e quase sempre pelo fim da relação –no ano passado foram 38
e este ano já vai em 18. Não é que pretenda ser exemplo para quem quer que
seja mas, em boa verdade, cada um de nós é sempre um espelho social e que leva
outros, em imitação, a seguir o que fazemos. Então, já que tenho facilidade em
escrever, e uma vez que estou a passar por uma situação que tantos casais já
passaram e muitos deles estão a passar com grande sofrimento, vou tentar nos
próximos tempos relatar o que se passa comigo. Quem sabe, com a minha
narrativa, possa ajudar alguém? Faço isto, ressalvo e repito, por dois motivos:
para me servir de catarse e ao mesmo tempo para que quem estiver com o mesmo
problema perceba que há mais vida para além de uma estrada planeada e, acima de
tudo, que não se pode deixar abater nem descarregar no outro, ou outra, a
frustração. Temos de aprender a lidar com os desenganos e desilusões.
É assim! Vamos em frente! Quanto a mim, fico bem. Tudo se vai recompor. Claro
que se a minha namorada me telefonar a pedir desculpa do que fez há uns dias ficarei
muito melhor. Se não ligar, paciência!
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