Nos últimos dias fomos todos surpreendidos pela batalha
partidária dentro do Partido Socialista (PS), travada entre António Costa,
actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), e António José Seguro,
líder do maior partido da oposição.
Como
será de supor, num tema que é assunto diariamente na imprensa escrita e falada,
pode-se interrogar o que é que um cidadão anónimo como eu pode acrescentar algo
de novo quando credibilizados “opinion makers” comentam e apresentam teorias
para tentar explicar a avançada de Costa numa altura e depois de Seguro, embora
por escassos quatro por cento, ter ganho as eleições europeias. Bom,
acrescentar, acrescentar, acho que nada. Valerá apenas como opinião.
Sobre
o ponto de vista emocional, e para a maioria dos cidadãos, esta investida de Costa
é um golpe palaciano que visa conquistar o poder a qualquer jeito. E, se calhar
neste momento, talvez por isso o actual presidente da CML seja o mais mal-amado
de Portugal. Mas e do ponto de vista racional será que esta arremetida faz
sentido?
Antes
de responder, vou colocar meras hipóteses sobre as razões que fizeram Costa
partir a louça toda no escaparate cor-de-rosa.
I
A primeira, dizem as más-línguas, é que o segundo António de
Lisboa, depois do Santo casamenteiro, é muito ambicioso e o cargo de cortas
fitas na Capital não lhe chega para as suas pretensões políticas. Alegadamente, o lugar que
gostava mesmo era o de vir a ser Presidente da República. Continuando a
suportar-me no que os outros dizem, como tal, até há um escasso mês, sonhava
todas as noites em vir a ser o candidato apoiado pelo PS a Belém. Acontece que
Guterres, o alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados e outrora primeiro-ministro português, dentro da ambição política que domina a classe partidocrática, quer
deixar marca em todos os lugares e como tal, para isso, só lhe falta mesmo ser
o sucessor de Cavaco, chefe da Nação. Aquele, Guterres, numa conversa de entre-dentes, há cerca de um mês, deixou
passar que haveria uma possibilidade de almejar o lugar a somar à sua longa lista de nomeações. Se para a maioria esta
notícia não causou perda de sono, ao que parece, uma pessoa com um umbigo parecido com o do alto-comissário das Nações Unidas ganhou insónias:
António Costa. Vai daí, e antes que fosse tarde porque falta pouco mais de um
ano para as legislativas, desafiou o outro António, inseguro na liderança do PS
mas seguro no anúncio de vitória, para um duelo ao entardecer e para possibilitar
a sua ascensão ao lugar de primeiro entre os primeiros-ministros do futuro
governo, quase, mas só quase, garantidamente socialista.
II
A segunda,
digo eu e que não percebo nada de política, o que pode estar por detrás deste
anúncio de Costa lava mais Seguro, foi
o fenómeno abstencionista, o facto de cerca de 65 por cento dos eleitores
portugueses se estarem a marimbarem para os Costas, os Seguros, os Passos e que levam a outras Portas, em suma para as eleições. Ou seja, se é certo que a
abstenção para as Europeias anteriores foi de cerca de 63 por cento e agora
aumentou mais dois pontos, ipsis verbis, não
quer dizer que o número de refractários para as legislativas se aproxime. No
entanto, apesar de a eleição para Parlamento anterior caminhar próximo dos
quarenta por cento, estamos em face de uma estrada que pode levar ao abismo, ao esvaziamento total do processo democrático, assente no sufrágio popular e com a
deposição do voto na urna.
Isto
é, sabendo que os eleitores votam sempre com uma pergunta nos lábios “o que é que eu ganho com isto?” e, de
quatro em quatro anos, cada vez perdem mais, formal e materialmente, e se sentem cada vez mais desmotivados a não
exercerem o seu direito/obrigação cívica, logo só haverá dois caminhos a
seguir: um, é o Governo começar a sortear uns Mercedes descapotáveis para quem votar -e acompanhados de um gato ou gata conforme a escolha do vencedor do concurso; outro, é haver um novo candidato que, em corte com o status quo implique uma nova espiritualidade a religar o homem e o seu destino, anuncie uma nova política que
capitalize uma emergente luz e uma nova esperança social, para os cidadãos e para Portugal.
Ora,
Costa, que é mais inteligente do que eu e está muito bem assessorado, viu isto nos
resultados deste penúltimo Domingo de eleições. Ele pode ser o cavaleiro da bruma da expectativa.
Costa sabe que os números deste último sufrágio, quer da Aliança Portugal quer
do PS, traduziram o desinteresse colectivo na política do Governo e na pouca
confiança que António Seguro, apesar de boa pessoa, enquanto sucessor de Passos
Coelho inspira aos portugueses. O que é que se pode esperar do líder do PS se
vier a ser o próximo primeiro-ministro? Exactamente o seguir à risca a mesma
política da Coligação PSD-CDS; o continuar a sacrificar os trabalhadores, os reformados e os proprietários através do esbulho fiscal, exaurindo-os, para cumprir religiosamente os acordos com os credores internacionais e tendo apenas em mente os fins e sem olhar aos meios. Por conseguinte, se assim for, as próximas legislativas
vão dar-nos abstencionistas em barda, andróides em figuras de humanos desinteressados de tudo, e um bocejo de mimética social. Mas há mais para além destes factos. Há um outro que provavelmente vai baralhar tudo e o grito de Ipiranga, de vencedor, pode ficar retido nas
gargantas sequiosas de poder socialistas.
III
A subida vertiginosa de 0,7 para 7 por cento do MPT –Partido
da Terra, nestas eleições europeias e tendo Marinho e Pinto sido o rosto desta
trepada, veio mostrar que em política nada é o que parece. Ou seja, que se
acaso este pequeno partido concorrer nas próximas legislativas as ambições do PS
ficam muito limitadas e em sérias dificuldades para vencer as eleições.
E há também o partido Livre, de Rui Tavares, que em próximo sufrágio, no retirar de votos, também vai enfraquecer todos os partidos à esquerda.
HÁ SEMPRE UMA COSTA DESCONHECIDA
QUE LEVA A PORTO SEGURO
Ora, respondendo à minha questão inicial, sobre se a
arremetida de António Costa faz sentido, quanto a mim, do ponto de vista
racional, pode ser bom para o país. No caso de ele vir mesmo a ser o vencedor
das “primárias”, a sua subida ao pódio
pode constituir a viragem que tanto se espera na política partidária
portuguesa. É de supor que se este António ascender a secretário-geral dos
Socialistas e vencer as próximas eleições –quase garantidamente sem maioria
absoluta-, notoriamente, fará alianças à esquerda, com o PCP, com o Livre, ou com o
Partido da Terra. O que, a meu ver e liberal me confesso, vem dar uma nova e necessária lufada de ar fresco na política do rectângulo. Para os mais temerosos e com medo de arriscar, pode até dizer-se que o facto de
virarmos à esquerda pode ser pior a emenda que o soneto. Não sei! A seu tempo se verá! O que sei é
que o termos votado sempre nos mesmos partidos e nas mesmas linhas ideológicas
conduziram-nos à desgraça social em que estamos embrulhados até ao pescoço.
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