LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: CORTAR A CABEÇA AO MITO"; "OS OLHOS TRISTES DE MARINELA"; "SEMENTES PARA A PARTILHA"; e "RAINHA SANTA VENHA A NÓS"
REFLEXÃO: CORTAR A CABEÇA AO MITO
Tudo teria começado na década de 1930. Duarte
Pacheco, ministro das Obras Públicas e Comunicações de Salazar, para renovar a
política urbanística, e que dariam origem aos primeiros Planos de Urbanização
do país, convida vários arquitectos de renome internacional, entre eles o
francês Etienne de Gröer, que trazem
para Portugal o conceito de “cidade-jardim”,
em voga por toda a Europa. É então que na década seguinte de Gröer apresenta na Câmara Municipal de Coimbra (CMC) o plano “Urbanização Embelezamento e extensão da
cidade”. Num dos projetos, o urbanista francês defende a ligação, em forma
de avenida, entre a Praça 8 de Maio, ligando à Avenida Fernão de Magalhães, e o
Rio Mondego. Em meados da década de 1960, depois de expropriadas várias
habitações, dá-se início à desconstrução para abertura do canal. Certamente por
dificuldades nas finanças públicas, talvez pelo rebentar da guerra colonial, as
obras param poucos anos depois no início das Ruas da Moeda e Louça e nasce um
buraco, quiçá amaldiçoado, que se virá a chamar “Bota-Abaixo”.
É no mandato de Carlos Encarnação, eleito presidente
da autarquia e já depois de 2002, que a obra, incluindo no mesmo pacote um
comboio rápido, ganha velocidade. Sob o espectro da expropriação, começam as
negociações com vários residentes e alguns comerciantes entre o Largo das
Olarias e a Praça 8 de Maio.
Em 2006, o então presidente da edilidade
coimbrã, Encarnação, com grande encenação, sem ter garantias de aprovação
governamental e sem acordo entre as três autarquias envolvidas no plano Metro
Ligeiro de Superfície, Coimbra, Miranda e Lousã, recomeçou a demolição. Este ato
de lesa-património que, por interesses pessoais, mesquinhos e de propaganda,
muito contribuiu para o estado de necessidade da Baixa comercial e cujos custos sociais não serão
mensuráveis, sacrificou a cidade e o erário público –fala-se em 150 milhões. Juntamente
com promessas cheias de colocar um novo train-train
em circulação na cidade vazia de humildade, ajudou a reeleger os presidentes
das autarquias acima citadas. Num nem lá
vou nem faço nada, passados 8 anos constata-se a monstruosidade implantada
como metástase no coração da cidade e dá mesmo para acreditar na maldição do
mito.
Na última reunião do executivo municipal,
Manuel Machado, atual Grande Chefe dos chefes, com voz grossa na janela do
palácio, anunciou que a “Câmara de
Coimbra vai avançar com o projeto de execução da Avenida Central”. Fez mal?
Se não, até parece! Ao ser acusado de querer continuar a destruir a Baixa pelos
partidários do “ne far niente” nas
redes sociais, até parece que Machado, em nome do bom senso, não decidiu o
óbvio. Com todo o respeito pela opinião de cada um mas este buracão, da
indecisão e símbolo da podridão política partidária, está a causar graves
prejuízos nas famílias que vivem do comércio nesta zona velha. É urgente
avançar rapidamente para uma solução. E tendo em conta o que está feito e o que
foi destruído, salvo melhor opinião, a continuação das obras parece-me a mais
ajuizada. Perante tantas aselhices políticas de Machado nos últimos nove meses,
com este anúncio, bato-lhe palmas. Dá cá um abraço, pá!
