quarta-feira, 4 de junho de 2014

EDITORIAL: INDIGNIDADE

(Imagem retirada de aqui)



Conheço bem o homem que está sentado à minha frente. Há um mês que não o via desde quando encerrou o seu estabelecimento e, como menino envergonhado por ter sido apanhado em falta, recolheu às divisões da solidão, bebendo os conselhos na amargura e procurando forças nos interstícios da mente para encarar os olhos de quem se cruza com os seus. Na longa noite de insónia e, certamente, pedindo ao silêncio que lhe trouxesse por favor um momento de sono, imagino o matraquear constante das suas interrogações: “porquê? Porquê? O que fiz de mal? Tenho 81 anos, trabalhei durante os últimos setenta anos. Sempre cumpri com todos. Porquê…?”
O comerciante de olhos encovados e encravados em olheiras negras, que sempre preferiu torcer que quebrar, parece-me um carvalho centenário alquebrado pelo peso enorme dos seus ramos e resignado à sorte que o tempo lhe destinou. No meio de um lamento com olhos humedecidos enfatiza: “Embora as minhas forças estejam debilitadas, estou muito bem psicologicamente. Se alguém me desse trabalho…”

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