À hora do almoço, encontrei o Cadacho sentado
num banco da Praça do Comércio. O Cadacho, que já contei aqui a sua história, é
um caminheiro solitário destas pedras gastas pelo tempo em busca de uma lotaria, traduzida numa conversa mesmo
que seja curta, ou de uma terminação,
vertida num olhar mais demorado. Interessante como o valorativo, como pastilha
elástica, pode ser tão extensível e diferenciável para quem nada tem. O pouco
pode ser muito e o muito, sabendo ser irrealizável, pode parecer o infinito impossível
de alcançar para alguém. Se todos déssemos um pouco do nosso pouco e pensássemos
que um pequeno gesto, como um sorriso por exemplo, pode significar um dia de
felicidade para alguém, tenho a certeza, o mundo, o nosso pequeno universo à
nossa volta, seria muito melhor. É filosofia o que escrevo? É! Mas tem muito de
pragmático. Logo a partir do ano um do primeiro ciclo deveria haver uma
preparação intensiva, uma formação para as boas-maneiras, para a cidadania, e,
se calhar, menos para a informação do que nos rodeia. Todos temos de saber como
se chama o habitante do Pólo Norte, o esquimó, mas ninguém chama a atenção para
a necessidade de saber o nome do nosso vizinho. As políticas educativas dos
últimos 40 anos foram sempre mais viradas para a informação global, para fora de
nós, e menos para o conhecimento do ser, para o nosso interior. É comum
pensar-se que mais tarde, com a experiência de adultos, todos aprendemos a
conviver, mas não é verdade. Todos pensamos que não é preciso aprender a sorrir,
que o riso é imanente à condição humana, mas não é assim. É necessário sensibilizar
as crianças, desde tenra idade, para serem simpáticas, genuínas, humildes na
partilha da igualdade com o próximo. Os resultados desta iminente falência
formativa podem ser facilmente constatados na violência doméstica, em género, sobretudo
do homem sobre a mulher.
O Cadacho estava rodeado de
pombos e entretido a dar-lhes pão. Logo que me aproximei, e também uma senhora
acompanhada de uma criança, fez questão de exibir o seu aparente domínio sobre
as aves. Chamando-as por nomes, para que se sentassem nas suas pernas, elas
pareciam obedecer ao chamamento. Claro que os passarinhos iam porque eram
atraídos pelo alimento. Mas achei giro o desempenho do Cadacho, na necessidade
que tinha de mostrar o seu poder sobre os animais. Ou seja, naquele quadro
entre pessoa e pássaro, o humano, sem proferir palavra, parecia dizer: “obrigados por me darem atenção!”
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