OLHOS TRISTES DE MARINELA
Cruzamo-nos à hora de almoço junto à sua loja,
numa destas ruas estreitas, e, como sempre, trocamos umas palavras de alento
mútuo. Marinela é uma pessoa de meia-idade e dedicou uma grande parte da sua
vida ao comércio, na Baixa. Aqui, desde há décadas a trabalhar, começa o seu
dia, umas vezes esplendoroso, outras assim, assim. À noite, e depois do
crepúsculo ter estendido seu manto negro, já cansada e após arrumar tudo lá em
casa e deixar a máquina a lavar, acaba a sua jornada de labuta duplicada e se
deita a pensar no amanhã que há de vir mais rápido do que se quer.
Depois de vinte e cinco anos a correr para o
mesmo sítio, a cumprir ordens e sempre no mesmo horário, no ano passado,
Marinela foi confrontada com uma verdade já há muito adivinhada: o encerramento
do negócio que constituiu parte do seu rendimento familiar e horizonte de vida -somos seres de rotinas. Depois de um tempo
a calcorrear sempre o mesmo percurso fazemos dele um hábito enraizado e
tomamo-lo como parte de nós. De repente, como num tremor de terra, Marinela
vê o chão, aquele chão que sempre se apresentou firme, fugir-lhe debaixo dos
pés. Num golpe de asa do destino –por que
este deve ser um pássaro que se passeia no meio de todos livremente-,
naqueles voos rasantes que vemos acontecer aos outros mas julgamos que nunca
vai bater à nossa porta, tinha à sua frente uma via aberta para o desemprego.
Mas a questão é como entrar num mundo de inatividade que se desconhece e que,
sem apelo nem agravo, tem de se receber sem recusar? Em catarse, como
reconhecer que, depois de uma vida de utilidade prática e o trabalho é muito
mais do que um proveito e passa também a ser uma terapia -e o reconhecimento da
pessoa enquanto membro de um coletivo-, se vai arrumar na prateira como se de
um objeto velho e sem valor se tratasse? Como aceitar que a idade mental que se
sente não é igual à que consta no Cartão de Cidadão e no rosto dividida em cada
traço marcado pelo tempo? E agora? E
agora? São as interrogações repetidas que, carecendo de resposta, como eco
que se perde no vácuo e fica sem som de retorno. Após noites brancas sem pregar
olho e com reuniões familiares, onde o futuro como carta de Tarot foi jogado em
cima da mesa, escolheu uma vereda que, mesmo com os picos do silvado a provarem
a sua carne, continuasse a sentir-se viva e fazer vibrar a sua alma.
Com muita dificuldade, empatando
o que tinha aforrado e mais uns empréstimos pedidos aos mais chegados, num mês
do segundo semestre do ano passado, Marinela abriu o seu negócio. Mas esta
época de vacas magras, onde o pasto verde escasseia e o seco emigrou para
outras paragens, não se mostra generoso com quem arrisca tudo para se sentir
útil. É um tempo dividido, onde o cinzento-escuro faz apagar as cores vivas da
espiritualidade e o mundo, com toda a sua carga negativa, parece poisar nos
ombros de quem caminha com grande esforço e suores continuados. E se a tristeza
se propaga muito mais rápido do que a alegria, é mais que certo que a mágoa,
como enxurrada num cálido Agosto, vai arrastar todos. Transeuntes e lojistas,
sem o sentirem, irão ser envolvidos num nevoeiro opaco e sem luz onde o
presente parece passado e o futuro já começou ontem.
É por isto mesmo que encontrei
hoje a Marinela de olhos tristes, sem brilho e desalentados. Mas se para amanhã,
tal como hoje na tarde que se mostra macilenta e depressiva, os meteorologistas,
como prescientes meticulosos que retiram a beleza da incerteza, preveem chuva e
dia desprezível e sem identidade, para a semana iremos ter altas temperaturas e
um Sol radioso que vai alavancar o ânimo da minha amiga. Tal como a Natureza
nos mostra, nada é contínuo e infinito. Pelo contrário, tudo é dinâmico e
impreciso. Temos apenas de saber esperar. Força Marinela! O Sol vai brilhar!
