terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES



“Foi neste último sábado. Chovia a potes como se o Céu tivesse aberto as comportas. Seriam para aí umas 15h00 quando comecei a atravessar o tabuleiro da Ponte de Santa Clara. Como é costume, enquanto caminho, vou embrulhada em coisas minhas. Ando sempre na Lua. Por isso mesmo nem é de admirar que nem desse pela passagem de quem se cruzou comigo de guarda-chuva aberto e a pingar grossas e frias gotículas. Deu-me para olhar para o meu lado esquerdo, para o gradeamento contrário, como se procurasse o Parque Verde. Foi então que vi um vulto prestes a saltar para o rio. Parei estática. Nem queria acreditar! Seria uma visão? Interroguei-me naquela fracção de segundos que medeia a inactividade e a correria. Sem conseguir explicar racionalmente, sei apenas que dei por mim a agarrar o rapaz de cerca de 30 anos e que poderia ser o meu filho. Enquanto ele repetia obsessivamente “deixe-me morrer, quero morrer!”, eu, em borrifo, despejava palavras de alento para cima dele que, por serem sem pensar, nem recordo. Olhava para todos os lados em busca de uma ajuda que tardava, mas ninguém dava atenção à minha súplica. Foi então que apareceu um homem e abraçou o rapaz pelo peito. Neste movimento brusco o candidato a suicida escorregou e ficou suspenso sobre o rio. Eu e o outro salvador rogávamos para o rapaz colaborar, caso contrário cairíamos os três à água. Foi então que parou um autocarro e o condutor veio ajudar também e conseguimos içar aquela vida prestes a desfazer-se nas águas lodosas do infinito. Veio o INEM e levou-o. Sei que ficou internado em psiquiatria e que era a segunda vez que se tentava matar. Salvamo-lo desta vez mas e até quando? Quando cheguei a casa chorei, chorei, chorei! O que se passa com os nossos filhos?”

(História verídica)

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