“Foi
neste último sábado. Chovia a potes como se o Céu tivesse aberto as comportas.
Seriam para aí umas 15h00 quando comecei a atravessar o tabuleiro da Ponte de
Santa Clara. Como é costume, enquanto caminho, vou embrulhada em coisas minhas.
Ando sempre na Lua. Por isso mesmo nem é de admirar que nem desse pela passagem
de quem se cruzou comigo de guarda-chuva aberto e a pingar grossas e frias gotículas.
Deu-me para olhar para o meu lado esquerdo, para o gradeamento contrário, como
se procurasse o Parque Verde. Foi então que vi um vulto prestes a saltar para o
rio. Parei estática. Nem queria acreditar! Seria uma visão? Interroguei-me
naquela fracção de segundos que medeia a inactividade e a correria. Sem
conseguir explicar racionalmente, sei apenas que dei por mim a agarrar o rapaz
de cerca de 30 anos e que poderia ser o meu filho. Enquanto ele repetia
obsessivamente “deixe-me morrer, quero morrer!”, eu, em borrifo, despejava
palavras de alento para cima dele que, por serem sem pensar, nem recordo.
Olhava para todos os lados em busca de uma ajuda que tardava, mas ninguém dava
atenção à minha súplica. Foi então que apareceu um homem e abraçou o rapaz pelo
peito. Neste movimento brusco o candidato a suicida escorregou e ficou suspenso
sobre o rio. Eu e o outro salvador rogávamos para o rapaz colaborar, caso
contrário cairíamos os três à água. Foi então que parou um autocarro e o
condutor veio ajudar também e conseguimos içar aquela vida prestes a desfazer-se
nas águas lodosas do infinito. Veio o INEM e levou-o. Sei que ficou internado
em psiquiatria e que era a segunda vez que se tentava matar. Salvamo-lo desta
vez mas e até quando? Quando cheguei a casa chorei, chorei, chorei! O que se
passa com os nossos filhos?”
(História verídica)
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