SEMENTES PARA A PARTILHA
No sábado passado, durante todo o dia e junto
à Igreja de Santa Cruz, quem passou na Praça 8 de Maio foi confrontado com umas
mesas alinhadas em forma de banca e várias mulheres e algumas crianças a
oferecerem, com o custo de um euro, uns pequenos queques de chocolate e com um
creme em cima, em forma de coroa.
Mas o que é isto? Interroguei. Em
conjunto responderam a Adélia Silva e a Carla Marques: “há uns anos tivemos a ideia de fazer uns pequenos bolos e com a sua
venda poder proporcionar à Cáritas Diocesana de Coimbra a possibilidade de
poder ajudar mais crianças carenciadas na compra de livros e materiais escolares.
A invenção correu tão bem que fomos ampliando para outras formas de financiar
ainda mais alunos. Foi assim que convidámos vários “padrinhos” para
apadrinharem este projeto tão altruísta. Até agora já temos 75 benfeitores. Foi
graças a estes beneméritos que já apoiámos 68 crianças do Bairro da Rosa,
Ingote e outras carenciadas de artigos essenciais à sua formação intelectual.
Com a crise que vivemos, os nossos apoiantes começaram a experimentar
dificuldades e as dádivas decresceram. Foi assim que evoluímos para outras
formas de financiamento. Mas, espere, vem ali a Dr.ª Graça Ferreira e que é a
responsável pelo projeto “Sementes do Saber”, já agora, fale com ela.”
Vou então falar com a Graça, que por sinal é
uma graça de mulher. Já ouvi uma parte desta bonita história das bocas da
Adélia e da Carla. Conte-me mais, senhora diretora. Como é que surgiram aqui
tantos adoráveis e apetitosos queques de chocolate?
Responde a Graça Ferreira: “a ideia base é chamarmos a comunidade
social a participar na ajuda a quem menos tem. A responsabilizá-la, educa-la
para a partilha. Repare, falamos de um bolo que custa um euro! Aceitamos também
um pequeno contributo ou doação de livros. Mas, sem fugir à sua questão,
perguntava-me como conseguimos tantos bolos. Foi assim: contactámos o senhor
Lúcio, do café A Brasileira, para ver se nos poderia auxiliar. Foi incrível!
Disponibilizou-nos gratuitamente um milhar de pastéis para vendermos aqui e com
a possibilidade de virem mais. É fantástico, não é?
Aproveitava este contacto para, em nome da Cáritas Diocesana de
Coimbra, agradecer a disponibilidade manifestada pela Câmara Municipal de
Coimbra e a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, e, mais uma vez,
ao senhor Lúcio d’A Brasileira. A todos o nosso muito obrigado!”
RAINHA SANTA VENHA A NÓS!
Maria de Lurdes Mateus mora há muitas décadas,
tantas tantas que já lhe perdeu a conta, no Largo da Freiria e mesmo ao lado da
antiga rua dos sapateiros. Como a maioria dos conimbricenses é devota da Rainha
Santa e vê com desagrado o divórcio crescente, nos últimos anos, entre a
procissão da padroeira e a Baixa da cidade. “Ainda
sou do tempo em que, por volta de 1950, o cortejo passava na Rua Eduardo
Coelho. Com o argumento da via ser estreita alteraram o percurso e, com pompa e
circunstância, passou para as ruas da calçada e a finalizar na Igreja da Graça,
na Rua da Sofia. Agora, e desde há dois anos, o préstito só vai até à Igreja de
Santa Cruz, na Praça 8 de Maio! Porquê? Por que razão a Rua da Sofia não é
contemplada e respeitado o trajeto adotado desde há meio século? Será que a
recente distinção, pela Unesco em Património Universal da Humanidade, da antiga
rua dos colégios não deveria fazer pensar melhor os “arautos da intriga da
Confraria”? Por este andar, qualquer dia, a imagem da veneranda nem chega a
sair do convento!”, enfatiza Lurdes Mateus com pesar.
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